segunda-feira, 1 de fevereiro de 2016

Entrevista com a medievalista RENATA CRISTINA DE SOUSA NASCIMENTO sobre seu Pós-Doutorado

RENATA CRISTINA DE SOUSA NASCIMENTO é formada em História pela Universidade Federal de Goiás (1994), fez Mestrado em História na Universidade Federal de Goiás (1998) e Doutorado em História na Universidade Federal do Paraná (2005). Foi na UFPR que nos conhecemos. Dividimos a mesma orientadora, Profa. Fátima Regina Fernandes. Essa experiência acadêmica favoreceu um laço de amizade tão forte que ludibriamos a genética em favor de um parentesco de coração. Renata é Professora Associada I da Universidade Federal de Goiás (Campus de Jataí), da Universidade Estadual de Goiás (UEG) e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás (Mestrado em História). É Pesquisadora do Núcleo de Estudos Mediterrânicos (NEMED/UFPR) e participa da Rede Luso-Brasileira de Estudos Medievais.
Renata Nascimento trabalha muito, escreve à beça, é adorada por seus alunos, respeitadíssima entre os colegas, é mãe do João Paulo, mulher do Celso, filha da D. Marilene, irmã da Roberta, do Paulinho e minha também!

LITERISTÓRIAS: Você se doutorou em 2005 e esse é seu 2o estágio pós-doutoral. Por que sentiu necessidade de realizar o estágio desta vez? Que novas perguntas precisava responder?

RENATA: No final de 2014, comecei a pesquisar um novo tema, relacionado às relíquias da paixão de Cristo na Idade Média. No contexto medieval português, a relíquia da Vera Cruz de Marmelar foi possuidora de grande prestígio, estando sob a custódia da Ordem do Hospital. Estes fragmentos possuíam muitas utilidades, como a capacidade de atrair peregrinos (pois eram vistos também como amuletos contra a má sorte), incentivavam o povoamento de uma região, servindo para a estruturação do espaço cristão na Península Ibérica. Outro aspecto fundamental são os usos políticos das relíquias. Parte do material relacionado a esta pesquisa eu já possuía, mas de forma fragmentada. A necessidade do estágio de pós-doutoramento esteve ligado à possibilidade de adquirir mais material e documentação sobre o tema. Outro objetivo era estar em contato com os medievalistas portugueses, especialmente a Drª Paula Pinto Costa, da Universidade do Porto, principal estudiosa do corpus documental da Comenda de Vera Cruz do Marmelar. Então, meu interesse atual de pesquisa refere-se ao estudo dos fragmentos da paixão de Cristo em sua perspectiva simbólica e política. Além dos pedaços considerados na Idade Média, provenientes da Santa Cruz, destacam-se os Sudários de Turim e Oviedo e a Coroa de Espinhos, hoje pertencente aos tesouros da igreja de Notre Dame, entre outros.

LITERISTÓRIAS: Conte um pouco como foi a sua rotina de pesquisa em Portugal?

RENATA: Estive inicialmente na Universidade de Lisboa, participando de um congresso sobre a conquista de Ceuta, aproveitando também para iniciar a pesquisa bibliográfica na Biblioteca Nacional, da mesma cidade. Posteriormente me instalei com minha família e depois, sozinha, na Cidade do Porto. Na biblioteca da Flup (Faculdade de Letras da Universidade do Porto), é possível ter acesso a uma boa quantidade de referências bibliográficas e documentais sobre história medieval, história da religiosidade em Portugal e sobre temas específicos, como o culto a Vera Cruz em Portugal. Durante a semana, dedicava-me à pesquisa e reuniões com minha supervisora, contando também com a preciosa ajuda de outros medievalistas portugueses, como o Dr. José Marques (Universidade do Porto), o Dr. Saul António Gomes (Universidade de Coimbra), a Drª. Maria de Lurdes Rosa (IEM/ Universidade Nova de Lisboa) e o Dr. João Paulo Costa CHAM), que me recebeu gentilmente na Universidade Nova de Lisboa. Nos fins de semana. aproveitava para visitar cidades próximas, que me remetiam ao contexto religioso medieval.

LITERISTÓRIAS: No seu perfil do FB, você anunciou que traz para o Brasil 85 novos títulos. Destaque algumas dessas aquisições.

RENATA: Sobre meu tema de pesquisa, destaco o Livro dos Bens de D. João de Portel, Cartulário do Século XIII, do qual antes só possuía uma pequena parte. Trouxe também documentação editada, mas de difícil acesso, como as Visitações a Mosteiros Cistercienses em Portugal (séculos XV e XVI), reunidos por Saul António Gomes, além de várias publicações do IEM (Instituto de Estudos Medievais), entre os anos de 2013, 2014 e 2015. Destaco também uma antiga edição completa, em espanhol, oriunda de Santiago de Compostela do Liber Sancti Jacobi- Codex Calixtinus, contanto com o Guia do Peregrino, ou livro cinco. Entre fontes documentais de grande interesse histórico, cito a tradução do Livro de Eclesiastes, da autoria de Damião de Góis, que teve sua segunda edição em 2014, pela Fundação Calouste Gulbenkian. Sua primeira edição aconteceu em Veneza em 1538. O século XVI foi um período de profícua tradução da Bíblia no contexto ocidental, incentivada em grande parte pela ascensão protestante. Portugal, por sua tradição católica, foi visto como lugar adverso a este fomento. O livro de Góis vem desmistificar esta interpretação. Pretendo em breve fazer uma resenha desta importante obra.

LITERISTÓRIAS: Renata, você é uma pesquisadora experiente e a experiência ajuda a gente a enfrentar os desafios, mas não os faz desaparecer... Quais foram os desafios que enfrentou?

RENATA: O principal desafio foi a saudade da família, amenizada pela presença de alguns amigos que estavam em cidades vizinhas. Não estive no Natal, nem nas festas de fim de ano em casa. Nesse período, é sempre complicado estar só. Em relação à pesquisa, é evidente que nem tudo que queria era de fácil acesso, necessitando por isso de me deslocar a cidades e universidades diferentes. A ajuda e indicação de outros medievalistas, tanto no Brasil (via internet), quanto em Portugal foi fundamental.

LITERISTÓRIAS: Fale um pouco sobre os desdobramentos dessa experiência. Conte seus planos!

RENATA: O principal resultado do estágio de pós- doutoramento será a publicação de um livro, que tem por título provisório: “A Visibilidade do Sagrado: Relíquias Cristãs na Idade Média”. Com patrocínio da Capes, o livro será em coautoria com a Profª. Paula Pinto Costa (Univ. do Porto). A intenção é que ele seja editado ainda este ano. Outro objetivo é o de incentivar ainda mais as novas gerações de historiadores brasileiros, para o estudo da Idade média. Devido a isto trouxe uma bibliografia mais geral, que estará em breve à disposição dos alunos.          



Renata Nascimento e três de suas paixões: os livros, a cidade do Porto e seu filho, João Paulo.

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