segunda-feira, 29 de agosto de 2016

Sobre tirar a casca, mas não só...

Eu sou uma pessoa muito influenciável. Basta alguém me oferecer ou me lembrar de um gosto ou de um perfume para eu ter vontade de entronizá-los ou de trazê-los de volta à minha vida – a memória...; basta alguém desfilar na minha frente com um livro novo para eu ter ganas de lê-lo; se a pessoa narrar um pedacinho da história..., aí eu estou perdida; basta alguém que conhece minhas preferências lembrar de um filme perfeito para mim (e contar o final!) para eu me apaixonar; basta alguém sugerir um vinho para eu pegar a chave do carro e depois esquecê-la... Pois bem, voltei a gostar demais de grão de bico por causa do curso de alimentação no Antigo Egito e por causa de leituras que fiz sobre o tema, leia-se sobre o Egito, não sobre o grão[1] especificamente...
Escolhi saladas de grão de bico em bufês e achei um pacote do grão esquecido aqui em casa. Por causa dessas experiências de leitura e aprendizado, eu descobri o pacote como quem acha dinheiro no bolso da calça e resolvi preparar. Deixei os grãos pequenos de molho à noite; de manhã, sorri da sua engorda, da carinha de pássaro e peguei a panela de pressão. Antes, porém, a casca! Não lembrava se deveria tirar antes ou depois do cozimento... Resolvi tirar um pouco. Eita, trabalheira. Melhor cozinhar, vai que sai mais fácil. Panela tagarela, perfume exótico pela casa: - Filha, hoje, tem um gosto novo no almoço!
Depois do cozimento, mais trabalheira. O pacote achado no armário teria cerca de meio quilo e eu resolvi fazer apenas a metade. Mas o grão de bico dobra de tamanho, triplica?..., e eu me vi com uma bacia de gosto novo, entre o empenho e a preguiça. Reconhecendo a preguiça, alguém me propôs um socorro frágil, mas sincero: - É mesmo necessário tirar a casca? Quando na verdade deveria ter proposto: - Chega para lá e me dá um pouco para eu descascar. É por esse tipo de equívoco de expectativas – a fragilidade do socorro, mesmo sincero e a necessidade de prontidão – que muita coisa desmorona na vida. É preciso vigiar fundações e, se for o caso, construir anteparos, barragens, a barragem de Assuã! Mas, cá entre nós, era grão de bico e eu, e mais ninguém, tinha tanta vontade de dar aquela oferenda a mim mesma. – Tem sim.
Tirar a casca do grão de bico é atividade de muito amor por quem vai comer, a começar pela gente! Eu já ouvi pessoas excelentes dizerem que, porque estão sozinhas em casa, fazem qualquer coisa para comer, afinal é só para elas... É porque é para gente (acompanhada ou não) que vale a pena tirar a casca, toda a casca. Como sou imaginativa e isso sempre me vale, esforcei o coração imaginando que partiria em seguida para a Bela Festa do Vale[2] com meus grãos em tupperware.
Eu terminei a tarefa e, não contente de desnudar os grãos, ainda achei vontade para picar cebola e tomate como coadjuvantes. Não tinha pimentão. Pena. Temperei, despejei em uma travessa bonita e coloquei a oferenda bem no meio da mesa da sala. – Mãe, põe só um pouquinho... – Filha, quando a gente prova um gosto novo, geralmente convida os gostos conhecidos ou favoritos para fazerem companhia. Então, mistura com o arroz, tá?
O grão passou no teste. Eita, oferenda boa para o Ka[3] da gente! De sobremesa, tinha banana, mamão e um resto de tâmaras, compradas no Mercado Municipal depois que elas viraram minha fruta favorita (outra consequência do curso...). Tâmaras com caroço, afinal quem quer facilidade? Eu já havia provado as sem caroço e não há comparação. Guardei alguns caroços para plantar aqui no quadrado em frente de casa, onde cabem uma pereira criança, um arbusto de lavanda, salsa, cebolinha e um manacá! O quadrado é a realidade possível de um jardim sonhado.
Fazer grão de bico ensina muito a gente. Aproxima nosso ka dos kas de outros tempos – muito antigos...; exige paciência e cultivo (não tem coisa mais linda e slow food que comida que precisa ficar de molho antes de começar a ser preparada! E pelos menos 12 horas!); reclama afeto, porque o ato de tirar a casca deve ser delicado para não espatifar o grão... Grão de bico é uma comida que exige carinho antes de se tornar parte de nós, e isso é bonito e respeitoso.

