segunda-feira, 6 de junho de 2016

Com a palavra, meus alunos

No comecinho de abril, escrevi ao Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo, em Campo do Tenente (PR), perguntando se poderia fazer uma visita com meus alunos de História Medieval da UFPR. Tínhamos estudado documentos sobre a vida monástica, lido uma boa bibliografia e visto o documentário de Philip Gröning sobre a Grande Cartuxa de Grenoble (convido o leitor a visitar meu texto sobre O Grande silêncio). O plano era conversar sobre a vida monástica hoje, assistir a um ofício e fazer um piquenique. