terça-feira, 27 de dezembro de 2022

Filmes românticos de Natal... Outra vez?! Tem novidade aqui

 

No final de 2019, eu escrevi um texto sobre filmes românticos de Natal[1]. Lá, conceituei a apreciadora e o apreciador do gênero; fiz uma lista do “corpus pesquisado”; falei sobre as personagens femininas, sobre as crianças e sobre o crush; falei também sobre cenário e sobre o figurino; abordei os enredos pudicos, os beijos só ao final, as famílias de mamãe e papai, poucos divorciados, maioria de viúvos (para os casos de recasamento) e fiz algumas observações sobre as expectativas que temos ao ver esses filmes (assumindo que quem vê é mesmo fã do gênero), sobre o direito da protagonista ao amor, depois de ter dado a volta ao mundo (e às vezes o amor estava bem pertinho desde sempre). Retomo os elementos que me chamaram a atenção naquele “distante” dezembro de 2019. Ao final do outro texto, lancei um desafio até aos descolados: para verem escondidos os filmes românticos de Natal. Possivelmente outras pessoas já haviam escrito sobre o tema, mas eu não tinha lido nada a respeito. O texto de 2019 continua a ser bastante visitado aqui no blog. Depois dele, eu passei os olhos por várias linhas por aí.   

O fato é que eu também dei a minha volta ao mundo e, neste dezembro de 2022, encarei um retorno ao gênero. O canal que me ofereceu as fontes de 2019 oferece este ano oito semanas de filmes românticos de Natal!!! Vamos até o Dia de Reis. Primeiro dado relevante: o período de exibição dos filmes cresceu. Descobri outro canal que exibe um festival e percebi que plataformas pagas de filmes investiram pesado na exibição do gênero, o que corrobora para minha certeza de que os apreciadores e as apreciadoras são muito numerosos/as, quer sejam românticos declarados, quer sejam enrustidos.

Eu empreguei aspas para falar do distante 2019..., porque muito embora só tenham se passado três anos, foram três anos cheios de eventos: o mais importante, a epidemia de covid-19, que matou e mata no planeta. Mas suportávamos o governo de Donald Trump, assistíamos às movimentações da extrema direita pelo mundo, o governo bolsonaro e uma guerra foi deflagrada; ela prossegue, enquanto outras continuaram seu projeto de morte longe da mera curiosidade dos veículos de (des)informação, compradores apenas das manchetes das grandes agências... Nos filmes que pesquisei em 2019, notei a presença dos militares. Eles são apegados às suas famílias e, ao final, “quebram” a resistência das heroínas (que não querem enviuvar, é claro).

Será que os filmes contariam uma história diferente, depois de três anos sofridos? Quando comecei a movimentar meus dedos pelo controle remoto e os olhos pela tela, percebi que os filmes de 2019 continuam a ser exibidos, mas percebi tantos lançamentos e não só de realizações do estúdio Hallmark[2], o campeão do gênero. A Netflix exibiu, mas foi fazer filme romântico de Natal na Polônia! A Amazon exibiu e procurou também não perder o bonde da produção. Esses canais pagos de filmes exibiram e fizeram filmes românticos de Natal.

Eu não cheguei perto da exploração de um corpus como o de 2019. Vi poucos filmes inteiros; a lista ao final é pobre, mas vi trechos relevantes de vários, que abandonei, entre impaciente, ocupada, ou distraída. Procurei especialmente filmes de 2020, 2021 e de 2022. Não vi alusão à covid... Vejam bem, meu corpus foi pequeno, então, não posso generalizar uma conclusão sobre essa ausência.

Eu me volto aos personagens, esse elemento que dá vida aos enredos literalmente. 1ª Surpresa: a presença LG (BTQIA+ ainda não). Os filmes românticos de Natal ampliaram o seu escopo de formas de amar e de gente que ama. O estúdio Hallmark e seus congêneres descobriram que lésbicas e gays existem. Vi um trecho de filme que acabei não levando adiante, protagonizado por um rapaz gay que no começo do filme namora um idiota que o engana. O protagonista vai passar as festas de fim de ano junto à família, sozinho..., mas lá onde a família mora descobre um rapaz – creioemdeuspai, que lindo! – que é tudo de bom. Aleluia! Não sei se casaram, não cheguei ao fim. Em outro filme, um casal de mulheres dá três beijos – lembremo-nos que os beijos dos filmes românticos de Natal são muito contados -. Casais de mulheres e casais de homens aparecem nesses filmes completamente integrados e integradas em famílias gentis, respeitosas, vestidas de suéteres ridículos e adoráveis; elas e eles são bem vindos, decoram as árvores, fazem biscoitos, ouvem música coladinhos/as e têm uma porção de amigos e amigas. Não raro esses amigos e amigas – protagonistas ou não – precisam de seu apoio e conselho para encontrar a felicidade.        

Em 2019, não tinha visto nenhum filme com mulheres que se amam e são respeitadas, ou com homens que se amam e são respeitados por suas famílias e próximos. O que aconteceu? Não tenhamos pressa... Há dois elementos aqui: por um lado, é espetacular que o gênero tenha integrado nas narrativas a diversidade da vida; por outro, não esqueçamos por um minuto sequer que se trata de uma indústria rentável e que muitos homens românticos e muitas mulheres românticas estavam de fora da identificação com os enredos. Então, tratou-se de incluí-los! Não recuando um centímetro da compreensão de que há interesse comercial nessa inclusão, ela, entretanto, cumpre um papel junto ao público que consome essas histórias de gentileza, amizade, neve, bolachinhas coloridas e finais felizes.