Viva Aton[4]!



[1] Depois que terminei esse texto, achei que deveria escrever umas 3 palavras sobre as propriedades do grão propriamente dito. Achei na Revista Viva Saúde a seguinte informação: “De acordo com nutricionistas, o consumo de grão-de-bico pode melhorar o raciocínio, a disposição física e ainda garantir a sensação de bem-estar.” (http://revistavivasaude.uol.com.br/nutricao/mais-disposicao-com-o-graodebico/513/#) Acertei em cheio!!!


[2] Festa religiosa egípcia referenciada desde a XI Dinastia. Segundo Pedro Miguel dos Reis Filipe: “Esta grande festividade era dedicada à regeneração, memória e bênção dos que ‘partiram para o outro mundo’ e contribuía essencialmente para fortalecer os laços que uniam os vivos e os mortos” em: Deuses em festa, os grandes festivais religiosos do Império Novo, Dissertação de Mestrado em História Antiga, Universidade de Lisboa, 2011. p. 63.
[3] Uma das partes constitutivas do indivíduo para o egípcio antigo, juntamente com o corpo físico, a personalidade, a sombra, o nome e o coração. O ka precisa ser alimentado mesmo depois da morte.
[4] Deus solar singularizado em seu culto pelo faraó Akhenaton (1352 – 1336 a.C.).

segunda-feira, 22 de agosto de 2016

A brasileira foi estudar sobre o Brasil

Prólogo:

Depois que o blog completou 1 ano e virou as 17.000 visualizações, eu comecei a investir em pedidos. Eu já havia publicado entrevistas e alguns poucos textos de amigos, mas achei que era uma boa ideia trazer mais gente para cá! Bem, eu já pedi textos e tentei entrevistar umas pessoas que jamais me deram bola..., mas a maioria esmagadora me dá! Outro dia, pedi um texto à Bárbara Lopes, que foi minha aluna e foi professora de espanhol do Luiz. Bárbara não passou pela minha vida, ela ficou na nossa e eu também sinto muita saudade dessa brasileira que foi estudar na Argentina sobre o Brasil...

