A vida doméstica é aquela loucura:
todo mundo enlouquece todo mundo pelos maiores motivos ínfimos... Aqui em casa,
um dos mais recorrentes motivos desprezíveis são os potes. Tupperware, pote de vidro, pote descartável, mas
reaproveitável, potes! Ninguém some com meus potes – motivo que,
sei bem, azeda certas famílias. O pote da discórdia! Na minha, não tem isso, pois
minha mãe é um inventário vivo de todos os potes: os da casa dela, da casa da
irmã gêmea dela, da casa da minha irmã mais velha, da mais nova... Ela não
permite que ninguém se engane. O pote da paz!
O problema aqui de casa é mesmo o
fechamento. Como sou corredora e praticante de treino funcional, pote que eu
fecho não deixa torrada mole! Tenho orgulho. Entretanto, essa prática não tem
herdeiros. Vira e mexe, eu encontro meus potes de frutas secas, torrada,
manteiga, queijo mal fechados. Alguns já foram ao chão, porque eu, esquecida do
mau hábito que habita a casa, segurei-os pela tampa... É melhor me escusar de
narrar o que acontece quando esse sinistro se abate. Um pote pronto a explodir.
A discrepância entre a visão de uma
última torrada no pote sobre a qual passo carinhosamente a manteiga, depois de
chegar esfomeada em casa, e a sua textura mole, sem crocância na dentada, acorda
em mim desejos de detetive: Quem foi que
deixou o pote aberto?????????????? Ninguém. Eu moro com 2 pessoas, mas nunca
são elas. Quem foi o último? Ninguém
lembra! Talvez até você, mãe...
sugere entre dentes a filha ousada.
Um dia, eu me saí com uma
alternativa: Sim, deve ser um fantasma. Todos riram de alívio. Mas eu – que sou
pessoa tinhosa – resolvi espremer: eu só não
entendo como o fantasma com bracinho de éter, nuvem ou neblina, abre o pote depois
que eu fechei(!) e não consegue mais fechar.
Vai ver que a força acaba...
Aí, vocês me param:
- Marcella, essa não era uma crônica natalina?
Eu não enganei ninguém!
Além dos aniversários, com as
sobras de bolo e docinhos tão aguardados, quando é que mais circulam os nossos
potes? No Natal! Eles levam as rabanadas para o café da manhã de todo mundo; um
pouco do arroz doce, da aletria; eles levam pedaços de panetone e salada de
frutas. Pote cheio.
Há uma tradição que postula que, na
devolução, o pote deve ser entregue com alguma delícia. Nem sempre o meu voltou
assim. Nem sempre o pote alheio saiu aqui de casa com novo montante para
oferecer a quem me emprestou... Tradições sufocadas pela pressa ou pela
hipercorreção. Vai que alguém pense que vou afanar o pote?! O pote da dúvida.
Eu desejo a todos que tenhamos para
nossos potes e para dividir. Que nossos potes circulem mais neste Natal sofrido: de desemprego, de cara virada de
eleição mal digerida e de tragédia. E que circulem para além da nossa família!
Aliás, esqueça o pote se ele não voltar. Talvez ele tenha ido buscar novas mãos
de abrir e fechar.
Em todo caso, é bom defumar a casa
para espantar os espíritos flácidos que não têm força para apertar as tampas.
Gente, pelo amor..., fecha
o pote direito.
Esse pote foi pintado pela minha amiga Vilelma.
A amizade transborda os potes.
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