terça-feira, 17 de dezembro de 2019

Filmes românticos de Natal para os românticos incuráveis

Abandone as redes sociais e estique-se no sofá por 90 minutinhos. Um certo canal de TV por assinatura anunciou “24 dias cheios de Natal”, ou seja, 24 horas de filmes românticos de Natal em 24 dias. Um prato cheio para os cinéfilos românticos. Presente! Como eu passei metade do mês fazendo de tudo um pouco, raramente consegui ver os filmes todos de uma vez. Mas o canal não prometeu 24 horas de filmes inéditos, então eu me beneficiei das inumeráveis repetições e posso anunciar com certo orgulho que, em 16 dias loucos de tarefas, consegui ver 12 filmes românticos de Natal!!!!!
Um cinéfilo romântico é só um romântico incurável que ama filmes do gênero: alguém que quer avisar o casal quando o equívoco se apresenta; que torce por eles; que não perdoa quem atravessa a cena do primeiro beijo; que suspira internamente quando o ambiente é hostil, ou seja, quando há outras pessoas na sala... Junte tudo isso ao Natal e parece que os problemas, as crises, as decepções são lavados pela neve ininterrupta na tela: neve que eu ou você de fato nunca sentimos no rosto.
O mês de dezembro na nossa Curitiba tem nos dado dias frios: convidativos para um casaquinho e uma coberta. O verão degenerado predispõe o corpo para sentar diante da TV. A filha aprendeu a fazer cookies e eu senti vontade até de preparar chocolate quente! A filha (ainda) detesta os filmes românticos de Natal, pode ser que nunca aprecie ou pode ser só a timidez da pré-adolescência. Na minha, eu escondia bem, mas aos 45 já saí do armário faz tempo!
O melhor de assumir a cafonice é saber que a gente também não abre mão de achar sumamente tosco o rapaz estar pensando na vida ou na morte da bezerra, no meio da rua, debaixo de uma nevasca, com o presentinho que ganhou da moça, e encontrar o patrão para quem ele mentiu metade do filme e que lhe dá, entretanto, uma promoção! Trata-se de “Aplicativo para o Natal”, um tinder para solteiros e solteiras que precisam de companhia em eventos, sem que isso implique romance ou sexo. Ah, antes que você se assanhe, devo esclarecer que não há sexo em filmes românticos de Natal. Temos direito a apenas um beijo no final, no máximo 2: beijinho ou beijinhos muito corretos.
Tem singeleza exagerada nos filmes românticos de Natal, mas isso não refreia o cinéfilo romântico. Na verdade, a gente acha até bonitinho..., é como ter um pinguim bebê na geladeira. Esse texto não julga as (inúmeras) arestas do gênero. Na verdade, enquanto via esses filmes curtinhos (em média 90 min.) e feitos para TV, comecei a pensar nas várias coisas que eles me diziam e achei que isso merecia duas ou três considerações. Se ao final do texto, você não julgar que elas bastam ao menos para um bate papo antes da ceia, pode ao menos não julgar repulsivo alguém que se senta uns 15 minutos (ou mais...) para assistir com o coração na mão a confissão de Candace para a cidade toda, de ter duas mãos esquerdas, enquanto sua mãe é uma espécie de Martha Stewart!!!
 Em 11 dos 12 filmes que vi, encontrei mulheres assoberbadas: comissárias de bordo (Conexão de Natal), escritoras (Uma viagem de Natal), arquitetas (Flores de Natal), empresárias (Um Natal de Cinderela, Aplicativo para o Natal, À Procura de um Papai Noel), atrizes de sucesso (Natal fora de casa), produtoras de TV (Estrada para o Natal), atendentes (12 dias de presentes) e decoradoras (De repente noiva). Decoradoras me lembram Doris Day em “Confidências à meia noite”, filme que eu adorava ver nos finais dos anos com o meu pai. Essas mulheres são boas filhas, superaram em muito as expectativas de suas famílias e, ainda que algumas vezes tenham dúvidas sobre isso, o pai, ou a mãe ou um amigo muito próximo vai esclarecer que elas são demais! Obrigada, roteiristas amáveis.