A brasileira foi estudar sobre o Brasil

O aluno estrangeiro, de língua castelhana, que quer estudar português tem suas particularidades... Podem ser várias as razões que o levam a uma sala de aula de língua estrangeira, algumas coincidem entre eles, outras não. Muitos vão por razões de trabalho e desenvolvem um “gosto pela coisa”. Outros amam a língua, já falam muito bem e sentem a necessidade de praticar com uma certa regularidade.
Há algo que coincide, que tem a ver com a cadência da língua portuguesa: todos a sentem dócil, suave, harmônica e sonora. Isso se deve à música, ao tratamento que receberam aqueles que viajaram ao Brasil, às cores, à própria geografia que favorece o clima. Gramaticalmente falando, deve-se à prevalência do subjuntivo sobre o imperativo do espanhol, ao diminutivo (quando carinhoso), aos sons nasais e à informalidade. Tem também os aspectos culturais, mas este será um parágrafo à parte.
Dar aula de português em outro país sendo brasileira tem lá suas vantagens, os alunos me põem em contato com minha língua e cultura diariamente. Sim, isso faz com que a saudade não seja aumentada. Já pensou? Além de estar longe da família, estar longe também de sua língua? Não imagino. Bom, tem também uma responsabilidade. Algo ético. Há perguntas que por vezes não tenho a resposta no momento, principalmente aquelas culturais. Com as gramaticais eu me viro, uso todos os recursos e soluciono a questão, mas quando a pergunta é cultural e você fica devendo, a sensação é estranha. Bom, vamos estudar sobre o Brasil.
O mais legal é explicar coisas tão nossas, ainda que muitas vezes não estejam presentes em todo o país. Nunca ficou tão clara para mim a extensão territorial, as distâncias em quilômetros e às vezes em costumes. 90% já foram ao Brasil mais de uma vez, conhecem mais de um Estado. Sabem comparar as praias do sul e do norte, o clima, às vezes até o sotaque e aí imitam o carioca, claro. Tiveram boa aula de história e as novidades que posso oferecer têm mais a ver com o que acontece dentro de casa. Aprendi muita coisa sobre o Brasil depois que saí dele. O aluno argentino é muito curioso e interessado, assim te contam, ensinam, descobrem. Lembro-me de uma aula em que levei uns 20 minutos explicando o que é um tamanduá-bandeira e um urubu. O que não lembro é como chegamos nesse assunto, uma vez que os alunos gostam mesmo é de bater-papo... em português! E o bobó de camarão? Bom, isso tive que estudar, pois convenhamos que em Curitiba não encontramos com facilidade (encontramos?).
Tem também aqueles maravilhosos marinheiros de primeira viagem, que chegam com os olhos de quem não sabe nada e aos poucos começam a fazer associações, confundem-se, mas logo desfazem a bagunça e conseguem separar as línguas. Sim, porque pode virar bagunça. É preciso um estudo rigoroso para falar bem um idioma tão próximo, mas que possui estruturas sintáticas tão diferentes. Para eles é engraçada a repetição dos pronomes pessoais; para nós soa muito formal o uso dos pronomes complemento do espanhol, mesmo em contextos absolutamente informais. Bom, sem contar os falsos cognatos, né? Uma lista gigantesca. Esses alunos que começam a estudar sem nunca ter visto nada antes me ensinam muito, principalmente sobre o processo de aprendizagem e seu conceito. Ampliei muito o que pensava sobre Língua Materna. Digo isso porque o aluno que aprendeu o b-a bá com um professor jamais o esquece. Há 4 anos moro aqui e dou aula de português e cada tanto recebo um email carinhoso de quem foi meu aluno de nível 1. Sou professora da primeira segunda língua de alguns ou, mesmo que seja, a primeira vez nesta língua portuguesa brasileira. Um lugar de muito afeto.
Tem uma palavra que todos conhecem, já ouviram falar, escutaram na bossa nova e pronunciam direitinho. Para contar uma novidade, digo de onde vem, que época e contexto se encontrava Portugal, quando era sentida mais fortemente, naquele século XVI de descobertas e ausências. Conto da mesma maneira que um dia me contou uma professora numa época em que ela falava mais de Camões que de Fernões.

Saudade.

Bárbara Lopes


Epílogo:

Quem é Bárbara Lopes?

Bárbara é formada em Letras (Português – Espanhol) pela PUCPR. Foi minha aluna lá. Lembro-me que nossa aula começava às 22:15 e ia até as 23:00. Se havia evasão? Nenhuma. Se eu tenho uma coisa na vida é sorte com meus alunos! Traduzimos juntas, em 2007, uma peça medieval, a Dança da morte. Eu já estava na UFPR e a peça foi encenada pelos meus alunos de História na época. O Teatro Guaíra até emprestou figurino!
Um dia Bárbara cismou de ir morar na Argentina e está lá muito bem, obrigada. É professora de Linguística Aplicada na Universidad Nacional de La Plata. Faz Mestrado em Linguística na mesma instituição. Fundou a Escuela Tertulia, onde também leciona português.

