Semana passada todos os colegiados
de que faço parte na Universidade convocaram reuniões. Em dez anos como docente
na UFPR, isso ainda não tinha me acontecido. Fui a todas, até coordenei uma das
reuniões. Na 6ª feira, eu estava exausta e, quando cheguei à última reunião
convocada pela coordenação da Nutrição, às 8:30 no Campus Botânico, entrei em
uma sala tão surpreendente que pedi para tirar uma foto. Minha timidez me levou
a provar exclusivamente o chá, servido em garrafas de vidro que deixavam
visíveis flores e outras folhas com as quais o chá fora preparado. Flores e
folhas comestíveis. Olhei ao meu redor: em um tapete colorido, mudas de ervas e
temperos... Se eu cheguei às 8:30, quem preparou tudo aquilo chegou a que
horas? Foi dormir às...?
Eu sou representante do
Departamento de História nos cursos de Nutrição e Turismo. Neste, sou
representante há muitos anos e já não atuo no curso há outros muitos! No caso
de Nutrição, desde que assumi a disciplina de História e Cultura da
Alimentação, achei que devia participar das discussões, conhecer meus pares e
dar-me a conhecer. Ano passado, requisitei uma reunião para mostrar o programa,
para contar o que afinal estava fazendo com os alunos. Em ambos os cursos,
participei e participo de debates estratégicos, como a reforma dos cursos.
Eu aprendi/ aprendo muito com meus
colegas de outras áreas. Aprendo sobre o que consideram essencial para a formação
dos alunos; eu conheço seus projetos; eu rio de suas brincadeiras; apoio suas
lutas, nossas...; eu falo e sou ouvida. Aprendo com meus colegas sobre a
universidade que estamos construindo no dia-a-dia: para os alunos, para nós
mesmos, para os funcionários e para a comunidade que nos cerca, onde estamos, onde
atuamos, que confia em nós os seus filhos. Sou-lhes grata.
Aprendo e tenho empatia. Em maio,
eu me lembro do choque no rosto de meus colegas de um dos colegiados por causa
da perda de uma de suas alunas. Eu sofri com eles, já perdi alunos... É uma
desesperança. Vi como se debatiam para compreender, vi como procuravam se
apoiar e acompanhei com grande interesse seus esforços por pesquisar serviços oferecidos
pela universidade que pudessem auxiliar os estudantes em suas dificuldades
acadêmicas e psicológicas. Graças à sua pesquisa, eu conheci serviços
importantes da PRAE, cujos psicólogos foram até conversar conosco em uma
reunião, a pedido do coordenador. Não demorei a compartilhar com uma das
coordenações de História minhas descobertas. Sei que essas informações já foram
divulgadas junto a alguns estudantes de meu próprio departamento.
Na 6ª feira passada, a coordenação de
Nutrição tinha planejado uma dinâmica que iria das 8:30 às 12:30. Eu saí antes,
tinha de dar aula às 13:30 em outro campus! Mas enquanto permaneci, trabalhei à
beça. Lá pelas 10:00, uma paradinha para varrer a timidez em grupo. Fui direto
para a mesa do bolo, e tinha bolo de limão! Peguei um pedaço. Inebriada, disse a
uma colega que o bolo estava uma delícia e ela me contou que o fizera, na noite
anterior. Eu fiquei meio idiota, repetindo o quanto o bolo estava ótimo. Peguei
outro pedaço. Hora de voltar ao trabalho. Encerramos os registros e eu saí. Não
acompanhei a apresentação do meu grupo.
Enquanto voltava para casa,
pensando no tempo que teria para dar almoço à Maria Clara, pentear seus cabelos,
comer qualquer coisa (pouco, afinal...), fiquei a pensar na minha colega que
tinha feito o bolo. Imaginei-a chegando exausta à sua casa, na noite anterior,
largando a bolsa no sofá, mandando filho para o banho, papeando com o marido
sobre o jantar, sobre o dia... Imaginei-a untando o tabuleiro, ralando o limão
para garantir as casquinhas que eu adoro nos pedaços açucarados; imaginei-a
pegando a batedeira, misturando os ingredientes; forno; banho rápido para não
botar tudo a perder; imaginei-a já de pijama, desinformando, cortando e
acomodando na travessa para o dia seguinte; imaginei-a voltando ao escritório
para corrigir umas provas, passar a aula de 6ª feira. Eu esqueci de agradecer à
minha colega esse esforço, esse tempo consagrado aos colegas da labuta diária,
o tempo consagrado a preparar o meu bolo favorito na vida!
No colegiado de Turismo, nós nos sentamos
lado a lado, em torno de uma grande mesa. Vemos a todos, todos nos veem. Já
cantei parabéns; nunca deixei de comer bolachinhas deliciosas também e chamo
meus colegas pelos apelidos que têm: Lu, Marga... Será que fico nos colegiados
por causa do lanche? Bem, todo mundo sabe que sou gulosa... Na última 4ª, eu me
encontrei com o coordenador do curso na Casa das Bolachas, ele comprava
canelinhas[1] para a reunião. Eu pedi
bolachas de queijo. Ele tirou a carteira do bolso e pagou tudo. Dinheiro dele,
que eu sei bem o que custa a ganhar, porque sei bem o quanto se trabalha... Como
chegamos juntos e mais cedo, sentei-me em seu gabinete à vontade, usei seu
computador. Na sala de reuniões, ostentação: “nossas” bolachinhas não eram as
únicas e ainda chegou bolo! Há algo muito belo (muito forte), quando em torno
de uma mesa compartilhamos o petit four!
O verso da inesquecível Kátia do
nosso cancioneiro popular - não está
sendo fácil... – tem feito muito sentido no Brasil em que vivemos e
trabalhamos. Estar na companhia dessas pessoas, entretanto, me revigora. Seus
saberes tão diversos dos meus me desafiam e a sua gentileza me comove. Eu nunca
tomei um chá tão lindo (e que delícia!) quanto o que tomei na última 6ª feira,
preparado por alguém que tem como nome um país! Sei que meus colegas de
Departamento não têm ciúmes, porque devem experimentar (nas suas próprias
representações) sensações semelhantes. Nessa segunda-feira, a labuta recomeça e
minha gratidão vai toda aos colegas de outros departamentos que me dão a honra
de partilhar de suas discussões e de seu pão.
Linda imagem retirada de : http://www.imagens.usp.br/?p=15214
[1] Bolachas envolvidas com canela, com recheio
de goiabada...
Adorei o texto, Marcella! E também saber da sua semana e do carinho e camaradagem entre os professores. Isso me deixa feliz, porque tenho a sorte de me relacionar muito bem com vários professores que passaram pela minha vida na academia, e fico desapontado quando fico sabendo de perrengues e rixas departamentais. Tomara que a amizade e o carinho imperem! Beijos pra vc e boa semana!
ResponderExcluirQuerido Raphael, muito obrigada por sua leitura! Exste muito carinho e divergência. A diferença grita mais alto, então achei que devia homenagear o afeto, mais presente e menos ruidoso. Beijão!
ResponderExcluirMarcella, parabéns pelo relato... cheio de vida de um lado acadêmico que muitos não se dão conta... Agradeço ainda pela companhia nesses anos! Muito obrigada e conto conosco também!!!! Abraço Marcia Nakatani - Turismo UFPR
ResponderExcluirMárcia, obrigada por sua leitura e pela excelente convivência! Beijão!
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