Perto
da casa de minha mãe, havia um bar, chamado Bar do Feio. Pouco depois que ela se mudou, um dia em que fui
levá-la à sua casa, já tarde da noite, ela me disse: - Vira aqui à direita. Lá na frente, no Bar do Feio, você dobra à
esquerda. - Bar do feio? Ri. – É. Riu.
Pertenço
a uma família de excelentes motoristas, desbravadores de novos caminhos para
onde quer que se deseje ir. Até os parentes que não dirigem são Ótimos
motoristas, sempre com uma sugestão na ponta da língua. Minha mãe já abandonou o
caminho do Bar do Feio, mas eu continuei muito apegada a ele. Mesmo quando eu
já não precisava mais prestar atenção na referência, eu o saudava antes da
dobrada. Dia desses, perdi o Bar e culpei a minha distração. Outro dia, mais
aplicada, descobri que o Bar não existe mais e que o imóvel fora pintado com um
amarelinho imperdoável.
Nunca
entrei no Bar do Feio. Mesmo em minhas andanças pelo bairro – eu e minha mãe
moramos a umas dez quadras de distância, no mesmo bairro – sempre encontrei o
Bar fechado. Nenhum problema, afinal essas minhas andanças costumam acontecer
pela manhã e, pelo que já percebi em saudações diversas, o Bar do Feio tinha
outro relógio. Nunca soube o que era vendido ali. Sorte minha que tenho
razoável imaginação para preencher suas estantes com coloridas bebidas de
múltiplas preferências (minhas e de outras pessoas, em etapas diferentes da
vida...); povoar o seu interior com mesas de quatro cadeiras; colocar um balcão
espelhado ao fundo meio escuro, em que sobressaíam os clássicos: lindos ovos cor
de rosa, azuis, verdes..., coxinhas gordas, quibes tão robustos quanto suas
irmãs de exposição. Imagino que alguém secaria os copos em aparente distração,
mas atentíssimo à contabilidade das doses. Vejo o quadro de preços com letras
móveis, para facilitar a atualização. Não, não imagino sonhos, afinal há o
carro que passa à tarde, anuncia-os e tira o meu sossego quando estou
concentrada no escritório de casa. Acho que no Bar do Feio não eram vendidos
sonhos, só imagino.
Desde
aquela primeira vez em que fui levar a minha mãe e o Bar virou ponto de
referência, eu me encantei com o misto de singeleza e sinceridade daquela
esquina. Ninguém pichou a acusação. O nome do bar fora pintado diretamente
acima da sua entrada, sem a necessidade de placas, em letras pretas. Alguém fez
um plano, mediu, subiu em uma escada e pintou. Refleti algum tempo sobre o
Feio: o dono? O seu pai? O seu melhor amigo? O seu sócio? O seu amor? Uma
brincadeira? Estava bem escrito o nome do bar.
O
Bar do Feio fechou. Acho que todo mundo pode imaginar o quanto a minha própria
imaginação construiu explicações para o encerramento das atividades. 2016 vai
ficar na minha biografia como um ano em que enxuguei lágrimas abundantes
(minhas e dos outros) de sonhos abandonados e não posso deixar de pensar que
entre imaginar o Feio resolvido a ser o Admirável ou o Gato no consultório de
um cirurgião plástico e imaginar que ele faliu, eu tendo a achar que o Feio pode
ser hoje o Devedor ou o Triste.
Há
singeleza no amarelinho da nova fachada. Mas a nova cor cobrindo a sinceridade
não instituiu para mim uma realidade muito significativa... Sou capaz de
abandonar até aquela rua e me deixar levar por novos roteiros familiares. Agora
me ocorre uma esperança: o Feio teria encontrado um ponto mais atraente?
Calculará nesse momento o tamanho das letras em relação à nova fachada? Espero
que diminua a distância entre o substantivo e a preposição com artigo e vire
poeta de vez. Está aí um novo esforço para essa semana: encontrar o Feio e comemorar (com uma dose ou duas) a sua obstinação.
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