segunda-feira, 24 de outubro de 2016

Compartilhar o pão com os colegas de outros departamentos - crônica da vida acadêmica

Semana passada todos os colegiados de que faço parte na Universidade convocaram reuniões. Em dez anos como docente na UFPR, isso ainda não tinha me acontecido. Fui a todas, até coordenei uma das reuniões. Na 6ª feira, eu estava exausta e, quando cheguei à última reunião convocada pela coordenação da Nutrição, às 8:30 no Campus Botânico, entrei em uma sala tão surpreendente que pedi para tirar uma foto. Minha timidez me levou a provar exclusivamente o chá, servido em garrafas de vidro que deixavam visíveis flores e outras folhas com as quais o chá fora preparado. Flores e folhas comestíveis. Olhei ao meu redor: em um tapete colorido, mudas de ervas e temperos... Se eu cheguei às 8:30, quem preparou tudo aquilo chegou a que horas? Foi dormir às...?
Eu sou representante do Departamento de História nos cursos de Nutrição e Turismo. Neste, sou representante há muitos anos e já não atuo no curso há outros muitos! No caso de Nutrição, desde que assumi a disciplina de História e Cultura da Alimentação, achei que devia participar das discussões, conhecer meus pares e dar-me a conhecer. Ano passado, requisitei uma reunião para mostrar o programa, para contar o que afinal estava fazendo com os alunos. Em ambos os cursos, participei e participo de debates estratégicos, como a reforma dos cursos.
Eu aprendi/ aprendo muito com meus colegas de outras áreas. Aprendo sobre o que consideram essencial para a formação dos alunos; eu conheço seus projetos; eu rio de suas brincadeiras; apoio suas lutas, nossas...; eu falo e sou ouvida. Aprendo com meus colegas sobre a universidade que estamos construindo no dia-a-dia: para os alunos, para nós mesmos, para os funcionários e para a comunidade que nos cerca, onde estamos, onde atuamos, que confia em nós os seus filhos. Sou-lhes grata.
Aprendo e tenho empatia. Em maio, eu me lembro do choque no rosto de meus colegas de um dos colegiados por causa da perda de uma de suas alunas. Eu sofri com eles, já perdi alunos... É uma desesperança. Vi como se debatiam para compreender, vi como procuravam se apoiar e acompanhei com grande interesse seus esforços por pesquisar serviços oferecidos pela universidade que pudessem auxiliar os estudantes em suas dificuldades acadêmicas e psicológicas. Graças à sua pesquisa, eu conheci serviços importantes da PRAE, cujos psicólogos foram até conversar conosco em uma reunião, a pedido do coordenador. Não demorei a compartilhar com uma das coordenações de História minhas descobertas. Sei que essas informações já foram divulgadas junto a alguns estudantes de meu próprio departamento.
Na 6ª feira passada, a coordenação de Nutrição tinha planejado uma dinâmica que iria das 8:30 às 12:30. Eu saí antes, tinha de dar aula às 13:30 em outro campus! Mas enquanto permaneci, trabalhei à beça. Lá pelas 10:00, uma paradinha para varrer a timidez em grupo. Fui direto para a mesa do bolo, e tinha bolo de limão! Peguei um pedaço. Inebriada, disse a uma colega que o bolo estava uma delícia e ela me contou que o fizera, na noite anterior. Eu fiquei meio idiota, repetindo o quanto o bolo estava ótimo. Peguei outro pedaço. Hora de voltar ao trabalho. Encerramos os registros e eu saí. Não acompanhei a apresentação do meu grupo.
Enquanto voltava para casa, pensando no tempo que teria para dar almoço à Maria Clara, pentear seus cabelos, comer qualquer coisa (pouco, afinal...), fiquei a pensar na minha colega que tinha feito o bolo. Imaginei-a chegando exausta à sua casa, na noite anterior, largando a bolsa no sofá, mandando filho para o banho, papeando com o marido sobre o jantar, sobre o dia... Imaginei-a untando o tabuleiro, ralando o limão para garantir as casquinhas que eu adoro nos pedaços açucarados; imaginei-a pegando a batedeira, misturando os ingredientes; forno; banho rápido para não botar tudo a perder; imaginei-a já de pijama, desinformando, cortando e acomodando na travessa para o dia seguinte; imaginei-a voltando ao escritório para corrigir umas provas, passar a aula de 6ª feira. Eu esqueci de agradecer à minha colega esse esforço, esse tempo consagrado aos colegas da labuta diária, o tempo consagrado a preparar o meu bolo favorito na vida!
No colegiado de Turismo, nós nos sentamos lado a lado, em torno de uma grande mesa. Vemos a todos, todos nos veem. Já cantei parabéns; nunca deixei de comer bolachinhas deliciosas também e chamo meus colegas pelos apelidos que têm: Lu, Marga... Será que fico nos colegiados por causa do lanche? Bem, todo mundo sabe que sou gulosa... Na última 4ª, eu me encontrei com o coordenador do curso na Casa das Bolachas, ele comprava canelinhas[1] para a reunião. Eu pedi bolachas de queijo. Ele tirou a carteira do bolso e pagou tudo. Dinheiro dele, que eu sei bem o que custa a ganhar, porque sei bem o quanto se trabalha... Como chegamos juntos e mais cedo, sentei-me em seu gabinete à vontade, usei seu computador. Na sala de reuniões, ostentação: “nossas” bolachinhas não eram as únicas e ainda chegou bolo! Há algo muito belo (muito forte), quando em torno de uma mesa compartilhamos o petit four!
O verso da inesquecível Kátia do nosso cancioneiro popular - não está sendo fácil... – tem feito muito sentido no Brasil em que vivemos e trabalhamos. Estar na companhia dessas pessoas, entretanto, me revigora. Seus saberes tão diversos dos meus me desafiam e a sua gentileza me comove. Eu nunca tomei um chá tão lindo (e que delícia!) quanto o que tomei na última 6ª feira, preparado por alguém que tem como nome um país! Sei que meus colegas de Departamento não têm ciúmes, porque devem experimentar (nas suas próprias representações) sensações semelhantes. Nessa segunda-feira, a labuta recomeça e minha gratidão vai toda aos colegas de outros departamentos que me dão a honra de partilhar de suas discussões e de seu pão.

Epílogo: “não pode haver uma mesa comum para os que não partilham do modo de vida” (lição de Isidoro de Sevilha, aprendida com meu amigo Renan Frighetto.


Linda imagem retirada de : http://www.imagens.usp.br/?p=15214



[1] Bolachas envolvidas com canela, com recheio de goiabada... 

4 comentários:

  1. Adorei o texto, Marcella! E também saber da sua semana e do carinho e camaradagem entre os professores. Isso me deixa feliz, porque tenho a sorte de me relacionar muito bem com vários professores que passaram pela minha vida na academia, e fico desapontado quando fico sabendo de perrengues e rixas departamentais. Tomara que a amizade e o carinho imperem! Beijos pra vc e boa semana!

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  2. Querido Raphael, muito obrigada por sua leitura! Exste muito carinho e divergência. A diferença grita mais alto, então achei que devia homenagear o afeto, mais presente e menos ruidoso. Beijão!

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  3. Marcella, parabéns pelo relato... cheio de vida de um lado acadêmico que muitos não se dão conta... Agradeço ainda pela companhia nesses anos! Muito obrigada e conto conosco também!!!! Abraço Marcia Nakatani - Turismo UFPR

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    1. Márcia, obrigada por sua leitura e pela excelente convivência! Beijão!

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