Eu comecei esse texto algumas vezes
este ano, sem conseguir terminá-lo. Abandonei-o por meses e essa foi sempre a
maior ameaça à minha escrita: a dessintonia, nunca a tal falta de “inspiração”.
Não escrevo porque estou inspirada, nem travo porque estou sem inspiração. A
verdade é que nunca consegui voltar a um texto abandonado e o fato de ter
conseguido voltar a este é o primeiro dado de esperança que ofereço às pessoas
amigas e generosas que me leem nas 2as pela manhã. Por que não volto aos textos
abandonados? Porque sinto quebrar a sintonia no tempo: não reconheço mais
aquelas palavras, aqueles personagens, aquele assunto... na pessoa em que me
tornei. Acho inclusive que forçar a barra pode ser perigoso: forçar o coração a
experimentar sensações ultrapassadas, sabendo que ele pode não discernir bem experiência
e memória.
Resolvi voltar ao texto abandonado,
porque na semana que passou segui uma sugestão de leitura publicada em TL de
pessoa que respeito muito. O texto se chamava “O que fazer com a desesperança”[1] e foi escrito por Bárbara Natália Lages Lobo. Era um texto pequeno, duro, mas
corajoso: “Encare a sua desesperança. Enfrente-a
com seus sonhos, desejos, com a sua esperança”. Achei uma proposta muito boa e
essa possibilidade me fez pensar na que eu tinha querido desenvolver quando
abandonei assunto. O que eu queria escrever era diferente do que escreveu
Bárbara Lobo, embora seu convite tenha todo sentido.
Vamos lá. Vou tentar repetir ao
coração que é só memória.
No começo deste ano, eu vivi
momentos dramáticos, que tiveram muitas consequências, dentre as quais a
renúncia de um sonho. Ninguém me obrigou, eu decidi renunciar. Todavia, no
exato momento em que eu encarava um sofrimento só parecido com o de anos atrás,
quando um médico disse para mim que eu jamais seria mãe, duas pessoas queridas conquistavam
vitórias retumbantes: uma delas, no terreno profissional e outra, na vida familiar.
Lembro-me bem que no exato dia em que uma dessas pessoas comemorava a
realização de um sonho acalentado por anos e recebia em sua casa um tesouro em
forma do maior amor de sua vida, eu fazia a minha renúncia. É possível que tudo
tenha transcorrido quase no mesmo intervalo de tempo! Eu não tive na hora a
percepção da ressonância disso.
Pouco tempo depois, quando a minha
decisão foi definitivamente estabelecida, eu vivi a satisfação pela vitória
dessas duas pessoas. Sei, porém, que eu poderia ter enveredado por outro
caminho: o da inveja. Eu poderia ter me revoltado, eu senti esse sentimento
chegar bem perto... Então, recorri à minha única virtude, a única que realmente
reconheço em mim: a disciplina. Uma vez ouvi de uma pessoa encantadora que eu
sou a única pessoa que ela conhece que marca encontro consigo mesma e não
falta. Acho que essa pessoa encantadora encontrou um jeito bonito e meio
engraçado de dizer que sou disciplinada. Não vou fazer mais propaganda dessa
virtude, só vou dizer que ela foi tábua de salvação.
É claro que o fato de eu gostar
demais dessas pessoas que viviam momentos incríveis foi fundamental. Uma dessas
pessoas batalhou muito pela conquista profissional. Ao longo de um ano foi
tecendo seu projeto, fazendo as demandas, na incerteza econômica que já nos
rondava. A outra conseguiu reunir pela primeira vez na vida as condições para
trazer a sua filha ao seu convívio e foram anos de espera.
Quando tive clareza disso e assumi
a minha renúncia – que nada teve a ver com a diminuição da tristeza, pois ela
estava muito longe de arrefecer –, eu fiquei imaginando as minhas pessoas
queridas: seus sorrisos, seus lágrimas de alegria, suas conquistas... essas
imagens misturadas com meu amor por elas foi me enchendo de... esperança, uma
surpresa! O mundo não tinha sido arrasado porque eu vivia momentos dramáticos. Elas
estavam ali para me dizer que era possível a felicidade existir, depois da sua
grande espera, de todo o seu esforço. Cheguei a essa verdade antes de poder
escrevê-la.
