Na apresentação do currículo lattes de Maria
Cristina Correia Leandro Pereira, lemos que ela se formou em História pela UFRJ, em 1990, e defendeu o mestrado em História Social
pela UFRJ, em 1993. Na época em que Maria Cristina era moça quase mestra, eu
entrava na mesma UFRJ, só que para fazer Letras. Depois ela continuou seus
estudos fora do Brasil: DEA em História pela Ecole des Hautes Etudes en
Sciences Sociales (1997) e doutorado em História - Ecole des Hautes Etudes en
Sciences Sociales (2001). Eu fiquei no Brasil e acabei por encontrar seu nome
na área que me adotou, a área dela!, nossa!, a História. Atualmente ela é
professora de História Medieval do Departamento de História da USP e do
Programa de Pós-graduação em História Social da mesma universidade. Coordena o
Laboratório de Teoria e História da Imagem e da Música Medievais (LATHIMM-USP),
sobre o qual ela fala logo abaixo com mais detalhes. Tem pesquisas nas áreas de
História, com ênfase em História Medieval e História da Arte, atuando
principalmente nos seguintes temas: imagens, arte medieval, arte barroca, arte sacra.
Ano passado, Maria Cristina lançou o livro Pensamento em imagem. Montagens topo-lógicas
no claustro de Moissac (São Paulo: Intermeios, 2016. v. 1. 275p). Conheço a
sua obra há um tempo e a tenho indicado a meus alunos, sobretudo os textos que
estão disponíveis na internet. Mas só conheci Maria Cristina pessoalmente em
2013, no X Encontro da ABREM (Associação Brasileira de Estudos Medievais), em
Brasília. Há duas fotos nossas dessa época em meu perfil do FB e nas duas
estamos lado a lado. Maria Cristina ama felinos, igual à minha filha Maria
Clara, deve ser coisa de marias... rsrs e coleciona fantásticas imagens de grafites
que ela compartilha em seu perfil do FB. Para fechar, uma coisinha que não
posso deixar passar: adoro os cabelos de Maria Cristina!
Agradeço imensamente a ela o tempo que dedicou a responder às
quatro perguntas que lhe enviei para essa edição de aniversário dos 2 anos de LITERISTÓRIAS! Esse caderno
de notas virtual começou tão despretensioso e já entrevistou colegas
importantes!!, que eu penso que Literistórias está se sentindo com o rei na
barriga nesse seu aniversário... Obrigada a todos os colegas que entrevistei!
LITERISTÓRIAS: Maria Cristina,
você é uma medievalista dedicada à pesquisa dos ornamentos e outras imagens nos
manuscritos medievais. Que tipo de respostas o pesquisador pode obter ao voltar
seus olhos e as suas questões a esse tipo de documentação?
MARIA CRISTINA: As imagens
são uma fonte muito rica para os medievalistas – menos por seu caráter
“arqueológico” (ou seja, de permitir a obtenção de conhecimentos concretos
sobre a sociedade medieval através de representações mais realistas) e mais por
seu caráter “teórico” (ao permitir conhecer mais sobre a cultura e o pensamento
medieval). As imagens têm distintos usos e funções, que vão muito além da tão
falada função didática, possuem modos de funcionamento complexos e a elas são
atribuídos poderes de várias ordens. Um aspecto importante e que diz respeito a
todos esses âmbitos é a ornamentação: as imagens, mesmo as mais figurativas,
podem ornar objetos (roupas, livros, armas etc) e lugares (igrejas, claustros
etc), colocando-os em destaque, embelezando-os ou mesmo trabalhando para seu
bom funcionamento. A concepção medieval de ornamento é bastante afastada da
atual, que o associa a algo supérfluo. Cito um exemplo, para ficar mais claro:
em um manuscrito iluminado, muitas das letras iniciais podem ser ornamentadas,
tanto com motivos não-figurativos, como folhagens, quanto figurativos, ou mesmo
simplesmente com uma cor diferente do resto do texto. Essa ornamentação não
apenas contribui para o embelezamento da obra e para torná-la um objeto de mais
prestígio (digno de ser dado de presente a um grande senhor), mas também ajuda
a organizar as divisões internas do livro e pode inclusive servir de suporte
para comentários visuais ao texto.
LITERISTÓRIAS: Fale um pouco
sobre a diversidade de trabalhos congregados no LATHIMM-USP?
MARIA CRISTINA: O Lathimm,
que recentemente foi rebatizado como “Laboratório de Teoria e História das
Mídias Medievais”, tem três eixos distintos de interesse: a imagem, a música e
o texto escrito (e o novo nome busca justamente sublinhar as possibilidades
dessas diferentes mídias). Cada um deles é coordenado por um pesquisador
diferente, que pode ou não congregar outros pesquisadores. Assim, no caso do
eixo da música, trata-se das pesquisas realizadas individualmente pelo Prof.
