terça-feira, 7 de fevereiro de 2023

Estou com quase 50 anos e não preciso de socorro. Obrigada!

 Estou com quase 50 anos e não preciso de socorro.

 

Fiz 49 anos ontem e estou há meses escrevendo esse texto dentro de mim. Outro dia, entrei no tema a propósito do meu cartão de felicitações a Lula e Janja pelo casamento[1] e saí. Dei uma volta. Alguns dos sentimentos que reúno aqui são, porém, mais antigos, de quando comecei a usar óculos de leitura, por exemplo, aos 44, ou quando começaram a ficar visíveis aos outros os primeiros fios brancos, e eu comecei a ser perguntada sobre quando iria tingi-los. Olhando minhas fotos com 40 anos, cabelos mais curtinhos que agora, eu vejo os fios sutis, lado direito, então foi antes dos óculos!

Mas, sem sombra de dúvida, nos últimos dois anos, sinto um movimento maior de resistência à tranquilidade com que eu resolvi encarar o passar dos anos, sem (por enquanto) investir em cirurgias plásticas, tintura nos cabelos, botox ou outros tratamentos. Antes que você anteveja que eu caí na armadilha dos contrários, ora, se fosse para julgar minhas amigas que fizeram/fazem tudo isso, eu nem perdia o seu tempo de leitura..., leu o meu “por enquanto”? O meu problema – não é só meu, porque não sou exceção – é que a minha tranquilidade e a de outras mulheres “relaxadas” têm incomodado.

Eu sigo duas mulheres da minha geração no instagram – uma psicóloga e outra jornalista – que têm abordado bastante as diversas faces do etarismo. Porque é disso que se trata: do preconceito contra o tempo que passa pelo corpo, deixando marcas visíveis, e pela identidade civil das pessoas. Mas, perdoem, sobretudo pelo corpo e pela identidade civil das mulheres. No caso, relaxada pode não significar estar tranquila...

Como o etarismo tem se mostrado para mim? Nos últimos dois anos as pessoas – de gente muito próxima, família mesmo!, amigos, amigas, até gente que reencontrei depois de um tempo – passaram a me achar mais jovem. Oi?! Sim, elas me dizem: - Você parece mais jovem! (ou) Você rejuvenesceu! A área construída do sorriso delas no próprio rosto me dá certeza de que elas julgam que estão me fazendo um baita elogio. Estou imaginando daqui a surpresa de gente que já me disse/estava pronta para me dizer isso lendo... Está claro para todo mundo que ficar mais jovem não é possível? Pior: que a declaração não é um elogio?... Igualmente esquisito é me lembrar que, quando eu era mais jovem, parecia mais velha, “responsável” demais, olha a relação! Eu e outras mulheres – “maduras na juventude” e “moças na maturidade”, para os outros, é claro... – estamos com o tempo contato!

Mas parece que, quando se quer elogiar uma mulher, essas coisas escorrem da boca. O tempo funesto dela/nela. Não escorre assim quando o alvo são os homens. A gente até pode dizer que ele rejuvenesceu, mas não raro seus cabelos brancos, a firmeza dos traços de expressão, as rugas... tudo isso é um charme! A gente se desvia. Há alguns anos eu escrevi um texto sobre o homem mais bonito do mundo para mim[2]. Hoje, o modelo Paul Mason tem 60 anos e... você quer saber se eu continuo a achá-lo o homem mais bonito do mundo? Gente, o Papai Noel é lindo!

Quando eu comecei a “fugir” da tinta, minhas irmãs combinaram de maneira galhofeira de pintar meus cabelos na marra, ou quando eu estivesse dormindo. Elas desistiram das duas coisas: de me demover e de me obrigar. Semana passada, minha tia querida, que me ama apaixonadamente, me perguntou cheia de carinho, se no dia 6 de fevereiro eu ficaria mais jovem. Piscou o olho. Eu corrigi olhando por cima dos óculos: - Não, tia, mais velha mesmo. Sempre Phina.

Se a tranquilidade incomoda e desperta desejos galhofeiros nas irmãs, sob o olhar cúmplice das mães, isso não é (quase nada) até a relaxada decidir namorar ou casar de novo e... com alguém mais jovem! Grita! Amiga relaxada, não importa se você vai casar com um homem (ou talvez...) ou com uma mulher. Hoje, isso é o de menos (quando já foi de mais, eu sei!). Mas... você não será perdoada, de qualquer jeito.