Bárbara é uma leitora voraz, adora poesia e por causa dela eu sei quem é Violeta Parra.

Um tamanduá bandeira

segunda-feira, 15 de agosto de 2016

Eu e o telefone: uma relação histórica

O chefe da folia
Pelo telefone manda me avisar
Que com alegria
Não se questione para se brincar
(“Pelo telefone”, Donga e Mauro de Almeida)


Detesto telefone. Outro dia falei ao Luiz sobre cancelar a linha fixa, a caminho de uma maior simplificação da vida e ele disse que eu ando meio radical. – Radical, eu ??????!!!!!
Nem sempre detestei telefone. Houve um tempo em que até amei. Na adolescência, tive um namorado com quem passava horas no telefone. Falávamos, ocasionalmente nos beijávamos, nos abraçávamos, nos beijávamos de novo, mas sobretudo falávamos! Falávamos de nosso amor, de nossos planos de viver para sempre juntos e nosso para sempre até que durou algum tempo. Continuei amando telefone depois desse namorado e falava com minhas amigas, sobre coisas muito importantes para nós: sobre viagens, sobre morar sozinhas, novos planos... Nós tínhamos o supremo plano de ser independentes! Eu também tinha planos de morar com minha prima Andréia, de percorrer o mundo de mochila e isso dava muito papo pelo telefone. Vieram outros namorados que gostavam de telefone também! Minha mãe não apreciava meu amor pelo aparelho e vira e mexe havia um cadeado no meio do meu caminho.
Quando eu me casei, em 1998, não tínhamos telefone em casa. Pagávamos a casa, não havia dinheiro para mais nada! Uma vez por semana, eu ia a um telefone público com muito cartão e vontade e ligava para meus pais. Foi assim por um bom tempo... Um dia meu pai nos deu de presente uma linha telefônica! Eu não precisava mais enfrentar frio e chuva para matar as saudades.
Quando aquela casa em que não moro mais estava perto de ser quitada, o dinheiro deu para comprar um computador só nosso e instalar uma internet discada. Meu Deus, era percorrer o mundo! O telefone continuava lá muito útil, agora entre a internet e a saudade dos parentes.
Um dia, os parentes começaram a chegar a Curitiba e a se instalar. O meu telefone era a sua referência na cidade. Até hoje recebo ligações de bancos e outras instituições atrás de gente que viveu aqui em casa, mas já se mudou. O meu número, entretanto, permaneceu fiel em algum cadastro.
Aos poucos, passei a simplesmente não usar mais o telefone. Comecei a passar mensagens – e-mails – para colegas, alunos e pessoas muito próximas e a gostar de receber e poder responder no fim do dia, com calma. Passei a escutar o toque do telefone com exasperação: - Quem seria justamente agora????
Mas talvez tenha sido o nascimento da filha o fator que colocou vinagre na minha relação com o telefone. Depois dos esforços para colocá-la para dormir, ouvir a ameaça de acordá-la no toque do telefone me deixava louca. Quando eu digo louca, não emprego eufemismo. Mas o Luiz também! Diminuímos o volume do toque e mesmo assim, quando ele tocava, era uma correria. Hoje, eu me pergunto: era o barulho da nossa correria (e eventualmente queda de algum objeto) ou o toque do telefone que ameaçava acordar a filha?...
Quando ela começou a ir para a escola, divulguei um interdito entre os parentes (que funciona até hoje, mesmo sendo eventualmente desobedecido por alguns...): não receberíamos ligações entre 11:30 e 13:30. Começar a arrumar a filha, dar-lhe almoço (atividade até hoje lentíssima), sair de casa para levá-la... são coisas que não combinam com outras simultaneidades.
O fato é que passei a olhar o telefone de esguelha, como se ele me obrigasse a estar à disposição, quando eu não quero (ou não posso?) mais estar. Eu estou antevendo a cara de horror das pessoas que ainda me ligam, pessoas que eu amo e que me amam: - Meu Deus, ela não gosta que eu ligue??? Pessoa radical, difícil, eu me tornei. Eu amo ouvir as vozes das pessoas queridas, só não gosto do telefone.
Quando o whatsapp entrou em minha vida, eu vivi um sentimento duplo: 1) que legal ter esse e-mail instantâneo! 2) que droga ter de responder imediatamente, se não a pessoa que enviou vai ficar triste de ser visualizada e não ter a resposta... Passei a adotar o “escrevo depois” para as pessoas não se sentirem mal ou desprezadas. O fato é que eu respondo mensagens escritas com mais gosto. Será porque eu gosto muito de escrever? Acho que não é por isso, afinal o corretor não é o melhor amigo dos escritores de ficção... e todo mundo tem uma história escabrosa (ou hilária... ou as duas coisas juntas...) de corretor para contar.
O telefone me obriga a parar e eu não quero (ou não posso?) parar. A visualização do whatsapp me incomoda pelo mesmo motivo. Estar à disposição do tempo é um luxo que eu perdi e essa frase foi bem difícil de escrever... Ela me soou como sofrimento e como arrogância. Enquanto escrevo, penso que afinal para o telefone convergiram mudanças na minha relação com o tempo e que o telefone passou a ser anacrônico, esquisito, um trambolho no meio da sala, em que eu tropeço todo dia.
O telefone é objeto de meu museu particular, ele me conta que houve um tempo eu que eu me entregava a largas conversas, ameaçadas “apenas” por minha mãe e pelos seus parcos meios de pagar contas astronômicas... Não falava para desobedecer, mas para dar sentido ou buscar sentido para a pessoa que eu tentava ser. Eu sou parte da pessoa que eu queria ser e da outra em quem quero me tornar, se eu tiver tempo...
É um senhor tão bonito... Talvez eu consiga convencer o Luiz a cancelar a linha fixa e coloque o lindo e barulhento aparelho preto que mandei restaurar na estante, como objeto de decoração apenas. Ficaremos com o celular, então... Mas eu também detesto celulares..., ai esse texto nunca mais acaba.

