Nesse outubro que finda hoje, nos
dias 18, no Rio de Janeiro, e 25, em Curitiba, o Diretor da Hum Publicações FRANCISCO SOUSA nos deu
a conhecer a sua coleção Mediações.
Trata-se de sete livros entre 50 e 80 páginas em que a leitura é a estrela
principal. Assinam as sete obras especialistas nessa astronomia: Eliana Yunes (Professor leitor: uma aprendizagem e seus
prazeres); Alessandro Rocha (Formação
de mediadores de leitura: o sentido entre o texto e seu leitor); Maria
Clara Cavalcanti (Formação do leitor: uma
questão de jardinagem); Gilda Maria Richa de Carvalho e Thatty Castello
Branco (Leitura no trabalho: destravando
línguas, olhares, pensamentos); Rosana Kohl Bines (Que histórias contar para os filhos); Rubén Pérez-Buendía (Roteiros de leitura na escola: da biblioteca
escolar à sala de aula) e Marta Morais da Costa (Hoje se lê o espetáculo? Lê, sim, senhor!). Dia 25 de outubro,
estive no charmoso Marbô Bakery para abraçar bem apertado o meu querido
Francisco, ex-aluno e página de um dos meus livros[1], e minha amiga, Profa.
Marta Morais da Costa, que há muitos anos atrás me deu um emprego que larguei
depois. Deixei o emprego, mas ela... Comprei minha coleção, ganhei autógrafo e
comprei um volume em separado para dar de presente à Professora da Clarinha. De
quebra, abracei meus queridos Jeferson Freitas, Juliana Sanson, Júlio Röcker,
Jurema Ortiz, em ordem alfabética para não despertar ciúmes – minha biografia é
cheia de Js! – e Luiz Lucena.
Passei a semana envolvida com
muitas leituras, mas não resisti ao convite de dois volumes em especial: o de
Rosana Bines, pelo título atraente, e o da amiga Profa. Marta, pelas razões do
coração.
Que
histórias contar para os filhos? se abre com um aparente paradoxo:
“não importa tanto o livro que se tem em mãos” (p. 10), mas quer falar mesmo
das histórias que enfeitiçam pelo seu potencial sonoro. A experiência da autora
no Instituto Benjamin Constant é evocada desde a dedicatória, parece ter sido a
sua inspiração. O livro está organizado em faixas (como em um disco) e para uma
historiadora que reflete sempre a respeito da apresentação da pesquisa
histórica, achei genial a sintonia! Sobre o aparente paradoxo, ele é desmontado
na alusão à cena de leitura e quem lê para as crianças em casa sabe o quanto a
cena é importante: o aconchego, o tom da voz, o ritmo, o encadeamento entre uma
história e outra... Eu confesso, porém, que quando li esse “não importa tanto”,
lembrei de imediato (e com graça) de quando a Clarinha era bem pequena e eu às
vezes lia os textos historiográficos e filosóficos de minha necessidade para
ela, como quem conta Fada Cisco quase
nada[2]...
Estou imaginando o “horror” dos que me leem agora: eu, a mãe absurda, a impor à
minha pobre criança os densos conteúdos da falsafa, das cruzadas, da peste
negra, na hora de ninar!!!!! A verdade é que eu tenho sempre muito a ler e
tenho sempre muito de estar com ela, portanto: “Com nossos filhos por perto,
como não fazer deles o alvo de nossos afagos e afetos?” (p. 30). Mas um dia,
ela começou a entender que, em algumas noites em que eu parecia ainda mais
atarefada, o enredo lido não tinha nada a ver com as aventuras de Babel e Pepe[3], aí eu tirei o Averróis de
seu quarto.
Rosana Kohl Bines compartilha com
os leitores a seleção que mora em sua bolsa amarela[4], fundada do potencial
sonoro das histórias e isso faz com que a obra seja muito generosa para
professores que acreditam nesse potencial e gostariam de ampliar o próprio
repertório. Algumas dessas histórias eu conhecia e outras eu experimentei com a
Maria Clara na semana que passou, nós duas pela primeira vez. Hum..., uma delícia!
Há um momento muito especial do
texto em que a autora afirma: “E nunca é demais lembrar que quem lê em voz alta
é também ouvinte das histórias que conta e habitante das paisagens sonoras que
delas emanam” (p. 61). O que Rosana quer dizer com isso? Que o prazer visado (o
desejo de afetar as crianças) se engrandece no inesperado contentamento de
ouvir a própria voz contadora. O movimento de dar e receber é sempre a essência
da felicidade no amor.