Eu falei acima da rigorosa contabilidade dos beijos e fiquei “chocada” com um filme em que, digamos assim, há intercurso..., no meio do filme!!! Cheguei a ficar sem palavras e todo mundo sabe que isso é raro. Nesse filme, cheio de reviravolta, há investigação sobre a origem da protagonista. Ela fora adotada e queria conhecer um pouco mais sobre a genitora, então empreende a busca. Nessa viagem, encontra o herói, um escritor... – belíssimo, claro! (Ah, não se espante: mas vi também um filme com um herói feíssimo, outra inovação!) – que colabora com a busca. Aliás, sua própria família está imbricada na origem da mulher pela qual ele se apaixona. Lembra do texto de 2019, em que deixei claro que as protagonistas femininas têm excelentes CVs? Ora, a protagonista desse filme #românticodenataldeinvestigaçãodeorigens fala quatro idiomas! Depois de 2019, elevamos ainda mais o sarrafo.

Você ficou curiosa ou curioso sobre o herói feio?... Bem, talvez não concorde comigo (duvido...), ele é meio maluco e por duas vezes a heroína berra no taxi. Temos ganas de dizer: Foge dele! Ao lado dela, está a melhor amiga. Isso não mudou um centímetro: filmes românticos de Natal têm os melhores amigos da vida. Mas voltemos aos berros. Ela é super crítica do lado comercial do Natal, e ele é um entusiasta (emprego eufemismo...) do Natal – primeiro berro; ela é uma mãe divorciada (sim, agora, temos mais divorciados. Quem bom que os estúdios compreenderam que não precisam matar nossos ex para recasarmos), com filha pequena e pai ausente. Vive o dilema: conto ou não conto sobre o Papai Noel? Pois o namorado/herói acredita em Papai Noel. Você pensa que é brincadeira? Metáfora? Ele realmente acredita em Papai Noel. É o segundo berro no taxi.

 O melhor desse filme é o melhor amigo do herói. Trata-se de um jovem muçulmano e ele é perfeito nas conversas com a protagonista. Eu adorei isso. Não, não é o politicamente correto elementar, é correto decerto e é suave, bonito. Haver um amigo muçulmano chamado a colaborar com o herói trazendo para essa colaboração a sua identidade é uma coisa que não se via por aí. Ele comemora o Natal? Ora, gente, meus amigos muçulmanos comemoram e dão presentes. A conversa que ele tem com a protagonista – junto ao amor que ela sente pelo herói feio amalucado, claro... – define as coisas. Esse personagem é essencial.

Alguém vai se lembrar que a diversidade racial dos filmes românticos de Natal ficava nos coadjuvantes e figurantes. Pois bem, vi um filme muito fofo com um protagonista negro. Vi outros filmes cheios de casais inter-raciais. Esse filme em especial tem um viúvo, ora... e uma heroína (branca) que tem um namorado (branco) péssimo. Ele a pede em casamento usando um anel que não comprou, mas roubou do herói!!! Estou gritando aqui. O protagonista tem uma filha adorável. Isso não mudou, gente, as crianças continuam adoráveis. A ex do herói é uma mulher preta maravilhosa e muito bacana.

Por que vemos esses filmes? Este ano tive uma companhia inusitada para ver alguns deles. Tratou-se de uma pessoa que brada não ser fã do gênero. Ora, há muitas razões para ver um filme romântico de Natal, incluindo ser companhia do fã ou da fã! O fato é que esses filmes que dão vontade de vestir casacos vermelhos e verdes e depois assar nas cidades tropicais são fofos e... são capazes de se reinventar! Esse é o segredo para o sucesso das tradições: elas precisam se reinventar. Este ano isso foi tão flagrante para mim que precisei extravasar aqui! Muita coisa se mantém e muita coisa foi incorporada porque se trata de uma indústria esperta, atenta aos sinais. Não esqueçamos, porém, que a narrativa que resulta dessa incorporação volta ao público, mostrando a ele que a diversidade astuciosamente representada é não só tolerada como bem vinda à mesa e isso é para mim o espírito da coisa.

Tenho até o Dia de Reis para continuar minhas férias fílmicas, junto a minhas leituras e passeios. Mas quis escrever logo minhas impressões de um gênero que aprecio destemida e despudoradamente. Eu não vi ninguém de máscara nos filmes..., por que esse dado não foi incorporado? Excesso de realidade? Descobri recentemente que existe filme romântico de outono, com guirlanda de outono e tudo! Filme de fazenda de pêra. Não ria... Vai nascer um gênero novo? O sucesso dos filmes românticos de Natal revela qualquer coisa sobre nós e sobre como os produtores percebem novos/nossos anseios. Parte de mim continua a torcer pelo encontro dos heróis ou das heroínas ao final; parte observa, curiosa, a renovação das tradições. O fato é que esses filmes são também um convite para rirmos juntos e juntas dos suéteres, deitados em sofás com cobertas(?) respeitosas das diferentes temperaturas do Brasil. Nesses momentos de pausa, talvez possamos ser até menos econômicos com nosso carinho, afinal os próprios filmes românticos começaram a inovação!  

     

Feliz 2023, gente cinéfila, romântica e leitora!

#filmesromânticosdeNatal 

 

Filmes vistos integralmente (lista pobrinha, comparada à de 2019):

Ele acredita em Papai Noel (2022)

Muito perto para o Natal (2020)

Natal em Coyote Creek (2021)

O Diário de Noel (2022)

Um Natal na Suíça (2022)

Um Natal no Castelo (2020)

Um presente da Tiffany (2022)



[2] Hallmark é também um canal estadunidense.

Essa foto linda foi cedida por um casal apaixonado em férias na Itália, para iluminar meu texto. Detalhe: ela acaba de ser pedida em casamento... Mais romântico que qualquer filme que vi!