segunda-feira, 17 de dezembro de 2018

O fantasma do pote – uma crônica natalina

A vida doméstica é aquela loucura: todo mundo enlouquece todo mundo pelos maiores motivos ínfimos... Aqui em casa, um dos mais recorrentes motivos desprezíveis são os potes. Tupperware, pote de vidro, pote descartável, mas reaproveitável, potes! Ninguém some com meus potes – motivo que, sei bem, azeda certas famílias. O pote da discórdia! Na minha, não tem isso, pois minha mãe é um inventário vivo de todos os potes: os da casa dela, da casa da irmã gêmea dela, da casa da minha irmã mais velha, da mais nova... Ela não permite que ninguém se engane. O pote da paz!
O problema aqui de casa é mesmo o fechamento. Como sou corredora e praticante de treino funcional, pote que eu fecho não deixa torrada mole! Tenho orgulho. Entretanto, essa prática não tem herdeiros. Vira e mexe, eu encontro meus potes de frutas secas, torrada, manteiga, queijo mal fechados. Alguns já foram ao chão, porque eu, esquecida do mau hábito que habita a casa, segurei-os pela tampa... É melhor me escusar de narrar o que acontece quando esse sinistro se abate. Um pote pronto a explodir.
A discrepância entre a visão de uma última torrada no pote sobre a qual passo carinhosamente a manteiga, depois de chegar esfomeada em casa, e a sua textura mole, sem crocância na dentada, acorda em mim desejos de detetive: Quem foi que deixou o pote aberto?????????????? Ninguém. Eu moro com 2 pessoas, mas nunca são elas. Quem foi o último? Ninguém lembra! Talvez até você, mãe... sugere entre dentes a filha ousada.
Um dia, eu me saí com uma alternativa: Sim, deve ser um fantasma. Todos riram de alívio. Mas eu – que sou pessoa tinhosa – resolvi espremer: eu só não entendo como o fantasma com bracinho de éter, nuvem ou neblina, abre o pote depois que eu fechei(!) e não consegue mais fechar.
Vai ver que a força acaba...

Aí, vocês me param:
- Marcella, essa não era uma crônica natalina?

Eu não enganei ninguém!
Além dos aniversários, com as sobras de bolo e docinhos tão aguardados, quando é que mais circulam os nossos potes? No Natal! Eles levam as rabanadas para o café da manhã de todo mundo; um pouco do arroz doce, da aletria; eles levam pedaços de panetone e salada de frutas. Pote cheio.
Há uma tradição que postula que, na devolução, o pote deve ser entregue com alguma delícia. Nem sempre o meu voltou assim. Nem sempre o pote alheio saiu aqui de casa com novo montante para oferecer a quem me emprestou... Tradições sufocadas pela pressa ou pela hipercorreção. Vai que alguém pense que vou afanar o pote?! O pote da dúvida.
Eu desejo a todos que tenhamos para nossos potes e para dividir. Que nossos potes circulem mais neste Natal sofrido: de desemprego, de cara virada de eleição mal digerida e de tragédia. E que circulem para além da nossa família! Aliás, esqueça o pote se ele não voltar. Talvez ele tenha ido buscar novas mãos de abrir e fechar.
Em todo caso, é bom defumar a casa para espantar os espíritos flácidos que não têm força para apertar as tampas.

Gente, pelo amor..., fecha o pote direito.

Esse pote foi pintado pela minha amiga Vilelma. 
A amizade transborda os potes.