Em Hoje se lê o espetáculo? Lê, sim, senhor!, Marta Morais da Costa
não dá bola para a dificuldade (que, entretanto, reconhece existir)de se propor
a leitura do texto dramático aos leitores aprendizes, isto porque no exercício
do magistério constatou que, superada a falta de familiaridade inicial, a
sensação de vitória – “Ah, agora entendi!” (p. 10) compensava todo o resto. Mas
qual é o sentido dessa vitória? A conquista de um prêmio pontual?
A tarefa da
leitura decodificadora do texto dramático é, portanto, mais atribulada e de
maior exigência das capacidades do leitor: para que a interpretação possa se formar
com qualidade, ele deverá construir e acionar imagens mentais complexas. Ele
precisa criar um espetáculo mental, uma representação teatral ao mesmo tempo em
que procede, como na leitura dos demais gêneros textuais, às ações de previsão,
de relação, de confrontação, de ajuste, de confirmação ou de alteração de seu
horizonte de expectativas (p. 22).
A leitura do texto dramático,
portanto, colabora de forma muito particular para o amadurecimento do leitor e
um ótimo exemplo vem quatro páginas depois do trecho acima citado, quando a
autora pede aos seus leitores que “embarquem” na proposta de colocar-se na
posição de testemunha de uma cena de amor, de um acidente ou de uma aula: “cada
um dos participantes tem sua fala, sua dose de emoção, seu ponto de vista” (p.
26). Há um saber muito importante, profundo e necessário que mora entre a
consciência dos múltiplos pontos de vista e tudo o que o texto dramático
proporciona: a possibilidade de experimentar ver a vida de vários ângulos diferentes
ou de colocar-se “simplesmente” no lugar dos outros, como preferirem!
Os planos simultâneos que o texto
dramático descortina, ou seja, “ao mesmo
tempo[5]
alguns personagens jogam cartas, outros duelam e outros, ainda, namoram” (p.
32), fortalecem de forma lúdica a empatia. Enquanto eu lia esse trecho, evocava
outra Martha(minha vida é cheia delas!), a Nussbaum, de Sem fins lucrativos[6]:
As escolas são
apenas uma das influências sobre a mente e o coração em formação da criança.
Grande parte da tarefa de superar o narcisismo e desenvolver a preocupação com
os outros tem de ser feita dentro da família; além disso, os relacionamentos no
interior da cultura de iguais também desempenham um papel influente. (NUSSBAUM, p. 45).
Precisamos ler mais textos
dramáticos em casa. Envolver as crianças nessa multiplicidade de planos
simultâneos para a fruição decerto e sobretudo, mas também para ver mais e
melhor os outros. Cada um pode ser um personagem, depois trocamos e experimentamos
ser outros, em casa com os nossos!
Marta Morais da Costa afirma que no
texto dramático, “o personagem é garantia da unidade do relato” (p. 56). Isso
significa que para não se perder, é preciso seguir as pegadas dessa pessoa que
mora no texto e anima o palco, ter atenção a todos os seus gestos! E sem que eu
tivesse temido “forçar a barra”, ela mesma resolveu a minha timidez:
o que sabemos
sobre as pessoas? Para conhecê-las é preciso, aos poucos e a partir de atos,
conversas e relatos de outras pessoas, construir uma ideia sobre esse ser
humano. Mesmo assim, continuará a haver lacunas, falhas e imperfeição no
retrato que faremos de alguém (p. 58)
Há muita sintonia entre a obra de
Rosana Kohl Bines e Marta Morais da Costa. Nussbaum parece pensar como nós: “As
histórias aprendidas na infância tornam-se elementos poderosos do mundo que
habitamos como adultos” (NUSSBAUM, p. 36). Levando-se em conta as histórias
propriamente ditas, a surpresa da própria voz, a importância das cenas e a
vivência da multiplicidade de personagens, essas primeiras meditações que escolhi ler pelo título e pelo coração me fizeram
pensar no estranho fenômeno de ter confundido o título da coleção Mediações com Meditações...
Para
quem quiser conhecer a coleção:
·
http://colecaomediacoes.com.br/
·
https://www.facebook.com/hum.publicacoes/
[1] O rosto bonito e franco de Francisco é a
página 17 do volume 4 (1º semestre) do Livro
das coisas para guardar: Histórias para conhecer, da solução educacional
Tempo, assinado por mim e publicado pela Ed. Positivo, em 2013.
[2] De Sylvia Orthof, ilustrado por Eva Furnari.
[3] De Um
Gato marinheiro de Roseana Murray, ilustrado por Elisabeth Teixeira.
[4] Referência ao clássico de Lígia Bojunga.
[5] O destaque é do texto de Marta.
[6] Em 5 de outubro de 2016, publiquei aqui no
blog um texto sobre a MP do Ensino Médio: http://literistorias.blogspot.com.br/2016/10/tenho-uma-ou-duas-palavras-dizer-sobre.html em que me referi sobejamente à obra de
Martha Nussbaum. É um livro que vale muito a pena ler!
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