Abandone as
redes sociais e estique-se no sofá por 90 minutinhos. Um certo canal de TV por
assinatura anunciou “24 dias cheios de Natal”, ou seja, 24 horas de filmes
românticos de Natal em 24 dias. Um prato cheio para os cinéfilos românticos. Presente! Como eu passei metade do mês
fazendo de tudo um pouco, raramente consegui ver os filmes todos de uma vez.
Mas o canal não prometeu 24 horas de filmes inéditos, então eu me beneficiei
das inumeráveis repetições e posso anunciar com certo orgulho que, em 16 dias
loucos de tarefas, consegui ver 12 filmes românticos de Natal!!!!!
Um cinéfilo
romântico é só um romântico incurável que ama filmes do gênero: alguém que quer
avisar o casal quando o equívoco se apresenta; que torce por eles; que não
perdoa quem atravessa a cena do primeiro beijo; que suspira internamente quando
o ambiente é hostil, ou seja, quando há outras pessoas na sala... Junte tudo
isso ao Natal e parece que os problemas, as crises, as decepções são lavados
pela neve ininterrupta na tela: neve que eu ou você de fato nunca sentimos no
rosto.
O mês de
dezembro na nossa Curitiba tem nos dado dias frios: convidativos para um
casaquinho e uma coberta. O verão degenerado predispõe o corpo para sentar
diante da TV. A filha aprendeu a fazer cookies e eu senti vontade até de
preparar chocolate quente! A filha (ainda) detesta os filmes românticos de
Natal, pode ser que nunca aprecie ou pode ser só a timidez da pré-adolescência.
Na minha, eu escondia bem, mas aos 45 já saí do armário faz tempo!
O melhor de
assumir a cafonice é saber que a gente também não abre mão de achar sumamente tosco o
rapaz estar pensando na vida ou na morte da bezerra, no meio da rua, debaixo de
uma nevasca, com o presentinho que ganhou da moça, e encontrar o patrão para
quem ele mentiu metade do filme e que lhe dá, entretanto, uma promoção!
Trata-se de “Aplicativo para o Natal”, um tinder para solteiros e solteiras que
precisam de companhia em eventos, sem que isso implique romance ou sexo. Ah, antes
que você se assanhe, devo esclarecer que não há sexo em filmes românticos de
Natal. Temos direito a apenas um beijo no final, no máximo 2: beijinho ou
beijinhos muito corretos.
Tem singeleza
exagerada nos filmes românticos de Natal, mas isso não refreia o cinéfilo
romântico. Na verdade, a gente acha até bonitinho..., é como ter um pinguim bebê
na geladeira. Esse texto não julga as (inúmeras) arestas
do gênero. Na verdade, enquanto via esses filmes curtinhos (em média 90 min.) e
feitos para TV, comecei a pensar nas várias coisas que eles me diziam e achei
que isso merecia duas ou três considerações. Se ao final do texto, você não
julgar que elas bastam ao menos para um bate papo antes da ceia, pode ao menos
não julgar repulsivo alguém que se senta uns 15 minutos (ou mais...) para assistir
com o coração na mão a confissão de Candace para a cidade toda, de ter duas
mãos esquerdas, enquanto sua mãe é uma espécie de Martha Stewart!!!
Em 11 dos 12 filmes que vi, encontrei mulheres
assoberbadas: comissárias de bordo (Conexão de Natal), escritoras (Uma viagem
de Natal), arquitetas (Flores de Natal), empresárias (Um Natal de Cinderela,
Aplicativo para o Natal, À Procura de um Papai Noel), atrizes de sucesso (Natal
fora de casa), produtoras de TV (Estrada para o Natal), atendentes (12 dias de
presentes) e decoradoras (De repente noiva). Decoradoras me lembram Doris Day
em “Confidências à meia noite”, filme que eu adorava ver nos finais dos anos
com o meu pai. Essas mulheres são boas filhas, superaram em muito as
expectativas de suas famílias e, ainda que algumas vezes tenham dúvidas sobre
isso, o pai, ou a mãe ou um amigo muito próximo vai esclarecer que elas são
demais! Obrigada, roteiristas amáveis.