Ao longo do ano, disse em vários
momentos em sala de aula que a História me dá esperança. Antes da minha dor, eu
tinha escrito isso no Diálogo sobre o
tempo, afinal até a Guerra dos Cem anos (!) acabou um dia... Tenho pouco
apego pelo que eu escrevo (de verdade), mas preciso acreditar que o que eu
escrevo é expressão do mais autêntico pensamento que pôde virar palavra. Eu me
vi na necessidade de confiar em mim.
Entre a experiência feliz daquelas
duas pessoas que referi e o que escrevi no livro com meu amigo Jelson, havia um
espaço que preenchi com a observação de outras felicidades à minha volta. Uma outra
amiga me revelou que vivia um grande amor! Mas não era tudo. Quando se tem
filhos, a primeira coisa que a gente aprende é pedir ajuda e a segunda é
prosseguir. Se eu joguei para longe a possibilidade da inveja, não podia
entronizar o egoísmo.
Não sei se o desenvolvimento desse
texto trouxe algo de muito original ao tema da esperança, mas o que funcionou
para mim foi enfrentar com disciplina a desesperança, ou seja, colocar diante
de meus olhos de forma insistente, a felicidade alheia.
Um desvio rápido. Eu já dei muitas
risadas, até parar de rir por completo, de como a desgraça dos outros ameniza a
nossa... Ex.: quando alguém atrasa uma tarefa e outra pessoa também está
atrasada, uma delas afirma: ai que bom
que vc também não conseguiu terminar! Quantos de nós já não ouvimos algo
semelhante? Quando de nós já não dissemos isso?... Há algum parentesco entre
essa solidariedade na desgraça e a necessidade de uma disciplina para encontrar
esperança. A felicidade dos outros deveria nos animar da mesma forma ou mais que
o seu fracasso nos dá alívio...
A História é movimento,
transformação no tempo. Não há estados permanentes de nada e não estou aqui nem
defendendo nem refutando fluidades baumânicas, mas reconhecendo que o movimento
é vida.
Eu fui muito triste em 2016, mas
não fui para sempre. Fui até feliz. Realizei sonhos. Um deles, no sábado
passado. Lancei Menina com brinco de
folha em Curitiba, abracei amigos e vi a felicidade estampada em seus
rostos. A causa era eu! Eu ouvi coisas inacreditáveis de pessoas que largaram
compromissos ou que levaram seus amores para comprar um livro em que compareço
pela primeira vez como autora de ficção! Ora, não só é possível ter esperança quando
alguém que amamos ou que imaginamos está feliz, é possível ser a razão da
felicidade alheia. É preciso ainda mais disciplina, disciplina de gratidão.
Em 9 de janeiro de 2017, eu vou
lembrar da renúncia que fiz, mas se houver um janeiro de 2017 para mim, devo
lembrar que sobrevivi e que em um dia de dezembro, semanas antes, consegui
finalmente terminar um texto sobre ter esperança.
Queridos leitores, o blog entra em
férias até o final de janeiro. Isso não significa que vou deixar de escrever, significa
apenas que as atualizações serão mais erráticas. Desejo a todos um Natal
alegre, de abraços apertados e beijos demorados, e um Ano Novo de renovada
coragem e esperança.
Em Menina com brinco de folha, a existência da joaninha amarela é uma
das primeiras descobertas do menino com a menina. Sei que há um inseto chamado Esperança, mas acho que a Joaninha amarela tem Esperança como sobrenome...
Maravilhoso, professora!!! Maravilhoso!! Obrigada!
ResponderExcluirObrigada, querida!
ExcluirMar. Obrigada pela linda referência, consegui me identificar perfeitamente no texto. Sei o que é a dor de renunciar, e saiba que convivo com essa dor desde 2015, perdurando em 2016.... e que em 2017 nossos risos, largos superem as tristezas vencidas com a bravura de quem carrega esse sobrenome lindo que temos em comum, ora pois pois...
ResponderExcluirDesejo um dia me apresentar a você, contar coisas, e escutar com vontade seus conselhos e, quem sabe, me atrever a dar uns a você, e até sendo um pouco mais ousada, quem sabe com uma boa taça de vinho?
Saiba que, você tem uma linda flor que mudou a minha vida, e eu espero que a minha linda flor tenha um dia mudado a sua.
Obrigada por tudo.
Beijos da sua prima capanga.
Tati.
Obrigada, prima!
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