Dr. Eduardo Henrik Aubert, fellow researcher da Universidade de Cambridge, na
área de musicologia histórica; no eixo dos textos, seu coordenador, o Prof. Dr.
Gabriel Castanho, da UFRJ, trabalha com seus orientandos de graduação e
pós-graduação, que desenvolvem diferentes pesquisas sobre as práticas escritas,
a retórica, os discursos e a semântica na documentação medieval; e no eixo das
imagens, que coordeno, há pesquisas individuais dos membros da equipe
(graduandos e pós-graduandos) sobre temas tão diversos como manuscritos
medievais, iconoclastia na Península Ibérica do início dos tempos modernos,
claustros românicos e mosaicos bizantinos, além da pesquisa coletiva sobre
imagens nas margens dos manuscritos. Todos os anos organizamos um congresso
onde são apresentadas não só as pesquisas realizadas nos três eixos mas também
trabalhos de outros pesquisadores sobre as imagens medievais.
LITERISTÓRIAS: Maria Cristina, fale um pouco
sobre o projeto “Escritos sobre os novos mundos: uma
história da construção de valores morais em língua portuguesa”. Como ele se
relaciona à sua trajetória vocacionada às imagens?
MARIA CRISTINA: Minha participação nesse projeto
se insere no eixo medieval, estando relacionada à problemática da construção do
passado através de escritos e imagens. Mais especificamente, busco entender o
modo de funcionamento de um tipo de imagens relativamente frequentes nos
manuscritos medievais do século XIII ao XV: as que se encontram nas margens.
Estudo, portanto, os discursos propostos por essas imagens – que têm muitas
vezes um viés moralizante, mesmo quando se trata de imagens satíricas, pois eram
norteadas por um humor profundamente moralizante.
LITERISTÓRIAS: Pensando no jovem
pesquisador, que desde a sua IC se encanta com as imagens medievais (como não
se encantar?!), que saberes esse interessado ou interessada precisaria reunir
para começar a trabalhar com essa documentação? Como você começou?
A quem quer entrar nesse campo de
pesquisas riquíssimo e ainda relativamente pouco explorado no nosso país, eu
daria alguns conselhos, sobretudo de ordem prática. Em primeiro lugar, o
investimento no domínio de línguas estrangeiras: o francês e o inglês,
necessariamente, além do alemão e do italiano ou de outra língua específica, e
também do latim. Também aconselharia a buscar uma formação em paleografia, caso
o interesse seja por manuscritos (porque não se pode estudar imagens descoladas
dos textos). E, por fim, a construção do repertório de imagens mais amplo
possível, o que só se consegue com a frequentação das imagens (por meio de
bancos de imagens, por exemplo).
No meu caso, quando comecei a me
interessar por imagens, depois do Mestrado, busquei um tema que tivesse relação
com minhas pesquisas de IC e de Mestrado, que foram sobre o monaquismo
beneditino: a arte escultórica cluniacense. O primeiro passo foi o estabelecimento
do recorte, através da consulta a livros e catálogos com imagens de claustros
de mosteiros cluniacenses (a inexistência da internet na época certamente dificultou
muito a tarefa), até definir um objeto preciso, o claustro de Moissac.
Paralelamente a isso, efetuava leituras teóricas sobre imagens medievais. Essa
primeira e breve etapa de formação mais autodidata, por assim dizer, foi
completada pela orientação que tive de um dos maiores especialistas na área,
Jean-Claude Schmitt, e da participação no grupo de pesquisa que ele coordenava
no então GAHOM (Groupe d’Anthropologie Historique de l’Occident Médiéval), na
EHESS, onde pude também receber orientações de outros especialistas, como
Jean-Claude Bonne, Jérôme Baschet e Michel Pastoureau.
MARIA CRISTINA: (se quiser
pode superar as 200 palavras. Maria Cristina, aqui você poderia evocar algumas
dificuldades e como fez/faz para vencê-las)
A maior dificuldade que enfrento é
o acesso à bibliografia e aos próprios objetos de estudo. Certamente, nos últimos
10 ou 12 anos, com a expansão da internet e dos bancos digitalizados de textos
e de imagens, essas dificuldades estão sendo cada vez menores. Mas ainda assim,
é necessário passar temporadas na Europa para completar o acesso a esse
material, o que torna a pesquisa nessa área de conhecimento muito dependente
dos órgãos de financiamento.
Antes de terminar:
Quem
quiser comprar o livro Pensamento em
imagens... de Maria Cristina, deve visitar o site da editora Intermeios: http://redeintermeios.com/livros-intermeios/151-pensamento-em-imagens-montagens-topo-logicas-no-claustro-de-moissac-9788584990511.html
Quem quiser ler Maria
Cristina, no que há disponível na rede, pode consultar seu perfil em
Academia.edu: https://usp-br.academia.edu/MariaCCLPereira