Prólogo:
Áureo Lustosa Guérios Neto é
formado em Letras pela UFPR (Português – Italiano) e fez mestrado em Cultura
Literária Europeia e Italianística na Europa (ele explica na entrevista o que é
Mestrado Triplo). Na Graduação, cursou História Medieval como disciplina
eletiva e foi nessa ocasião que nos conhecemos. Fui sua professora e ele, um
aluno brilhante! Quando decidiu ir para a Itália dar continuidade a seus
estudos me procurou para que eu lhe desse uma carta de recomendação. Depois que
realizou de maneira muito exitosa a sua pesquisa, Áureo voltou ao Brasil. Aqui,
começou a se dedicar, entre outras coisas, à dança! E não é que achou um jeito
de ser brilhante também como dançarino?!
Áureo estreou ontem na Rede
Globo, na “Dança dos famosos” e arrasou! Quando o apresentador do programa
falou dele, disse que Áureo é professor de dança, balé, ok... Essa entrevista não
faz jus a seu diversificado currículo (!), mas lembra que Áureo é um
intelectual que dança ou um dançarino intelectual, as duas coisas ou o que ele
quiser. Tenho muito orgulho do meu ex-aluno, que confirma a minha certeza de
que é preciso buscar uma vida plena.
1. Áureo, você
tem uma experiência rica de estudos no exterior. Fale um pouco sobre o que é
mestrado triplo e sobre o trabalho que desenvolveu na Itália.
Áureo: Cursei
um programa de Mestrado em Cultura Literária Europeia (CLE), oferecido por um
conglomerado de universidades presididas pela Universidade de Bolonha. Em 2014,
quando defendi a dissertação, o conglomerado era formado por quatro
universidades: Bolonha (Itália), Thessaloniki (Grécia), Moulhouse e Strasbourg
(França). Hoje, as universidades de Dakar (Senegal), Lisboa (Portugal) e Moscou
(Rússia) também fazem parte da parceria. O programa busca criar mobilidade
acadêmica e, por isso, os estudantes devem estudar em pelo menos duas línguas e
duas sedes, e não podem escrever a dissertação em sua língua materna. Durante
esse período, o conglomerado tinha à sua disposição algumas bolsas do programa
Erasmus Mundus da União Europeia e tive a sorte de ser agraciado com uma delas.
Mais informações sobre o CLE (http://www.cle.unibo.it/site/en/home/) e sobre as bolsas Erasmus Mundus (http://eacea.ec.europa.eu/erasmus_mundus/funding/scholarships_students_academics_en.php).
No meu caso, cursei o primeiro ano na Universidade de Bolonha, um semestre
na Universidade de Estrasburgo e um semestre na Universidade de Thessaloniki,
onde escrevi também minha dissertação. Como estudei em três sedes, tive por
coordenadora a Profa. Gabriella Macrì, do departamento de italianística da
Universidade de Thessaloniki, e dois co-coordenadores, Giuseppe Ledda (UniBo) e
Cutinella-Rondini (UniStras).
Minha graduação na UFPR é em Letras Italiano e decidi continuar na
mesma linha no mestrado. Dante e a Commedia sempre foram minha paixão
literária. A Commedia, na verdade, é o motivo que me fez escolher Letras
Italiano ao invés de alemão ou francês. Como estudei Dante, escrevi e defendi
minha dissertação em italiano, e, como somos obrigados a conhecer as línguas de
todas as sedes em que estudamos, respondi as perguntas da banca em francês e
grego.
Meu trabalho se intitula Il rapporto fra docente e discente e gli
appelli al lettore nella Commedia (disponível em http://ikee.lib.auth.gr/record/135912/files/GRI-2015-13854.pdf).
Estudei a rede de relações entre professores e alunos na Divina
Comédia, dividindo-a em duas partes. Na primeira, propus uma análise da
relação didática que se cria entre os muitos mestres da narrativa e seu único
discípulo, o Dante personagem. Para isso usei uma teoria que adoro, o Close
reading. Em seguida, tentei demonstrar como essa ideologia pedagógica é
transposta aos leitores, de modo que Dante se comporta então como um mestre e
ao leitor cabe comportar-se como um aluno. A Divina Comédia é uma obra
estranha, única, e as regras habituais de leitura não se aplicam a ela. A Commedia
vê a si própria como o Novíssimo Testamento e, portanto, ordena que o leitor
use métodos adequados ao seu status, ou seja, o método de exegese bíblica.
Dante tem a pretensão de que seus leitores reaprendam a ler e, por isso,
inseriu o Manual de Instruções dentro da própria narrativa.
2. Áureo,
entre a temporada em que viveu na Europa e a sua volta, o Brasil passou por
grandes mudanças... O que um italiano médio sabe do Brasil?
Áureo: Difícil responder... Há um enorme
interesse pelo Brasil. Há um interesse cultural muito grande: dança, futebol,
praias paradisíacas, favelas e Amazônia. E acho que esse interesse é
intensificado pelo fato de que eles estudam muito pouco da história da América
Latina. Mesmo pessoas cultas, que talvez conheçam bastante do Brasil de hoje,
tendem a ignorar quase que completamente a história do Brasil e das colônias
espanholas. Na minha opinião, isso cria uma certa aura de mistério e exotismo.
