Há
uma semana, convidei minha ex-aluna Ana
Cláudia Spengler[1]
para escrever um texto para Literistórias,
sobre a sua experiência de ter sido aluna da disciplina História e Cultura da alimentação, disciplina oferecida ao curso de
Nutrição pelos historiadores..., sendo ela – Ana – não aluna da UFPR, mas
membro da comunidade externa e chef de cozinha renomada no sul do Brasil! Meu
convite não teve nada a ver com um desejo de fazer propaganda da disciplina
que, por muitos anos foi ministrada pelo grande especialista da área, o saudoso
Prof. Dr. Carlos Antunes, e que depois de sua morte em 2013, passou a ser
oferecida por mim, requisitada por mim na rodada de encargos do DEHIS. Na
verdade, depois de um semestre confuso – o 2º de 2016 -, eu fiquei com vontade
de saber mais sobre a importância de acolher membros da comunidade externa à
Universidade nas minhas disciplinas; em saber do impacto dos textos, da convivência
e das amizades sobre pessoas que estavam há algum tempo um pouco afastadas dos
bancos escolares e que encararam a volta; em saber por fim o que a querida Ana
levava para casa de um semestre intenso, cheio de trocas culturais bacanas ali
no nosso microcosmo, rodeado, entretanto, pelo desentendimento e pela cizânia geral.
Eu agradeço muito o tempo que ela empregou na escrita desse texto que li, em
lembrança do seu sorriso, do seu jeito alegre de ser; na lembrança do
acolhimento que recebi (que a turma inteira recebeu!) em sua casa, ao lado do
amor de sua vida, o querido André[2],
em meio às delícias que suas mãos são capazes de preparar!
Então,
queridos leitores, bon appétit!
Uma
chef na academia: deliciosas trocas
culturais
Quando
me inscrevi na disciplina História e Cultura da Alimentação nunca imaginei
quantos horizontes seriam abertos e nem o quanto eu seria provocada por aquelas
aulas. Temas relacionados com história e gastronomia sempre estiveram presentes
na minha formação e no meu trabalho, mas acabavam chamando minha atenção de
outra forma; era mais um prazer, quase um passatempo – delicioso e cheio de
conteúdo, não vou negar. Boa parte da bibliografia da disciplina já estava ali
na minha estante, e eu já havia lido boa parte deles, com um interesse curioso,
mas não o de um estudo aprofundado.
Mas,
então, o que estaria fazendo uma chef de
cuisine na academia? E não estou me referindo aqui à academia de ginastica,
evidentemente, porque seria uma contradição!
(tenho
um amigo que sempre diz que não confia em cozinheiro magro)
Na
graduação (sou bacharel em Gastronomia pela Univali) tive o meu primeiro
contato com a história da alimentação (isso lá no final do milênio passado).
Diria que foi um despertar. Primeiro para a própria disciplina “História” em si
– sou do tempo da LBD de 1971, em que o ensino de humanidades ficou em segundo
plano – e, depois, pela história da alimentação, diretamente. Mas era um tempo
onde os artigos eram escassos, pra não dizer inexistentes, e muitas das
publicações se baseavam em lendas misturadas a conteúdos de fundamento
histórico.
No
início das suas aulas, sentimentos múltiplos me acompanharam. O encantamento
que o aprendizado traz, a sensação de “poder dominar o mundo” que chega junto
com o entendimento e a compreensão... Começamos pelo Egito antigo. Tudo era
distante e, ao mesmo tempo, tão palpável, tão “óbvio” sob aquele olhar! Fiquei
igual criança quando aprende a ler.
Agora
vejo, porém, que meus interesses giravam em torno de uma época apenas, e um
local: o início do século XIX na França. A cerimônia em torno da refeição, a
etiqueta (ou a falta dela) à mesa e tantos assuntos afins que me encantavam
estavam todos ali, naquele momento histórico. Talvez isso acontecesse por causa
da atração que sempre tive pela gastronomia francesa, a corte onde ela era tão
importante e fértil, ou, talvez, pela oferta de publicações narrando esse
período – ou, mais provavelmente, uma junção dos dois fatores.
Assim,
paralelamente aos textos de “leitura obrigatória” para nossos encontros,
revisitei as biografias e obras dos meus grandes ídolos – Carême,
Brillat-Savarin, Grimod de la Reynière – agora interessada na História por trás
das histórias. Ah, como foi esclarecedor reler meus preferidos sob a ótica do
historiador! Foi um semestre e tanto! Não consegui acompanhar tudo... a vida
pulsante batia na porta (e na cara) a cada evento, a cada treinamento, a cada
preparo. E eu ali, querendo ler mais, descobrir mais...
Que
sufoco! Cheguei a pensar que essa “vida dupla” era impossível. Perdi muitas
aulas – que aconteciam às sextas-feiras, dia de ouro dos eventos – e sofri um
pouco até aceitar que eu não precisava aprender tudo de uma vez. Nessa corrida
contra o tempo, querendo abraçar o mundo, me via sem tempo de ler e comprando
mais livros, baixando mais arquivos com textos e tentando de todas as formar
“comer” todas aquelas informações.
E
agora? Passada a angústia da impotência (conteúdo X tempo), digerida essa
experiência, penso mais em como o conhecimento dos hábitos antigos e a riqueza
da diversidade na alimentação dos diferentes povos e épocas nos fazem refletir
sobre a nossa relação com a comida – que é a essência da gastronomia.
Percebi
que, do ponto de vista da história da cultura, a atividade cotidiana em cada
época é tão importante quanto os grandes eventos, porque nos aproxima do
chamado “espírito do tempo” por meio do conhecimento da vida das pessoas
comuns. Nesse contexto não é difícil imaginar a importância que a gastronomia
tem para a história da cultura, sendo um elemento fundamental da cultura dos
povos. Assim, fomos agraciados com uma quantidade imensa de publicações acerca
do assunto.
Diante
de tantos assuntos interligados e tantas descobertas fundamentadas e estudadas,
vejo um grande campo de pesquisa onde historiador e gastrônomo podem colaborar,
unindo conhecimentos técnicos de cozinha com a pesquisa e interpretação das
fontes, documentos, receitas, ingredientes, utensílios.
Por
outro lado, nos dias de hoje, em que as pessoas almoçam fast food e “jantam no sofá”, todo empenho em trazer toda a nossa
atenção para o ato de comer nos ajuda a restabelecer a importância dos hábitos
à mesa no desenvolvimento humano. Por esse motivo, considero que a gastronomia
tem seu lugar no rol das disciplinas essenciais ao progresso da sociedade e não
simplesmente um capricho da elite.
Ana Cláudia Spengler
Detalhezinho: Quem levou Ana Spengler para a UFPR foi Bruna Michelin, minha ex-aluna dos tempos de Escola Palmares. Na época, éramos meninas: ela literalmente; eu uma menina grande... rsrs Quem tem alunos fiéis não morre pagão! Obrigada, Bru!
Ana! Não preciso escrever mais nada a respeito dessa imagem tão linda.
[1] Para conhecer mais o trabalho de
Ana Spengler:
Todo
mundo vai ficar com água na boca!!!!!
Para
conhecer mais o pensamento de Ana sobre a alimentação e gastronomia no presente:
https://www.youtube.com/watch?v=-ts0X52hBlk&t=159s
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