O texto desta segunda ia ser outro,
mas, ontem, fui ver no Teatro Guaíra A
Bela e a Fera, o ballet, com a família.
Eu ADORO o romance de Madame de
Villeneuve[1] e acho sinceramente que é
ainda uma das melhores animações já feitas pelos estúdios Disney (de 1991)!
Todos devem se lembrar de que a animação foi indicada ao Oscar de melhor filme,
o que até aquele momento não era comum. Eu também sou apaixonada pelo filme de
Jean Cocteau (1946), com Jean Marais, como a Fera! Acho interessante o filme de
Christophe Gans, com a linda Léa Seydoux e com Vincent Cassel... É difícil
adjetivá-lo. Devo apontar, porém e quase em um sussurro envergonhado rsrsrsrs
que, se eu fosse solteira, cortejaria Vincent Cassel, que mora no meu Rio de
Janeiro... Segredo.
Há qualquer coisa sobre ir a um
ballet, ir a uma ópera ou apreciar um concerto que começa pelo menos um dia
antes na minha vida. Eu, que estou muito longe de honrar a minha amizade com
Ronaldo Fraga, pela pouca (nenhuma?) preocupação com o vestir..., escolho minha
roupa um dia antes para ir a um ballet! Ontem, pendurei um vestido, separei a
meia calça. Perguntei à filha se não queria escolher a roupa também. A
justificativa foi a de que o espetáculo seria de manhã, então para evitar atrasos
era bom deixar tudo preparado. Ela aceitou.
Minha primeira ópera foi O Navio Fantasma de Wagner, dirigido por
Gerald Thomas e realizado no Teatro Municipal do Rio de Janeiro. Eu tinha 13
anos. Meu pai comprou ingressos para mim e para a minha mãe. Não dava para
comprar para três, até porque ganhei roupa nova! Fomos nós duas e eu fiquei
extasiada. Fui muitas outras vezes ver óperas, concertos, ballets em
espetáculos gratuitos ou a preços populares. Sempre considerei essas
experiências como coisas muito especiais, que mereciam que eu me preparasse de
corpo e alma para elas.
O primeiro ballet da Clarinha foi A Branca de Neve e foi no Guaíra. Ela
era tão pequena... Comportou-se muito bem até a metade, depois cogitamos ir
embora..., mas não foi realmente preciso. Ano passado, ela foi a um concerto
muito didático, também no Guaíra (Clarinha é menina do Paraná, meu povo!)
concebido para crianças, em que o maestro parava muitas vezes e explicava. Teve
até “Nessum Dorma”. Ela ficou surpresa.
Ontem, havia uma grande motivação.
Uma das amigas da escola se apresentaria! A menina é uma das pétalas da rosa
mágica da Bela e a Fera de Disney,
ops! O espetáculo seguiu a animação na maior parte do seu desenvolvimento. Não
achei mau, afinal o filme constitui uma reserva de sentido para a maior parte
das crianças que foram assistir. Que eu saiba, o romance de Madame de
Villeneuve não tem ainda tradução (posso estar enganada) em português. Se tiver
sido traduzido, é bom lembrar que não se trata de Literatura Infantil (sequer
juvenil...). Essa não é uma história para crianças, ainda que tivesse sido
possível adaptá-la.
Sabemos que a rotina de ensaios e a
competição entre bailarinos é muito estressante. Talvez esse adjetivo seja um
eufemismo. Mas eles realizam um milagre. São perfeitos. Quando erram, parece
quase uma concessão à humanidade. Esqueçam modelos, atores e atrizes de sucesso!
O corpo dos bailarinos é uma escultura: eles são a obra prima, mas foram também
os seus próprios escultores. Criador e criatura de si mesmos. Bailarinos em
cena são um exemplo extraordinário de colaboração para a constituição de um
sentido, de uma narrativa, em que tudo o que é diferente é essencial para o
conjunto. Três bailarinas empinam; vem a solista; passa um bailarino em
diagonal; envolve a sua parceira em um abraço; entram dez, doze, de uma vez e
tudo aquilo nos transporta. Estamos enlevados. É preciso confiar muito em
alguém para entregar seu corpo, que é lançado no ar e recuperado na descida,
como faz a bailarina que sorri. Ela não hesita; sabe que ele vai estar lá. Notem
bem: ela sabe que ele vai estar lá! É preciso amar com paixão (e não importa que
seja só naquele momento) para o beijo final.
