Outro dia li na timeline de uma ótima aluna um texto
sobre como a universidade matou a “motivação” de alguém que se disse “empolgado, motivado e ansioso
por todas as oportunidades que estão por vir”, quando adentrou a sublime porta.
O texto não fora escrito por ela, foi compartilhado do blog desse “desmotivado”.
Eu segui a leitura até o fim, manifestei minha opinião para minha aluna e
continuei a pensar. Não farei uma réplica ao autor, porque minha reflexão me
levou a outros lugares.
Desde que eu dava aulas para a antiga 5ª série (há 18 anos atrás e por 8
anos), eu venho me perguntando quando nós professores passamos a querer ser “animadores”.
Felizmente, nunca me obrigaram a sê-lo, mas muitas vezes eu sentia o fantasma
do “gostosinho” e do “divertido” me assombrar. Como todo mundo sabe, eu tenho
uma carreira dividida, dei aulas de Literatura, e sempre disse a meus alunos
que eles não precisavam de mim para ler Harry
Potter, que eles deviam ler o que quisessem (!), mas que eu estava ali, na
frente deles, para ajudá-los a diversificar as suas escolhas, ou seja, eu
estava ali como uma espécie de “guia de viagens”. Há 18 anos atrás e por 8 anos
isso funcionou, pelo menos eu acho... A convicção que eu tinha/tenho, a
confiança da instituição e dos pais em mim me ajudaram a não ter nenhum pudor
de propor a leitura de Guy de Maupassant a meus alunos da antiga 6ª série.
Mas vira e mexe, lá estava o “divertido” a me perturbar... Alguém pode
me dizer que eu não sei me divertir, por isso martirizava meus alunos com
leituras indecifráveis. Na verdade, não há enigmas indecifráveis, há a solidão
e eu sempre quis caminhar junto. Na verdade também, nunca escondi que para ler
o Maupassant a gente tinha de se esforçar e eu acho que está aí a essência da
questão.
Nós, professores, vivemos em um contexto que temos medo de propor o
esforço aos nossos alunos. Temos motivo! Viramos personagens de crônicas
policiais... Mas, e posso estar enganada, parte daquela falta de motivação a
que se referia o rapaz do blog tem a ver com o fato de que tudo hoje tem de ser
muito divertido e imediato!
Outro dia, varrendo a sala de casa, ouvi o diálogo entre 2 personagens
de um filme: um deles não queria ser professor, mas acabou sendo, e a outra
personagem era a “professora que ajuda e que se apaixona pelo professor ‘por
acaso’”. Pois bem, quando ele perguntou o que deveria fazer, ela disse: “torne
tudo divertido!”. Abandonei a minha sala e fui varrer a cozinha.
Então, as aulas devem ser cheias de efeitos especiais, as apostilas
muito legais e os professores tão descolados que eu não sei mais o que vestir! Caramba,
eu nem pinto cabelo! Mas a verdade é que estudar nem sempre é tão divertido
assim. É preciso dedicar-se; é preciso fazer exercícios; escrever; aprender
línguas (até língua que ninguém mais fala...); calcular; pesquisar e lidar com
frustrações e com limites (do conhecimento, da gente naquele momento e dos
nossos recursos). Às vezes, é preciso sair menos, beber menos e namorar menos.
Nossa, que horror!
Quando meus alunos declaram me admirar, eu fico feliz, mas tenho muito medo.
Eles não sabem da missa a metade... Muitos não sabem, por exemplo, que eu não
tinha dinheiro para o almoço na faculdade e que eu obviamente assisti a muitas
aulas com fome; que eu aceitava a oferta de uma querida amiga para dormir no
colchonete de seu alojamento para economizar na passagem, afinal eu tinha de
tirar xerox (!). O martírio um dia acabou, ganhei bolsa, passei a almoçar muito
bem, obrigada, e fiquei em plenas condições de me esforçar mais! Conheci gente
que não conseguiu bolsa e continuou a se esforçar muito.
Aprender muda a gente de lugar e nem sempre (quase nunca...) estamos
preparados. É “terrível”, mas nem sempre (quase nunca) temos repertório para
discutir currículo, decidir o que precisa ser estudado, até porque nem sempre estamos
muito certos de que a escolha feita é “para a vida toda” e vai descobrir que não
precisa ser... Olha eu aqui!!! Acontece de a gente não enxergar o vínculo do
que se estuda naquele momento com a vida e isso, simplesmente, porque às vezes
a gente é muito jovem (eu menos...) e ainda não viveu tudo (eu também!). Que
bom!
Eu li um texto na Timeline de
outra ótima aluna (não escrito por ela também. Eu leio o que vocês compartilham!!!
Há! Há! Há!) que falava da frustração do autor de não ter comprado uma casa ou
um carro, escrito um livro aos 25 anos!... Lá pelas tantas o texto fala que
“tudo bem”, afinal “a gente se cobra demais”. Espera aí, a gente tem de se
cobrar, o nosso problema é que não fazemos cobranças sensatas!
Eu fugi do assunto? Não. Para mim, esforço e cobrança são coisas
relacionáveis, elas são atravessadas pelo tempo
e nesse sentido eu convido: “dá para esperar um pouco?!”. Quando a minha
primeira nota de Latim na Faculdade chegou, eu quase desmaiei, 55... Outra vez:
55 (cinquenta e cinco). Depois de 2 anos, a minha última nota de Latim foi 100.
Outra vez: 2 ANOS! Eu estudo francês há 10 anos e tenho imensas dúvidas...
Planejo começar estudar occitano daqui a uns 4 anos. Estarei pronta?!
No final do mês, entrarei em sala à tarde e à noite para dar aulas às
pessoas mais empolgadas, motivadas e ansiosas por todas as oportunidades que
estão por vir, os calouros. Eu não sou animadora... e o que vai acontecer? Sem
promessas e, ainda sim, eu vou me divertir ... Ops!
Professora, você pode não se considerar uma animadora, mas seu entusiasmo e paixão em sala de aula sempre foram contagiantes. Lá se foram quase 8 anos que vi Bizâncio e o Islã por seus olhos e isso ainda me toca profundamente. Não segui na pesquisa de nenhum dos assuntos, mas o Islã particularmente me fascina e me cativa sempre. E muito se deve a você. Até na minha monografia te agradeço por isso. Sua paixão é nítida e um dos meus exemplos de boa professora.
ResponderExcluirObrigada.
Meu Deus, que lindeza! Obrigada por sua memória tão cheia de afeto!
Excluir