segunda-feira, 8 de agosto de 2016

A primeira resenha do romance Menina com brinco de folha

Prólogo:
Outro dia, recebi por e-mail uma leitura muito afetiva do meu livro Menina com brinco de folha. Pedi à autora do texto para publicar aqui no blog. Ela deixou!

Menina com brinco de folha

     Engana-se quem pensa que folhas caem! Elas deslizam no ar buscando um repouso, ora perdido já que a árvore as libertou. As folhas podem se acomodar no chão e, então, serem contempladas pelos que admiram suas mudanças de tons, ou pisoteadas pelas crianças que se divertem com os ruídos das folhas secas, que soltam gar-galhadas. Às vezes, porém, são varridas, sem graça nenhuma. Outras folhas, também, podem virar livros, brincos e coleção. E foram essas que deslizaram sob meus olhos quando li Menina com brinco de folha, de Marcella Lopes Guimarães.
     O livro me conquistou criança. Criança que tem curiosidade sobre as pessoas, sobre as palavras, sobre as formas. Criança que descobre o que é a saudade, o que é a perda, o que é a leitura. E é nessa dança entre curiosidade e descoberta que o personagem menino – cujo nome a autora deixa a cargo do leitor, o qual, distraidamente, nem sente sua falta e, em um primeiro momento, pode considerar qualquer menino, mas diante do “o” consegue enxergá-lo como o personagem do livro sem perdê-lo narrativa adentro – encontra nas folhas o caminho da amizade e, consequentemente, da saudade da menina – também sem nome, mas com a propriedade “com brinco de folha” que a destaca como a amiga especial, dentre os colegas do menino.                                                                                                 
     Também me conquistou adulta. Adulta que, por vezes, busca o ponto de vista da criança para lembrar-se de suas memórias. As reflexões do menino sobre a perda e a saudade, embaladas na voz do narrador, são para nós um acalanto. Compreendemos muito bem o que é voltar a ser menina, após um abraço de vó. Lembramo-nos do que é ficar triste quando chegam as férias – algo que hoje, para nós, é um alívio esperado. Voltamos a prestar atenção em coisas que, por vezes, nós varremos, sem graça nenhuma. Enfim, por isso, Menina com brinco de folha também é um livro para adultos, uma vez que nos provoca a ver o mundo de outra forma, aquela que deixou um rastro que guardamos e, às vezes, esquecemos e precisa ser recuperado com um livro.
     Entretanto, sobretudo, o livro me encantou linguista. A autora brinca com a descoberta dos significados das palavras pelas crianças. Mas não só com essa descoberta como também com a capacidade das crianças as ressignificarem. Basta observar o que o menino faz com a inspiração e com a ciência (não contarei aqui para não interferir na leitura). Em alguns momentos, o jogo com as palavras vira estratégia de retomada de referentes destacados da história e, dessa forma, de condução da narrativa. E é isso que destaca a obra, entre outras produzidas para crianças. Marcella não segue a tendência de adaptar a linguagem para “ensinar” a criança-leitora, mas sim busca diferentes formas para provocá-la, em outras palavras, para mostrar à criança do que a linguagem é capaz e o que nós, falantes, somos capazes de fazer com a linguagem.
     Menina com brinco de folha é o primeiro livro infantil publicado pela autora. Embora já tenha publicado tantos outros, é com este que Marcella acrescenta ao conjunto de sua obra, que lhe faz historiadora, medievalista, crítica literária, professora, contista (esqueci algum?), a graça da mãe e da menina – que recebeu o prêmio da editora EDUFES com o mesmo entusiasmo e surpresa que o menino, quando encontrou a menina na praia durante as férias.
     E é com esses encantos que, no livro, Marcella trata da amizade, do amor, da história, do futuro, do tempo. Ops! Já li isso em algum lugar... No Diálogo sobre o tempo, a autora debate sobre esses temas, enquanto aqui ela os coloca numa narrativa infantil. E (provocando-te, Marcella), embora o livro anterior tenha sido um diálogo, Menina com brinco de folha está mais vivo! Depois dessa, vocês podem pensar que conheço Marcella de perto. Engano. A conheço de verbo (ou de inspiração). Logo, recomendo: a leitura das duas obras. São pontos de vistas diferentes, sensações diferentes, sobre os temas mencionados. Nesse sentido, não me admiraria encontrar o livro da menina, que leitores criteriosos premiaram como livro infantil, numa prateleira de livros para adultos. Ou sem classificação alguma. Afinal, o tempo e as folhas pairam e repousam sobre todas as idades.
Denise Mazocco


Epílogo:
Quem é Denise Mazocco?
Denise Miotto Mazocco é formada em Letras (PUCPR) e em História (UFPR); é Mestra em Letras (UFPR) e faz Doutorado na mesma área (UFPR). Foi minha aluna na UFPR, brilhante aluna! É já uma contista de mão cheia e toca o blog prosadomingueira, em que compartilha mostras do seu talento: https://prosadomingueira.wordpress.com/
Participa do clube do livro, consagrado à leitura de Em busca do tempo perdido de Marcel Proust, e atua como Professora de Língua Portuguesa na UTFPR.


Ainda não fizemos o lançamento do livro em Curitiba... Mas quem não puder esperar rsrsrsrs, pode adquirir o livro pelo site da editora (como Denise Mazocco fez!): http://www.edufes.ufes.br/items/show/382

Denise Mazocco sendo menina com brinco de folha... 

segunda-feira, 1 de agosto de 2016

Um clube do livro em Marechal Cândido Rondon - relato de experiência

Prólogo meu:
Eu sonho com um mundo em que a gente se encontre mais para falar sobre livros. Sonho com reuniões familiares sem cobranças ou evocações das piores memórias, mal temperadas com a superioridade do que se viveu de melhor, para falar de poesia! Sonho com reuniões de amigos, com vinho e palavras, e que a embriaguez seja a das palavras para que juntos continuemos a sentir todos os gostos. Sonho em me sentar com as pessoas favoritas, sejam elas aquelas com quem por acaso compartilho o DNA, sejam as que juro que se um dia a medicina for exata vai descobrir que o parentesco é de fato afetividade, para trocar opiniões sobre vidas que vivemos quase mais intensamente porque as lemos.
É porque animo um clube do livro e já escrevi nesse blog alguns textos sobre essa experiência, que pedi a uma amiga para escrever sobre o clube de que ela participa, na tentativa de animar ainda mais gente a ser íntimo de personagens e a querer se reunir com pessoas especiais para trocar essas intimidades!...

Nosso Clube de Leitura

M. Petit afirma que: “Fenômeno antigo, muito presente no mundo anglo-saxônico no século XIX, os clubes de leitura tiveram, durante algum tempo, uma imagem obsoleta. Interessavam pouco aos pesquisadores, com raras exceções. A partir dos anos 1990, contudo, eles se multiplicaram em vários países e havia centenas, milhares, na Inglaterra, e outros milhares nos Estados Unidos. Hoje são atores influentes com os quais as edições e o comércio do livro devem contar. Longe de frear o seu progresso, o uso da internet o ajudou. Nos países de língua inglesa, esses clubes reúnem muito mais mulheres do que homens; dois terços delas têm mais de quarenta anos e, na maioria das vezes, fizeram curso superior. Reúnem-se em diferentes lugares, privados e às vezes públicos, especialmente em bibliotecas”. (Petit, M. A arte de ler ou como resistir à adversidade. São Paulo: Editora 34, 2009 p.61).
O ano de 2015 foi um momento de importantes aprendizados em relação a minha vida pessoal e profissional. Estava terminando minha tese de doutorado em História Medieval, e ao mesmo tempo lecionava, em diferentes instituições, História da Literatura, História do Cinema e História da Arte. Temas, aliás, que adoro em todos os sentidos. No preparo de uma dessas aulas, acabei assistindo ao filme “O Clube de Leitura de Jane Austen”, e não deixei de ficar empolgada com a ideia de, um dia, tentar organizar ou fazer parte de um clube da leitura. Me interessava a ideia de poder conversar sobre obras que havia lido recentemente; obras, preciso destacar, que especialmente  consideravam questões relacionadas ao universo feminino, aos sentimentos que todas nós compartilhamos. Jane Austen, Tolstoi, Balzac... São apenas alguns dos autores que me fascinavam. Essa motivação se deve, em parte, às importantes presenças femininas que tive em minha vida. Mulheres que, sem