(CONTÉM
ALTAS DOSES DE SPOILERS)
Outro dia, xeretando os filmes da
minha escola de francês durante o intervalo da aula, achei La Joueuse (2009) e peguei emprestado, muito despretensiosamente.
Confesso que fui atraída pela presença de Kevin Kline.
O filme é estrelado pelo ator
americano, que fala francês o tempo todo, exceto quando recita o poema “The
Tyger” de Willian Blake, e pela excelente Sandrine Bonnaire, que eu mal conhecia
e que agora considero muito intensa. O filme é dirigido por Caroline Bottaro, a
quem enviei convite de amizade pelo Fb rsrsrs (ela ainda não aceitou).
La
Joueuse vai agradar em cheio às pessoas que adoram histórias em que
aprender transforma por completo. Sandrine Bonnaire é Hélène, que vive na Córsega,
é casada com Ange (Francis Renaud) e mãe
da jovem Lisa (Alexandra Gentil). Ela trabalha como arrumadeira em um hotel e como
diarista na casa do americano excêntrico e mal educado (até um pedaço do
filme), o senhor Kröger, ninguém menos que Kline. Um dia, tendo batido à porta
de um dos quartos que tinha por tarefa arrumar, Hélène surpreende um casal que
jogava xadrez na varanda do quarto. Pede desculpas por ter ferido a intimidade
dos hóspedes, mas recebe consentimento deles para continuar o trabalho. Entre
um alisar de lençol aqui, um arejar de travesseiro ali, ela entrevê pela
cortina transparente a mulher, interpretada pela atriz americana Jennifer
Beals. Beals está linda, de camisola, mexe nos cabelos, parece distraída,
sedutora e ... vence a partida, afinal a rainha “é mais forte que o rei”
(Hélène).
O jogo de sedução dos amantes anima
Hélène, que vai surpreender o marido no trabalho. Seu gesto, entretanto,
naufraga em incompreensão. À noite, no jantar, uma briga dele com a filha, o
ressentimento desta pela “pobreza” da família (uma pobreza quase irreconhecível
como tal a nós...) e a revelação dos temores dele de cortes no trabalho
devolvem a personagem à sua “vida real”... Ele lhe sugere pedir um aumento de
salário ao americano.
No dia seguinte, o casal que jogara
xadrez deixa o hotel. Seu jogo fica no quarto, bem como a camisola de Beals. No
aniversário do marido, Hélène não duvida: dá-lhe um jogo de xadrez eletrônico e
veste a camisola. Mais uma vez, naufraga na tentativa de reencontro com ele,
mas não desanima e passa a, vestida com a camisola, estudar o jogo. Volta a
fumar.
A dificuldade de avançar jogando
consigo mesma encoraja Hélène a propor ao Senhor Kröger que lhe ensinasse a
jogar. Dias antes, ela havia descoberto um belo tabuleiro na casa, dias depois fora
surpreendida pelo patrão dormindo no sofá, como tabuleiro ao colo. Ante a
negativa dele, ela propõe a troca das lições pelo serviço doméstico. Ele
aceita. O filme engrena!
A princípio, as lições acontecem às
3as à tarde, depois simplesmente são a razão da presença de Hélène na casa.
Pessoas completamente diferentes desenvolvem um interesse comum, interesse uma
pela outra; de certa forma, salvam-se. Hélène tarda a chegar a sua casa, bebe
vinho com o patrão, perde os ônibus... Logo, a pequena vila começa a murmurar
suspeitas de adultério. O marido a segue e olha pela janela a infidelidade: sua
mulher em frente a um homem; sua mulher enfrenta um homem; há um tabuleiro
entre eles; peças brancas e pretas que lutam. No final da noite, o parceiro
pergunta se a parceira gosta de ler. Ela folheia o Martin Eden de Jack London;
Kröger permite que ela leve a obra. É uma noite intensa, em que a maior
intimidade física é o toque no cabelo.
A “descoberta” de Ange empurra
Hélène a uma decisão difícil. O Senhor Kröger percebe, porém, o particular
talento dela para o jogo. A personagem encontra-se assim em um daqueles momentos
em que deve decidir se o mesmo ainda lhe convém sendo outra, ou se arrisca.
Hélène hesita (quem não?) e aceita participar de um torneio amador.
Eu fiquei muito emocionada com a
relação de Hélène e Kröger. Há muita intensidade em seu combate; há ali a
verdadeira amizade, que me lembrou demais o que Jelson escreveu sobre o tema em
nosso Diálogo sobre o tempo: aquela
arena de Nietzsche! Talvez alguém vá achar que se trata de paixão, há uma cena
em que parece que os personagens se beijam na boca, mas eu desconfio. Hélène
sabe amar Ange, com toda a diferença que descobre haver entre eles, afinal. Descobrimos
que ele a ama também, admira-a. Também me lembrei de Fazes-me falta de Inês Pedrosa, esse extraordinário romance da
amizade intensa! Todo mundo que leu o Diálogo
sobre o tempo lembra que eu comecei meu capítulo sobre o tema com esse
romance.
La
Joueuse é um filme sobre aprender decerto, mas... Hélène não deixa de
ser arrumadeira porque venceu o torceio (Hiiii, contei!), não se torna amante
de Kröger, não se separa de Ange, não foge à noite dando um beijo culpado na
filha... Aprender, não necessariamente vencer (embora também...), faz com quem
Hélène torne-se mais Hélène e isso eu simplesmente adorei!
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