Essas mulheres – na maior parte dos filmes são elas as protagonistas – não estão procurando um namorado. Elas estão cheias de planos não românticos, elas conhecem o mundo, têm fotos de vários lugares em que já estiveram, mas o amor atravessa a sua vida e ele faz com que elas achem o caminho de volta. Ulisses de saias! Também acham um jeito de acolher o amor na sua vida ocupada. Homens e mulheres se encontram. Eles se veem, reparam nas singularidades um do outro, eles se apaixonam.
Em 11 dos 12 dos filmes, há crianças. Elas têm entre 7 e 10 anos. São meninas e meninos, sobrinhos e sobrinhas, filhas e filhos de viúvos, uma viúva e um divorciado. As crianças são fundamentais, elas mobilizam o “espírito de Natal”. Elas creem em Papai Noel, fazem questão da decoração, espalham a sua pureza pelos quatro cantos onde se agitam adultos engajados nas festividades. Não raro as crianças colaboram para o namoro dos pais: “Conexão de Natal”, “Natal fora de casa”, “12 dias de presentes” e “Uma viagem de Natal”. Em “Um Romance de Natal”, trata-se do romance do tio da criança.
As famílias são todas de mamãe, papai, vovô, vovó, filhos e filhas. Não há duas mães ou dois pais sob o mesmo teto. O rapaz de “Aplicativo para o Natal” é bonitão, mas, se eu fosse a moça, voltava ao aplicativo numa boa e deixaria ele se descobrir. Match.
Os viúvos, a viúva e o único divorciado não namoram há muito tempo. Estão concentrados no trabalho e na criação dos filhos. Na sua agenda, não cabe nem uma quarta-feira com os amigos; na sua memória, não há noitadas ou bebedeiras. São pais sérios e decentes. É a noiva chata de “12 dias de presentes” que sai de casa e deixa o caminho livre para o fofo protagonista! Sim, há mulheres e homens chatos, mas há gente bacana à beça. Maioria. E todos lindos! Oh, glória!        
Em todos os filmes, há amigos. Amigos verdadeiros! Eles podem ser os irmãos e as irmãs, mas há também vizinhos, amigos de infância, do trabalho... Não há canalhas. Obrigada, obrigada! Eles são o ombro amigo, a palavra que falta, a consciência vigilante e o estímulo necessário. O casal precisa deles, do seu empurrão!
Os enfeites enchem nossos olhos e até causam confusão: “Um Natal muito, muito louco”. Há metros de anéis de papel vermelho e verde feitos em casa! Esses filmes devastaram florestas inteiras em busca da árvore ideal. Quem diria que pudessem ameaçar o meio ambiente?! Há muita gemada. Em “À procura de um papai Noel”, a receita! Há sempre muita comida, muito biscoito de gengibre. Se a revista de Liz Livingstone existisse, eu era capaz de fazer assinatura! E a neve? Muita: bonecos de neve, jogos na neve, bolas de neve atiradas carinhosamente, risos de neve.
Os suéteres são ridículos e fofinhos, com aquelas renas, estrelas, trenós... Ninguém pode querer enlaçar de maneira mais ousada uma rena desses, mesmo que envolva um belo talhe ou mesmo quando há um empurrão do roteiro: a protagonista cai nos braços do rapaz, no momento em que ela está colocando um enfeite no mais alto da árvore! Se a memória não me falha, duas protagonistas caíram nos braços dos amados. Mas não tem clima, gente. Rena, trenó, Papai Noel de narizinho vermelho... O vermelho é a cor das mulheres e do Noel! Em “Aplicativo para o Natal”, quando a atriz está vestida de vermelho na cena, ninguém mais está. Mas é vermelho Natal, não paixão, mesmo que sejam bem parecidos...
  Engraçado, esses filmes tão pudicos são muito recentes. Estamos falando de filmes de 2016, 2017 e 2018, sobretudo. Em dois deles, as coadjuvantes esperam seus maridos militares que estão em manobra e chegam para o Natal. Em “Flores de Natal”, o casal espera um novo bebê, ele ainda não sabe... Como assim? Rsrsrs Em “Um Romance de Natal”, é o vídeo da filha pedindo ajuda para organizar uma festa de volta para o pai militar que espoleta os acontecimentos. Suspeito gostos republicanos.   
Há uma coisa que me interessa muito: a oportunidade encontrada pelas mulheres para amar. A comissária de “Conexão de Natal” viu o mundo. Suas fotos encantam a filha do seu amado, um jornalista preso à cidade de Chicago. Ela é uma mulher feliz, realizada e capaz também de estar à vontade entre os membros daquela família que a acolhe no feriado. Compartilha com o pai da menina um enigma: gostaria de saber como os pais de conheceram na cidade de Chicago em que ela mesma nasceu, mas foi embora pequena. Ele é jornalista e está disposto (e interessado...) em ajudar. No Natal, entretanto, ela tem de voar. Lá pelas tantas, escolhe dar meia volta. Atenção: não largar tudo, mas se dar a oportunidade de ficar algumas vezes. O beijo, finalmente! Caso parecido com “Natal fora de casa”, espécie de Um Lugar Chamado Notting Hill. A atriz não larga tudo, ela se dá uma chance e, um ano depois, a gente sabe que ela continua a fazer sucesso e está ainda ao lado do namorado não ator, todos felizes. De todos, ele é o meu favorito. Hummmm...
De uma forma singela, esses filmes cheios de biscoitos, famílias de mamãe e papai, bonecos de neve, árvores cortadas, dizem a nós mulheres – sem dúvida, somos os seus alvos – que dá para ganhar o globo de ouro e ficar com dono do charmoso lodge; que podemos tocar a empresa de eventos do nosso tio e casar com o “príncipe”. Mas esses filmes dizem mais: que no mundo narcisista das selfies, as pessoas podem olhar umas para as outras sem pressa, elas podem se conhecer com calma, podem confiar na possibilidade de uma nova chance, ouvindo os amigos, olhando as crianças e, sem afobação, podem esperar uma nova chance para beijar. Dá-lhe, Pepeu!
Até 24/12, sobraram alguns dias para os filmes românticos de Natal. Os românticos incuráveis nem precisam de convite! Mas os descolados e conceituais também estão autorizados a fazer uma paradinha secreta para rir das pouco lapidadas situações, para sofrer com o equívoco ridículo que nos separa de quem amamos, para se dar a chance de pensar sobre o amor como possibilidade que acolhe e não exclui. Os filmes de Natal estão cheios de tradições inventadas para dar sentido a essa vida cheia de problemas... “Sua honestidade é revigorante” afirmou uma personagem que eu acho que só apareceu em uma cena de filme que ainda não consegui terminar. É uma coisa bonita de dizer, né? Me dá vontade de sonhar com um mundo de figurantes assim!

Feliz Natal, gente romântica, cinéfila e leitora!

Filmes citados e vistos:
1. 12 dias de presentes (12 Days of Giving , 2017)
2. À procura de um papai Noel (Finding Santa, 2017)
3. Aplicativo para o Natal (Mingle All the Way, 2018)
4. Conexão de Natal (Christmas Connection, 2017)
5. De repente noiva (A December Bride, 2016)
6. Estrada para o Natal (Road to Christmas, 2018)
7. Flores de Natal (Poinsettias for Chritmas,2018)
8. Natal fora de casa (Christmas in Homestead, 2016)
9. Um Natal de Cinderela (A Cinderella Christmas, 2016)
10.    Um Natal muito, muito louco (Christmas with the Kranks, 2004) – o mais fora da curva, mais para comédia que romântico de Natal
11.    Um Romance de Natal (Entertaining Christmas, 2018)
12.    Uma viagem de Natal (Christmas Getaway, 2017)

Não é filme de Natal, mas Confidências à meia noite (Pillow Talk, 1969), com Doris Day e Rock Hudson, é simplesmente imbatível! You are my inspiration, Eileen, Marie...  Y¯, para todos os Natais da nossa vida.


Uma pausa

Nenhum comentário:

Postar um comentário