dúvida, foram grandes inspirações para o que me tornei hoje! Na minha família, tive a importante presença de minha avó, Anna, ao longo de minha infância. Ela, justamente com minha mãe, Ana, superaram as dificuldades e sozinhas cuidaram de minha formação, sempre com muito carinho. Hoje, mesmo “crescida”, ganhei os cuidados de uma segunda mãe, Aldeci, irmãs, Cinthia e Viviane, todas de coração. Minhas amigas de Universidade, Janira, Ana Paula, Ana Luiza, também não podem ser esquecidas, pois com o apoio delas também superei as dificuldades da formação superior. E claro, minhas queridas professoras, Marcella e Fátima, são como exemplos em todos os sentidos, para sempre. Sou, graças a Deus, cercada por mulheres de bom coração! Diferentes entre si, mas cada uma especial ao seu modo.
Bom, por motivos de trabalho, acabei saindo de Curitiba ao final de 2015, indo morar com o meu esposo em uma pequena cidade do interior do Paraná, Marechal Cândido Rondon. Não esperava que fosse tão bem recebida, por novos amigos e amigas. Novas mulheres, portanto, entraram na minha vida! Inicialmente conheci a Fran, que me recepcionou com muito carinho nesta nova etapa da minha vida. Pouco tempo depois, tive a alegria de conhecer a Micheli.  E nosso grupo de amigas foi aumentando, com a chegada das queridas Luciélen e Natania, esta última recentemente. Cada uma de nós possui atividades profissionais diferentes e temos nossas próprias experiências como mulheres no cotidiano. Então, foi no começo de 2016 que lancei a proposta de um clube do livro, dentro de uma conversa informal com a Fran, a Micheli e a Luciélen. Contei um pouco das minhas experiências com leituras relacionadas ao feminino, e todas toparam participar! Nossa dinâmica é a seguinte: cada mulher sugere um livro que gostaria de debater, dentro do tema relacionado ao feminino. Cada encontro é realizado em uma casa diferente, e aproveitamos o momento para conversar e assistir a algum filme relacionado à leitura que realizamos. Dentre as leituras que já realizamos, temos “As mulheres que correm com os lobos”, de Clarissa Pinkola Estés, e “Minha Vida na França”, de Julia Child. Percorremos ainda os caminhos de “Budapeste”, de Chico Buarque; “Emma”, de Jane Austen; “Tomates Verdes Fritos”, de Fannie Flag; as poesias de Fabrício Carpinejar; “O Físico”, de Noah Gordon; o relato autobiográfico de “Malala”; “Último Catão”, de Matilde Asensi; “Americanah”, de Chimamanda Ngozi Adichie; “O Conto da Aia”, de Margaret Atwood; e “Como ser Mulher”, de Caitlin Moran. A nossa lista continuará a crescer, com certeza! Reafirmo que a oportunidade de estar em um clube do livro é enriquecedora, e cada vez mais sinto que estamos trilhando um caminho de aprendizado. Espero, também, que este meu sucinto relato sirva de inspiração para que novos clubes do livro surjam, contribuindo para a discussão de antigas e novas questões, sobre a vida e o nosso mundo, entre familiares e amigos. A literatura, como sempre, despertando os nossos sentidos e emoções, o espírito dentro de cada um de nós. Por fim, agradeço às meninas com quem compartilho essa experiência, Fran, Mi, Lu e Natania, por todas as nossas conversas e por nossa feliz amizade. 
Eu Amo todas as mulheres de minha vida!

