Gostou
de ter abandonado a esteira. É bom quando nossos passos nos levam a algum
lugar. Livrou-se do casaco, confiante no calor que ia brotar de si. Foi. Passou
pela velha casa cinza e percebeu que a samambaia fora podada; a casa amarela
tinha uma cadeira nova na varanda; engolida por heras, a casa de janelas e
portas verde musgo enjoava das revistas que se acumulavam na porta. Quando alguém
voltar, lembrado finalmente de que esquecera de cancelar as assinaturas, curioso das voltas que o mundo deu (!), é
capaz de expulsar para sempre a possibilidade da memória.
Passou
pela linha do trem devagar. Dobrou a
esquina e viu a lata tombada. No meio do lixo que ganhava toda a calçada, viu a
rosa ainda enrolada no celofane. Não estava ressequida. Podia ainda enfeitar um
altar, a mesa de cabeceira de alguém apaixonado e um aparador de vó. Ficou
imaginando a violência de um perdão negado; a decepção diante de um presente
que ia morrer, só porque alguém lembrou de matar; um velório esquecido. Sentiu pena da rosa, ilhada pelo mau cheiro, pelo imprestável misturado no que
ainda servia; teve nojo do descaso dos outros. A rosa no meio, espalhando a sua
beleza inútil.
Quando
assomou a própria rua, ficou pensando que ainda tinha a grande ladeira para
vencer. No ápice, o coração a avisar de que estava prestes a perder o fôlego.
Adorava aquela sensação de que, mais um pouco, era capaz de morrer. Lembrou-se
da rosa. Poderia tê-la resgatado do perdão negado! A decisão chegou atrasada,
ela já estava longe. Perto de casa, um passarinho morto, a rosa novamente. A
coragem atrasada. Poderia voltar e atravessar a braçadas as fraldas sujas, os restos
de comida, o cocô de cachorro, o papel picado e salvar a beleza dela, a vida
que, entretanto, sabia perdida, amputada da raiz, mas ainda linda!
O
céu avisou que eram horas de buscar abrigo e, entre atrasada e covarde, virou a
chave e entrou depressa. Colou-se à porta e olhou pelo olho mágico a
parte de si que ficou na chuva.
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