Essas
mulheres – na maior parte dos filmes são elas as protagonistas – não estão
procurando um namorado. Elas estão cheias de planos não românticos, elas
conhecem o mundo, têm fotos de vários lugares em que já estiveram, mas o amor
atravessa a sua vida e ele faz com que elas achem o caminho de volta. Ulisses
de saias! Também acham um jeito de acolher o amor na sua vida ocupada. Homens e
mulheres se encontram. Eles se veem, reparam nas singularidades um do outro,
eles se apaixonam.
Em 11 dos
12 dos filmes, há crianças. Elas têm entre 7 e 10 anos. São meninas e meninos,
sobrinhos e sobrinhas, filhas e filhos de viúvos, uma viúva e um divorciado. As
crianças são fundamentais, elas mobilizam o “espírito de Natal”. Elas creem em
Papai Noel, fazem questão da decoração, espalham a sua pureza pelos quatro
cantos onde se agitam adultos engajados nas festividades. Não raro as crianças
colaboram para o namoro dos pais: “Conexão de Natal”, “Natal fora de casa”, “12
dias de presentes” e “Uma viagem de Natal”. Em “Um Romance de Natal”, trata-se
do romance do tio da criança.
As famílias
são todas de mamãe, papai, vovô, vovó, filhos e filhas. Não há duas mães ou
dois pais sob o mesmo teto. O rapaz de “Aplicativo para o Natal” é bonitão,
mas, se eu fosse a moça, voltava ao aplicativo numa boa e deixaria ele se
descobrir. Match.
Os viúvos,
a viúva e o único divorciado não namoram há muito tempo. Estão concentrados no
trabalho e na criação dos filhos. Na sua agenda, não cabe nem uma quarta-feira
com os amigos; na sua memória, não há noitadas ou bebedeiras. São pais sérios e
decentes. É a noiva chata de “12 dias de presentes” que sai de casa e deixa o
caminho livre para o fofo protagonista! Sim, há mulheres e homens chatos, mas
há gente bacana à beça. Maioria. E todos lindos! Oh, glória!
Em todos os
filmes, há amigos. Amigos verdadeiros! Eles podem ser os irmãos e as irmãs, mas
há também vizinhos, amigos de infância, do trabalho... Não há canalhas.
Obrigada, obrigada! Eles são o ombro amigo, a palavra que falta, a consciência
vigilante e o estímulo necessário. O casal precisa deles, do seu empurrão!
Os enfeites
enchem nossos olhos e até causam confusão: “Um Natal muito, muito louco”. Há
metros de anéis de papel vermelho e verde feitos em casa! Esses filmes
devastaram florestas inteiras em busca da árvore ideal. Quem diria que pudessem
ameaçar o meio ambiente?! Há muita gemada. Em “À procura de um papai Noel”, a
receita! Há sempre muita comida, muito biscoito de gengibre. Se a revista de
Liz Livingstone existisse, eu era capaz de fazer assinatura! E a neve? Muita: bonecos
de neve, jogos na neve, bolas de neve atiradas carinhosamente, risos de neve.
Os suéteres
são ridículos e fofinhos, com aquelas renas, estrelas, trenós... Ninguém pode
querer enlaçar de maneira mais ousada uma rena desses, mesmo que envolva um
belo talhe ou mesmo quando há um empurrão do roteiro: a protagonista cai nos
braços do rapaz, no momento em que ela está colocando um enfeite no mais alto da
árvore! Se a memória não me falha, duas protagonistas caíram nos braços dos
amados. Mas não tem clima, gente. Rena, trenó, Papai Noel de narizinho
vermelho... O vermelho é a cor das mulheres e do Noel! Em “Aplicativo para o
Natal”, quando a atriz está vestida de vermelho na cena, ninguém mais está. Mas
é vermelho Natal, não paixão, mesmo que sejam bem parecidos...