Vamos para a família: ninguém vai te cumprimentar, todo mundo vai “ficar preocupado/a”. Afinal, do lado de lá: você é a sedutora; do lado de cá: você é a incauta. Vamos para os amigos: 1) felicidade aturdida, não sabem se estão alegres ou confusos; 2) revolta calada ou esbravejante; 3) carinho e compreensão (raros, todavia poderosos!). Vamos para os conhecidos: - que é que tá acontecendo?! As pessoas da rua: - É sua mãe? (ninguém pergunta para um homem se ele é o pai da mulher..., mas uma mulher mais velha sempre será a mãe dos outros, ou a tia!). As pessoas vão usar muitos formatos para a própria confusão: as mais delicadas vão abordar todas as diferenças do repertório particular e vão evitar a palavra idade; as indelicadas vão te fustigar com os próprios traumas. Porque se é uma coisa que, mais cedo ou mais tarde, a gente descobre no divã é que não é com a gente. Só que, é claro, é a gente que recebe todo esse conteúdo edificante! Uma das bordoadas a que tive acesso em minhas pesquisas sobre o tema trazia uma (única) frase sobre o alvo, interrompida pelo fluxo de consciência à Virginia Woolf! Você provoca: e isso fez sofrer alguém? Pára com crítica literária, amiga, é a vida. Fez sofrer muito.

Sempre pode piorar. E se você quiser ter um filho? Olha para a Claudia Raia! Vai redarguir que ela escondeu o tratamento, e eu também achei desnecessário. Acho que perdemos a chance de falar sobre outro drama que fustiga nosso coração e nossos corpos (e bolsos!): os tratamentos para engravidar. Todo mundo tem uma opinião (péssima) para dar. No caso de Cláudia, sobre o que mais se falou? Que ela tem 55 anos e vai ter um bebê. Não pode... O corpo das mulheres.

O corpo das mulheres é um terreno de disputas. Parece frase que alguém escreveu antes de mim. Talvez. Talvez eu tenha aberto uma gaveta, ou percorrido os escaninhos da memória e a tenha lido lá, entre um volume e outro de Paul Ricoeur. O fato é que, quer minha amiga tenha decidido investir na cirurgia plástica depois de um parto difícil, quer porque acha importante por uma razão toda sua, quer eu esteja calma com os “bigodes de chinês” – que expressão é essa, meu Deus?!?! –, quer você tenha se apaixonado e esteja sendo correspondida, respingando alegria por todos os lados e queimando a cara dos outros, quer acalente o sonho de gerar um filho (ou mais um!), todo mundo vai achar que tem de dar uma opinião e eu, que tenho ouvido opiniões travestidas de elogios, ouvido/lido os fluxos de consciência, as ameaças aos cabelos... vou achar que continuamos a fustigar muito nossas irmãs.

O conteúdo “edificante” é partilhado por homens aturdidos também. Estão tão acostumados aos sacrifícios das mulheres que não compreendem o próprio tesão pelas relaxadas, elas precisam ser contidas! Seus pelos no corpo, o cheiro natural de quem vive, o sorriso sem batom, o cabelo sem escova, que voa (!), inaceitáveis. Mas nossas irmãs partilham conteúdos e, não raro, com mais requinte. De crueldade, claro. Sabe o “é sua mãe?”. As mulheres miram essa jugular.

Tenho me perguntado/me preocupado/me consagrado de maneira incessante a um plano imenso: como educar a minha filha para não fustigar, para não aceitar ser fustigada, para não aceitar que fustiguem suas amigas e para cicatrizar depressa, se por acaso – como eu muitas vezes... – estiver distraída? Tenho conversado com mulheres. Eu ouço as mulheres e somos muitas interessadas em parar de machucar as outras. Somos muitas interessadas em não permitir que outros machuquem.

Precisamos retirar o etarismo travestido de elogio do meio da sala. Se quer elogiar, seja mais ousado/ousada ou mais inteligente. Repare. Se não quer e estiver morrendo de vontade de ser desagradável, corra atrás do próprio rabo. Busque ajuda.

No meu grupo de corrida, uma das mulheres mais fortes é a mais velha. Não tenho o seu pique. Sou sincera. Mas sempre que posso tento treinar com ela. Eu reverencio meus mestres e a cada ano saúdo o tempo que compartilho com eles e elas. Presente. Presente é o oxigênio que entra pelos mesmos corpos de todas as idades, em todas as partes do mundo. O tempo é uma companhia. Não há bicicleta sem marca no joelho, não há sopro de velas em bolo de aniversário (ou levitando no bolo, novidades da crise sanitária...) sem careta, boca franzida, não há ódio sem aperto no olho, gargalhada sem festa na cara, marca... eu digo e ela (não) acredita: ela é bonita demais.  




[2] Texto publicado aqui no blog em 12 de dezembro de 2016. Disponível em: <http://literistorias.blogspot.com/search/label/Paul%20Mason

6/2/2023, foi bom demais!