O espetáculo a que assistimos tinha
muito conjunto. Era gente à beça em cena. Sabíamos quem eram os protagonistas,
mas a encenação dividiu o prazer do movimento em muitos pedaços, entre muitos
famintos. Gostei. Os figurinos estavam lindos e achei muito delicada a maneira
como cada vestido de Bela envolvia a personagem que se transformava também: de
menina de azul, à jovem corajosa e salvadora do pai; de mulher que decotada
senta à mesa com uma Fera que a corteja, mas a quem ela dirá não, pois era
preciso que ele lembrasse o que é ser homem novamente para que estivesse à
altura de recebê-la como mulher; até o resgate do personagem, não à toa, ela em
dourado (não em amarelo Disney)...
O cenário estava bonito também.
Havia qualquer coisa entre o filme de Christophe Gans (Vincent Cassel me
assombrando) e referências mais batidas de contos de fadas. Por que não?
Sabe o que lamentei? Não haver
músicos...
Mas... o que o público tem a ver
com isso? Meu título é como o endereço equivocado do destinatário em uma carta
condenada a não chegar?
O espetáculo foi concebido para
crianças. Elas eram numerosas na plateia e deram um show! Um show de atenção.
Acho que, em quase duas horas, ouvi dois gritinhos e devem ter sido de prazer
ou de susto: a Fera!!! No início, quando as luzes foram enfraquecendo, as
pessoas que esperavam para entrar se apressaram. Ouvimos recados pelo sistema
de som: é proibido fotografar, desliguem os celulares... Mas quando as luzes
estavam apagadas e começou a narração – já era o ballet, vi adentrarem
contingentes numerosos de pessoas. A cortina do palco se abriu. Pessoas
continuavam a entrar, iluminando seus caminhos com celulares que cegavam quem já
estava em seus lugares. Carregavam crianças inocentes no colo. Pediam licença.
Não conseguiam achar os números das cadeiras. Pessoas sem crianças entraram. Um
casal de adultos (acho que devo precisar) sentou no meio da 3ª fila da plateia.
Imaginem o tamanho da sua inconveniência.
Já estávamos na 3ª cena, “Amanhece
na aldeia”, quando entrou uma família grande. Um homem de boné abria a coluna,
com seu inocente nos braços. Atrás vinham mulheres com saltos ameaçadores.
Foram sentar lá na frente. O celular; o dá licença; o desculpa... a bailarina
linda, perfeita, escultural, era a rosa afinal!, empinava a uns três metros.
Sabe quando falei de roupa e
vestido? Isso é coisa minha e é bobagem, ou só uma coisa menor. É como saber o
garfo adequado para comer peixe (qual é mesmo?). Outro dia, ouvi Leandro Karnal
falar de etiqueta no rádio como uma pequena ética e a dar exatamente o exemplo
dos talheres, como exemplo menor. Concordo.
Eu acho que não adianta nada levar
as crianças a verem A Bela e a Fera
se a gente não acredita na importância da vitória da Fera, ou seja, na
recuperação da humanidade. Não adianta levar a concerto, se vamos sacar o
maldito celular para fotografar, quando minutos antes o autofalante disse com
delicadeza que é proibido, dando como explicação (precisa?) o fato de que
atrapalha o artista. O artista que ensaiou, que machucou o pé, o dedo, que se
apertou no figurino, que fez dieta, que teve de sorrir e beijar quem odeia em
cada ensaio para nos convencer daquele amor. E há as crianças, elas veem... o
que fazemos.
Eu tive vergonha daquelas numerosas
pessoas com suas crianças nos braços. Não acredito em sua boa intenção de levar
em ballet, no seu conceito de atividade cultural, no seu sapato caro, no seu
vestido ou no seu boné. Talvez acredite no boné, afinal sempre protege do sol
que brilha dentro do teatro.
Por mim, impedia a entrada dos
atrasados no teatro. Sou cruel? Não sei reconhecer que imprevistos acontecem?
Acontecem e é importante dizermos às crianças que, por causa do imprevisto e de
nosso atraso, vamos perder o espetáculo. Não tenho pena da frustração? Acho a
frustração muito constitutiva e não temo a lágrima. Eu choro.
Acho que a filha mal piscou, como todas
as crianças que vi. Ela só é extraordinária para mim. Houve um momento,
entretanto, em que interrompeu o silêncio, puxou meu braço e disse baixinho que
tinha certeza de ter achado a amiga entre as pétalas da rosa!!! Sorriu feliz,
extasiada de reconhecimento. Fez sol no teatro, mas eu não precisei de boné.
A foto não é do Guaíra, é do Scala
de Milão, onde o público também dá "espetáculo" rsrsrsrs.
Adorei!!!!
ResponderExcluirMuito obrigada!
ResponderExcluirDe novo um show, um espetáculo!! E a gente toda que não lê perde de sabê-lo... adoro lê-la!!!
ResponderExcluirBel querida, quantas saudades de nosso convívio! Beijão e qualquer hora vou te visitar!
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