Engraçado, esses filmes tão pudicos são muito
recentes. Estamos falando de filmes de 2016, 2017 e 2018, sobretudo. Em dois
deles, as coadjuvantes esperam seus maridos militares que estão em manobra e
chegam para o Natal. Em “Flores de Natal”, o casal espera um novo bebê, ele
ainda não sabe... Como assim? Rsrsrs Em “Um Romance de Natal”, é o vídeo da
filha pedindo ajuda para organizar uma festa de volta para o pai militar que
espoleta os acontecimentos. Suspeito gostos republicanos.
Há uma
coisa que me interessa muito: a oportunidade encontrada pelas mulheres para
amar. A comissária de “Conexão de Natal” viu o mundo. Suas fotos encantam a
filha do seu amado, um jornalista preso à cidade de Chicago. Ela é uma mulher
feliz, realizada e capaz também de estar à vontade entre os membros daquela
família que a acolhe no feriado. Compartilha com o pai da menina um enigma:
gostaria de saber como os pais de conheceram na cidade de Chicago em que ela mesma nasceu,
mas foi embora pequena. Ele é jornalista e está disposto (e interessado...) em
ajudar. No Natal, entretanto, ela tem de voar. Lá pelas tantas, escolhe dar
meia volta. Atenção: não largar tudo, mas se dar a oportunidade de ficar
algumas vezes. O beijo, finalmente! Caso parecido com “Natal fora de casa”,
espécie de Um Lugar Chamado Notting Hill.
A atriz não larga tudo, ela se dá uma chance e, um ano depois, a gente sabe que
ela continua a fazer sucesso e está ainda ao lado do namorado não ator, todos
felizes. De todos, ele é o meu favorito. Hummmm...
De uma
forma singela, esses filmes cheios de biscoitos, famílias de mamãe e papai, bonecos
de neve, árvores cortadas, dizem a nós mulheres – sem dúvida, somos os seus
alvos – que dá para ganhar o globo de ouro e ficar com dono do charmoso lodge;
que podemos tocar a empresa de eventos do nosso tio e casar com o “príncipe”. Mas
esses filmes dizem mais: que no mundo narcisista das selfies, as pessoas podem olhar umas para as outras sem pressa,
elas podem se conhecer com calma, podem confiar na possibilidade de uma nova
chance, ouvindo os amigos, olhando as crianças e, sem afobação, podem esperar
uma nova chance para beijar. Dá-lhe, Pepeu!
Até 24/12, sobraram
alguns dias para os filmes românticos de Natal. Os românticos incuráveis nem
precisam de convite! Mas os descolados e conceituais também estão autorizados a
fazer uma paradinha secreta para rir das pouco lapidadas situações, para sofrer
com o equívoco ridículo que nos separa de quem amamos, para se dar a chance de
pensar sobre o amor como possibilidade que acolhe e não exclui. Os filmes de
Natal estão cheios de tradições inventadas para dar sentido a essa vida cheia
de problemas... “Sua honestidade é revigorante” afirmou uma personagem que eu
acho que só apareceu em uma cena de filme que ainda não consegui terminar. É
uma coisa bonita de dizer, né? Me dá vontade de sonhar com um mundo de
figurantes assim!
Feliz Natal, gente romântica, cinéfila e leitora!
Filmes
citados e vistos:
1.
12 dias de presentes (12
Days of Giving , 2017)
2.
À procura de um papai Noel (Finding Santa, 2017)
3.
Aplicativo para o Natal (Mingle All the Way, 2018)
4.
Conexão de Natal (Christmas
Connection, 2017)
5.
De repente noiva (A
December Bride, 2016)
6.
Estrada para o Natal (Road
to Christmas, 2018)
7.
Flores de Natal (Poinsettias for Chritmas,2018)
8.
Natal fora de casa (Christmas in Homestead, 2016)
9.
Um Natal de Cinderela (A Cinderella Christmas, 2016)
10.
Um Natal muito, muito louco (Christmas
with the Kranks, 2004) – o mais fora da curva, mais para comédia
que romântico de Natal
11.
Um Romance de Natal (Entertaining Christmas, 2018)
12.
Uma viagem de Natal (Christmas Getaway, 2017)
Uma pausa