segunda-feira, 8 de maio de 2017

Sobre prefaciar livros e projetar leitores

No sábado, dia 6 de maio, estive no lançamento de Minha pátria é minha língua. Identidade e sistema literário na Galiza de Otto Leopoldo Winck (Curitiba: Appris, 2017). Fui até o Mezanino das Artes dar um abraço no amigo e comprar um exemplar para uma amiga. O meu livro estava bem seguro em casa, ele me fora dado pelo autor antes do lançamento. Por quê? Porque eu prefaciei a obra e o autor fez a gentileza de me dar um exemplar de presente.
Foi a segunda vez que escrevi um prefácio para um livro. O primeiro foi para A Comunidade vence o indivíduo: a regra monástica de Isidoro de Sevilha (século VII) de Renan Frighetto (Curitiba: Prismas, 2016). No caso de Otto, Minha pátria é minha língua é essencialmente a sua Tese de Doutorado; no caso de Renan, ele encarou a revisão crítica de sua Dissertação de Mestrado que todo mundo vivia pedindo para que ele publicasse. Então ele resolveu, não sem fazer ajustes. Eu também escrevi um posfácio, para a 2ª edição de Filosofia da Viagem de Jelson Oliveira (Curitiba: Ed. PUCPRess, 2014) e essa história é bem engraçada e muita gente já a conhece. Eu fiz referência ao encontro na introdução do nosso Diálogo sobre o tempo: entre a Filosofia e a História (Curitiba: PUCPRess, 2015).
Por mais que eu tenha gostado muito de dar um abraço no querido Otto, não foi apenas o seu lançamento ou a memória do prefácio que escrevi para Renan Frighetto que me fez parar para pensar sobre esse exercício. Eu estou escrevendo um prefácio no momento. Trata-se do livro A Visibilidade do Sagrado: Relíquias Cristãs na Idade Média da minha amiga Renata Cristina de Sousa Nascimento (UFG/UEG/PUC-GO) e da excelente colega Paula Pinto Costa (Universidade do Porto). Na verdade, foi a convergência entre ver o resultado no caso de Otto, estar no processo de escrita no caso de Renata e Paula, e ter lido um texto que não tem nada a ver com essas coisas, aparentemente...
Eu recebi os 3 convites com muita surpresa. Lembro bem: Mas, Otto, eu sou uma historiadora...; Mas, Renan, por que não pede a alguém melhor que eu?; Renata, tem certeza?. Eles deram explicações que me lisonjearam, sobretudo porque sabem que eu dificilmente me sentiria constrangida a não apontar minhas discordâncias. No caso recente de Otto, cheguei a pedir para tomarmos café, pois eu precisava lhe dizer algumas coisinhas (opiniões divergentes). Tomamos café, eu falei e ele, que é ótimo, disse: Fica à vontade! Não dava para negar o abraço no sábado...
Eu já pedi prefácios. Pedi a quem eu confio de olhos arregalados[1] e a quem não vai me “proteger”, mas que entende a minha mente (eita, dificuldade...), como poucos! Eles e elas corresponderam a todas as minhas expectativas, ou seja, superaram tudo o que eu poderia imaginar que escreveriam.
Escrever um prefácio é realizar um exercício de escrita como primeiro leitor de um texto. Isso é sim uma grande resposabilidade, porque muitas vezes quem procura o livro vai ao sumário e ao prefácio antes de tudo. Nesses lugares, testa a sua necessidade da obra. É também uma grande responsabilidade, porque não há tábuas de salvação, ou seja, não dá para se apoiar em ninguém, afinal ninguém ainda leu! Você está sozinho com o livro e com a expetativa de quem te pediu uma coisa dessas... Vai que a gente não gosta do livro? Vai que o autor que pediu não gosta do que a gente escreveu?! Dilemas...
Ontem, folheando meu Rascunho de maio[2], a 1ª parte do texto de Fernando Monteiro: “Afinal, estamos escrevendo para quem?”, pensei em outro aspecto do exercício de prefaciar. O texto de Monteiro será finalizado apenas na edição de junho e, embora aborde o caso da ficção, o dilema: “mercado ou ralo de fossa” me sugeriu outros dilemas para escrita acadêmica... Confesso que multipliquei as alternativas de Monteiro e cheguei a escrever aqui, mas depois de uma relida, vi que podia reduzir minhas propostas. Ensaio uma questão a partir da sugestão de Fernando Monteiro: os livros acadêmicos são escritos para quem?
Os livros acadêmicos são escritos para os pares, para outros pesquisadores; para os estudantes; para professores de outros segmentos da educação; para interessandos nos temas que nos encantam e que não são especialistas (caso bem raro...) e para os avaliadores de áreas. Quem escreve tem em mente um, dois ou três desses públicos. As tiragens estão relacionadas a esses públicos e o que se faz depois de o livro pronto também revela muito do nosso para quê... Afinal, os escritores acadêmicos trabalham seus livros, falam deles, as obras são submetidas a debates, exames para além do clube do livro das áreas?
Monteiro diz no texto dele, com certa amargura (acho) que: “cada sociedade tem, afinal, a literatura que merece”. Eu fiquei pensando no dilema que ele detectou/propôs e nesse nosso merecimento, no meio acadêmico. Nesse sentido, prefaciar para mim é projetar públicos. É avaliar qual foi o leitor imaginado pelo autor quando escreveu e tentar atrair outros, não de forma ordinária ou desonesta, mas surpreendente para o autor! A tese de Otto foi defendida na área de Estudos Literários e eu comprei o livro para oferecer de presente de aniversário a uma grande medievalista.
Quando se escreve, é importante refletir: para quem? Para quê? Nisso, estou com Fernando Monteiro, até em sua desilusão... Mas como tenho o hábito de arrumar a cama antes de sair de casa ou meia hora antes de deitar, mesmo que isso seja talvez toc, ou talvez démodé, acho que um bom caminho é lermos de verdade uns aos outros. Prefaciar é ler atentamente um outro que nos escolheu e que nos pediu, a despeito de tudo o que podíamos considerar sobre a sua obra prima! Confiança e sinceridade. Taí um tímido binômio que não tem a ambição de superar qualquer dilema..., apenas alisar o lençol. Não sei se Fernando Monteiro concordaria, ou se chegaria a ler esse 100º texto de Literistórias.