Às vezes eu tinha a impressão de que eles nos viam mais ou menos com o mesmo
tipo de caricatura com que nós vemos a Índia ou o mundo árabe.
Além disso,
cheguei à Europa no momento em que eles ainda se recuperavam da crise econômica
e o Brasil crescia economicamente. Assim, me deparei com um grande interesse
econômico no Brasil. Não foram poucos os italianos que me disseram que
“pretendiam emigrar ao Brasil porque lá é que se encontram os empregos e as
bolsas de estudo”. Sempre me diverti com isso.
Para além
disso, a Itália e o mundo olham para o Brasil como um grande exemplo de
sociedade multicultural bem-sucedida. Quando eu morava em Singapura, sempre me
chamou a atenção o fato de que eles são uma sociedade multiétnica e multicultural.
Lá, indianos falam tamil, comem comida indiana, vestem roupas tradicionais
indianas, praticam religiões indianas e moram em Little India. Já os malaios,
falam bahasa malayu, se vestem com roupas malaias, comem comida malaia, são
muçulmanos e moram em Malay Village. Ou seja, em Singapura, se alguém é
etnicamente diferente, ele provavelmente tem pouquíssimo em comum comigo. No
mundo, normalmente multiétnico quer dizer multicultural e, com frequência,
multilinguístico. Acho que por isso, quando os europeus olham para o Brasil,
eles se maravilham em ver um país multiétnico que eles acreditam ser
multicultural, mas, ao mesmo tempo, culturalmente coeso. E aí é que está o pulo
do gato. O Brasil é multiétnico, mas de um certo modo dividimos uma monocultura.
Nunca conheci, por exemplo, um brasileiro que não falasse português como língua
mãe. Em Singapura, 50% da população fala mandarim como língua materna, 32% o
inglês, 12% o malaio e 3% o tamil. Comparando um e outro, tenho a impressão de
que não somos o mosaico cultural que eles imaginam que somos.
3. Áureo, você
é um intelectual que dança... A dança é um hobby ou ela te constitui, como a
Literatura?
Áureo: Mais uma pergunta difícil...
Comecei a dançar por acidente. Eu andava trabalhando muito, queria desestressar,
e então aceitei acompanhar uma colega em um curso de dança de salão. Foi amor à
primeira vista. Desde então não parei. Continuei por um bom tempo nas danças de
salão, principalmente na salsa. Na Europa, comecei a estudar danças cubanas e
afrocubanas. Depois me interessei pelo balé. No futuro, quero aprender break
e me especializar em afrobrasileiro. Hoje em dia, entre balé, samba, dança de
salão e dança afro, emprego pelo menos três horas de treinos diariamente. Às
vezes chego a oito horas. É quase um vício... E se fico dois dias sem dançar,
entro em parafuso.
A dança me
é caríssima, certamente define quem eu sou e o que quero para a minha vida. Mas
não sei se ela ocupa o mesmo espaço da literatura. São atividades ao mesmo
tempo complementares e mutualmente enriquecedoras, mas de natureza muito
diferente. Uma essencialmente física e outra cerebral. Uma criadora e outra
interpretativa.
São nos
estudos literários que pretendo desenvolver minha carreira. Pretendo começar
meu doutorado no futuro próximo e gostaria de dar aulas no ensino superior.
Nesse sentido a dança é sim um hobby. Quero ser um dançarino completo, exímio,
mas não necessariamente busco isso pensando em uma carreira ou remuneração. É
só uma aposta comigo mesmo, porque ser um grande dançarino me parece melhor do
que não ser um grande dançarino... haha
4. Que
história é essa de “Dança dos famosos”?
Áureo: Pois é... tudo isso é muito novo.
Desde que voltei para o Brasil, no início de 2015, tenho me envolvido bastante
no meio da dança de salão de Curitiba. Há alguns meses, fiquei sabendo que
fariam uma audição para a Dança dos Famosos e resolvi participar, mais para ver
como as coisas funcionam, porque não sabia muito o que esperar. Em nenhum
momento me passou pela cabeça que eu realmente pudesse ser chamado... E acho
que foi justamente isso que fez a diferença. Cheguei lá muito tranquilo, calmo,
quase que participando de uma brincadeira. Quando me ligaram confirmando minha
participação não acreditei e não sabia o que dizer. Pedi uma hora pra pensar.
No fim das contas, resolvi encarar o desafio... Será um percurso novo,
completamente diferente de tudo o que já fiz até hoje. Espero crescer como
dançarino, sair da minha zona de conforto, quem sabe abrir novas portas.
Veremos. De um modo geral, o apoio e a empolgação das pessoas que me circundam
foram tão grandes que já me bastam como prêmio. Fora que nunca mais vou ter que
justificar para ninguém porque faço aula de balé! haha
Recadinho do Áureo: "Obrigado pela oportunidade e para quem quiser acompanhar as minhas peripécias no mundo e na Dança dos Famosos, sigam-me no Instagram, @mundoaureo, ou no Facebook, Aureo Lustosa."
Meu querido tu é bom em tudo que faz,além de ser um menino maravilhoso.estou torcendo em todas tuas aventuras,E lindo tambem.sucesso
ResponderExcluirObrigada por sua leitura!
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