Curitiba,
20 de novembro de 2015
Excelentíssimo Senhor
Aloizio Mercadante, Ministro da Educação,
Não
sei se esta mensagem vai alcançá-lo, mas, se eu não a escrever, vou abrir mão
da possibilidade. Sou Professora de História Medieval na UFPR, desde 2006. Meu
currículo está disponível na plataforma lattes.
Lá, Vossa Excelência vai ver que me formei em Letras, que fiz Mestrado em
Literatura, que mudei de área no Doutorado, que já escrevi alguns livros, até
uma coleção para crianças (a coisa mais linda que fiz em minha carreira), que
tive um livro meu selecionado no PNBE do Professor (em 2013), que tenho um blog
e até me aventuro pela Literatura. Não vou perturbá-lo com mais detalhes sobre
a minha formação e experiência, pois elas podem ser consultadas na rede. O que
me leva a acreditar na possibilidade de ser lida é a BNCC.
Li o
documento com atenção e tenho militado pela colaboração de colegas, alunos e
pais na consulta pública. Tenho uma filha de 7 anos. A Base impactará a
formação de Maria Clara, bem como a de seus amigos e amigas. Impactará o
trabalho de meus alunos e a minha área, que foi construída com tanto empenho no
nosso país, por gerações que já começaram a partir...
Detive-me
na parte dedicada à História. Pensei sobre ela e inseri minha colaboração como
cidadã. Senhor Ministro, a Base tem falhas graves... O mundo não nasceu no
século XVI, como o senhor bem sabe, mas esse é o tom... Conversei com os
colegas de meu laboratório de pesquisa, o NEMED (Núcleo de Estudos
Mediterrânicos) e elaboramos um documento cujos pontos essenciais já foram
incluídos na consulta, ou seja, colaborei individualmente e, de maneira
coletiva, como participante de um grupo de pesquisa cadastrado no CNPq. Um
fragmento de nosso documento:
Imporemos assim, um
brasilcentrismo tão ou mais perigoso quanto o europecentrismo que esta proposta
quer combater. Como discutir Ciência e produção do conhecimento sem antes
conhecerem o contexto de fundação das primeiras Universidades, dos ambientes de
produção do conhecimento nos espaços árabes e gregos, discutir cidadania sem
conhecer o conceito nos ambientes grego e romano, como saber de onde partiram
as primeiras e fundamentais reflexões sobre o Direito desde a época dos romanos
e boa parte das instituições que nos cercam até hoje? Uma parte dos dados
culturais que constituem nossa tradição cultural brasileira seria apagada da
História da mesma forma que antigas escolas europeias fizeram com as culturas
ameríndias e africanas em séculos anteriores segundo interesses específicos. Ao
aplicar seleções de conteúdo a nossos jovens estaremos praticando uma espécie
de revanchismo pobre, ideologizado, tão corruptor das mentes juvenis como o
daqueles que nos antecederam.
Senhor
Ministro, eu sou membro da diretoria da ABREM (Associação Brasileira de Estudos
Medievais) e, em consulta aos meus pares, não consegui descobrir um único
colega que tenha participado da elaboração desse importante documento. Não sei
se esta ausência explica os problemas que encontrei e que outros colegas
encontraram, mas estou disposta a ajudar. É isso que me leva a escrever-lhe.
Senhor Ministro, eu sou uma servidora pública e, depois que a consulta tiver se
encerrado, gostaria de me colocar à disposição do MEC para ajudar a redigir uma
Base que acolha as colaborações de tantas pessoas interessadas na formação das
crianças e adolescentes brasileiros.
Estamos
atravessando uma grande mudança história, as movimentações populacionais que
assistimos vão mudar quem somos e, para termos um futuro, é preciso que
compreendamos as identidades que nos tocam. Sobre o terceiro ano do Ensino
Médio, escrevemos em nosso documento coletivo:
Sobressai a evidência forçada de
que o mundo “começou” no século XVI... Depois de 2 anos repisando essa
inverdade, os alunos podem se convencer de que não houve pensamento, filosofia,
tecnologia, convivência, brilho e dor antes desse “marco”.
Como ao longo de todo o Ensino
Médio, segundo a proposta dessa Base, os alunos ficaram sem conhecer o Ocidente
Latino, Bizâncio e o Mundo Muçulmano, os medievalistas se perguntam como os
jovens poderão entender a ressonância de um fenômeno como a Primavera Árabe?!
Como entenderão a ressonância do Prêmio Nobel para o quarteto de Túnis (a Túnis
do sábio muçulmano medieval Ibn Khaldun...)? Sem entender que o mundo muçulmano
na Idade Média alimentou de filosofia o próprio Ocidente Latino, como as alunas
e os alunos verão homens e mulheres dessa religião, e que chegam hoje ao Brasil
em grandes contingentes, para além do fundamentalismo que a mídia proclama?