Epílogo:
Eis que o blog LITERISTÓRIAS chegou ao 100º texto publicado! Nesse 1 ano e 10 meses, publiquei: crônicas da vida acadêmica, ou seja, textos que nasceram de minha prática docente, como Professora de Literatura que fui (na PUCPR) e de História Medieval que sou (na UFPR), e de minha prática como pesquisadora, junto a um Programa de Pós-Graduação e em um laboratório de pesquisa muito ativo, o NEMED (Núcleo de Estudos Mediterrânicos); contos; traduções; crônicas literárias; colaborações de colegas; resenhas (de filmes, livros e evento); entrevistas; notícias; polêmicas e esclarecimentos. Anunciei a publicação de meus livros, compartilhei imagens (algumas feitas por mim, outras copiadas da internet). Tudo começou porque eu queria escrever sobre coisas que não cabiam nos meus artigos e livros acadêmicos, porque eu gosto de escrever, porque precisava/preciso me manter em exercício constante de escrita... Nesses quase 2 anos, descobri também que esse blog divulga textos, mas encena sobretudo minha história particular de amor pela leitura. É porque leio (muito) que escrevo; é porque adoro ler, que gosto de me esparramar em/com palavras... Agradeço sempre às pessoas (muitas delas são completamente desconhecidas para mim!) que visitam esse blog e compartilham meus textos. Obrigada pela leitura, é bom saber que esse lugar favorece encontros, muito respeitosos, é claro rsrsrs.






[1] Remeto o leitor à minha crônica “Por que confiar cegamente?”: http://literistorias.blogspot.com.br/2017/03/por-que-confiar-cegamente.html   
[2] O texto ainda não está no site. Eu li na versão impressa que recebo em casa. Mas visite o site, para ler outras coisas excelentes: http://rascunho.com.br/

2 comentários:

  1. Marcella, Gostei muito do texto! Obrigada! E o que dizer das introduções, ou dos prefácios dos próprios autores? Podemos conversar sobre. É um mundo de intenções e convenções. Parabéns pelo número 100. Andréa

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  2. De fato... As introduções e prefácios dos próprios autores talvez fiquem entre "entregar o ouro" e manifestar/tentar a tal sinceridade... Faz pensar, querida Andréa. No caso dos meus cronistas, é uma carta de intenções e convenções mesmo! Muito obrigada pela leitura! Beijão.

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