segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Fátima Regina Fernandes responde: "Afinal o que é esta tal de Prosopografia?"

     Vejam só, hoje de manhã expliquei no café da manhã para um dos meus filhos a metodologia prosopográfica e ele entendeu!!!!!!!!! Então, em primeiro lugar a implacável constatação de que temos uma casa de nerds e em segundo lugar, que se ele que estuda Física entendeu e até achou interessante do ponto de vista metodológico talvez fosse útil tentar rascunhar a sintética explicação matutina e divulgar no blog da Mar. Mas será justo destacar que também adoramos falar de abobrinhas em muitos momentos, não se iludam.
     Mas, afinal o que é esta tal de Prosopografia ?
É uma metodologia de base de pesquisa em Ciências Humanas, incluindo-se aí, a História, já bem antiga, mas que hoje a historiografia aplica de forma mais rigorosa. Vamos ver se conseguimos sintetizar as operações básicas e as reflexões prévias à sua aplicação.
     Em primeiro lugar, seleciona-se um grupo de estudo que disponha de elementos em comum, sejam eles profissionais, partidários, a vinculação a uma ordem, facção ou mesmo estarem todos numa mesma função. Nós, particularmente analisamos um conjunto de nobres de diversos estratos nobiliárquicos diferentes que compõem a sociedade política de um determinado rei. Este grupo será objeto de análise: em primeiro lugar cada um dos componentes deste universo selecionado cuja trajetória individual será construída a partir de todas as menções encontradas em fontes. No nosso caso, que trabalhamos com recorte medieval, devemos considerar que os vínculos e relações de poder têm uma dimensão pessoal, era assim que funcionava o jogo sócio-político medieval. Analisa-se, de partida, para cada um, sua origem, condição de nascimento, legítimo ou bastardo, sua posição na linhagem, primogênito ou secundogênito. Em seguida, as relações artificiais que completam a rede de vinculações de sangue, quais sejam, as relações matrimoniais que ele estabelece, as alianças inter ou intra-linhagísticas que busca construir, da mesma forma que as relações vassálicas que busca para si.
     Mas esta construção de uma trajetória ainda que individualizada não pode ser exclusivamente individual, devemos contrapô-la todo o tempo com seu contexto relacional. Sim, é essencial que haja clareza na problemática específica que provoca a pesquisa, assim, em nosso caso, o eixo contextual é a instituição monárquica visto que trabalhamos com a hipótese de que a sociedade política do rei “x” influencia e em certos casos determina os rumos e focos de sua governação. Lembrem-se, esta reflexão só é plenamente válida no contexto de sistema de valores e relações de poder medievais! Para cada contexto tem de haver uma reflexão específica e um estudo prévio das regras de funcionamento da sociedade em questão. Assim, em nossa pesquisa, a trajetória do indivíduo deve ser analisada à luz do contexto de legislação, jurídico e administrativo do rei com o qual se pretende relacionar.
     Além disso, existe um nível de análise transversal a toda pesquisa histórica, a crítica externa e interna das fontes que inclui o conhecimento dos contextos de produção dos documentos sejam eles, cartas, tratados, crônicas, atas, literatura genealógica, inquirições, qualquer uma delas merece reflexão. Por que rememorar tal cenário? Por que registrar esta ou aquela informação, doação, casamento, ordenar em listas genealógicas os nomes dos indivíduos que compõem uma família, confirmar este ou aquele direito, legitimar esta ou aquela dinastia através do ato de contar a sua história? Enfim, são muitas as perguntas para aquele que necessita contextualizar suas fontes. Precisamos filtrá-las em suas intenções declaradas e principalmente nas sub-reptícias enquanto avaliamos as condições de validade do relacionamento de seus dados à trajetória do indivíduo em construção. Assim, quando se realizar a operação de relacionamento dos materiais documentais o pesquisador estará capacitado a reconhecer a logicidade do ordenamento das fontes a considerar em sua pesquisa evitando a produção de resultados equivocados.
     Finalmente chega-se ao momento de relacionar as trajetórias individuais entre si de onde se poderão extrair perfis de atuação, produto por excelência deste tipo de metodologia. Analisar o que ele tem de comum e o que tem de extraordinário, de competência e excepcionalidade em seu contexto. Este tipo de conclusões permitem que escapemos de generalizações extraídas de obras construídas por não-especialistas que incorrem no equívoco de reproduzir modelos construídos em fontes de forte intenção ideológica medieval propagadoras de modelos ideais de nobre, cavaleiro, rei, mulher e tantas outras categorias que seria fastidioso citar. Afinal, fazer ciência é justamente fugir da generalidade e entrar na Demanda do Graal da especificidade!
     Bem, tomara que meu texto tenha escapado das artimanhas do hermetismo acadêmico que vaga por todo mundo tentando encobrir as incompetências com um manto de sabedoria inalcançável! Pelo menos, de minha parte, foi um prazer dividir com vocês estas reflexões que podem inspirar outros a participarem desta aventura irresistível do conhecimento.
por
Fátima Regina Fernandes
Professora de História Medieval na UFPR (quase titular... Dezembro chega logo!!!!!!), minha orientadora no Doutorado.

  

Foto tirada no casamento de nossos queridos alunos Naiara e Thiago Stadler!

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