Aliás, como entenderão o nascimento do próprio fundamentalismo, cujas correntes
contemporâneas estão radicadas em interpretação equivocada de pensamento
nascido na Baixa Idade Média?
Como um aluno que encerra seus
estudos regulares, entre o Ensino Fundamental e Médio no Brasil, entenderá que
só pode ler Aristóteles porque ele foi traduzido e comentado na Idade Média? Ao
ignorar esse contexto, tiraremos dos jovens a aprendizagem dos caminhos de transmissão
das fontes com as quais o pensamento científico se fez, entre a Época Moderna e
Contemporânea.
O mundo não começou no século XVI
nem para África, nem para o Brasil, nem para Portugal, nem para qualquer outra
parte desse planeta em que homens e mulheres, graças ao conhecimento da
História, podem descobrir que uma guerra pode até ter durado mais de 100 anos
(a Guerra dos Cem Anos: 1337 – 1453), mas que as sociedades do passado
encontraram meios de alcançar a paz. O conhecimento histórico pode dar esperança
aos jovens, ao mostrar com evidências diversas que as sociedades mudam, que se
refazem, que empregam tempo e energia diversos para encontrarem soluções para
seus problemas.
Senhor
Ministro, a História me deu e dá ainda... esperança. Mais uma vez, não sei se
essa mensagem chegará à Vossa Excelência, mas resolvi tentar e dizer claramente
que estou disposta a ajudar.
Despeço-me
com sinceros votos de que sua gestão seja coroada pela elaboração da Base mais
equilibrada para a formação de nossas crianças e jovens: nossos filhos, filhas,
seus amigos, futuros médicos, professores e ministros.
Marcella
Lopes Guimarães.
PS.: Essas foram as leituras de ontem à noite para Maria Clara. Entre as Histórias à brasileira, recontadas por Ana Maria Machado, a "Moura Torta". Depois, Obax, a menina que acreditava em chuva de flor. Que nossas crianças tenham direito à fruição de todas as histórias...
Resposta do Gabinete (de ontem, 23/11/2015):
Coordenação de Gestão e Apoio Administrativo
Gabinete do Ministro
Ministério da Educação
Bloco L – Ed. Sede, 8° Andar – sala 811
Cep: 70.047-900 - Brasília/DF
É(61) 2022.7866
* apoioadministrativogm@mec.gov.br
Resposta do Gabinete (de ontem, 23/11/2015):
Prezado(a) Senhor(a),
Informamos que sua mensagem endereçada ao Ministro de Estado da Educação foi encaminhada à Secretaria de Educação Básica (SEB), por tratar-se de matéria de competência daquela Secretaria.
Caso queira obter mais informações, sugerimos que entre em contato diretamente com a SEB, por meio do e-mail: gabinete-seb@mec.gov.br .
Informamos que sua mensagem endereçada ao Ministro de Estado da Educação foi encaminhada à Secretaria de Educação Básica (SEB), por tratar-se de matéria de competência daquela Secretaria.
Caso queira obter mais informações, sugerimos que entre em contato diretamente com a SEB, por meio do e-mail: gabinete-seb@mec.gov.br .
Atenciosamente,
Coordenação de Gestão e Apoio Administrativo
Gabinete do Ministro
Ministério da Educação
Bloco L – Ed. Sede, 8° Andar – sala 811
Cep: 70.047-900 - Brasília/DF
É(61) 2022.7866
* apoioadministrativogm@mec.gov.br
sabe o que acho? que estão querendo solapar a educação pra terem pretextos a privatizar ou melhor, chamam agora de concessão a empresas. Em Goiás o governo fala em terceirização da educação, as OSs; coisa que já fez na saúde. Não vão ouvir, quando estão no poder não ouvem nada, e mandam um aparato armado pra bater em professores. Sem falar que o ENEM veio pra acabar com a educação, uma educação voltada para um índice, mas conhecimento mesmo pra vida nada, enquanto isso professores discutem salários, mas se essa política educacional continuar, não adianta ganhar muito dinheiro, gastaremos tudo com remédios e tratamentos, enfim. Nós não podemos aceitar as coisas assim, não há debate, não há nada, somente há imposição. E nós só falamos com os pares, nossos trabalhos e nas universidades só dialogam com os pares em uma guerra de egos, enquanto nossa educação afunda. Desculpa, estou puto com o que esses políticos estão fazendo conosco, seja esquerda direita volver, precisamos unir forças, rápido.
ResponderExcluirConcordo com seu desejo de juntar forças! Não vamos deixar passar a BNCC sem debate e colaboração. #queroajudarabnccmeconvidaministro
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