Elaine Cristina Senko
Marechal Cândido Rondon, 20 de julho de 2016

Epílogo meu:

Quem é Elaine Cristina Senko?

Elaine Cristina Senko é formada em História (UFPR), Mestra em História (UFPR) e Doutora em História (UFPR). Conheço seu CV muito bem, afinal estive com ela em todas essas titulações, na condição de orientadora. Em todos esses anos, vivi a minha condição mais com amizade que com rigor, pois o rigor dela bastava para nós duas! Elaine me acostumou mal, suas grandes virtudes ditaram em boa parte o que eu espero dos meus orientandos..., ou seja, ela me educou! Um dia, deixou Curitiba e foi para Marechal Cândido Rondon (PR). Está feliz da vida lá! Parte dessa felicidade tem a ver com o fato de rapidamente ter se encontrado no trabalho e com novos amigos. Pois não é que, curiosa e interessada, ela se envolveu em um clube do livro?! Quando eu descobri, pedi a ela que escrevesse sobre a experiência. Ela não perdeu a prática de me acostumar mal, entregou o texto antes do prazo que lhe dei e ainda por cima no DIA DO AMIGO!

Quem quiser dar uma olhada nas coisas interessantes que ela já escreveu, visite:

Elaine também é blogueira: http://profelainesenko.blogspot.com.br/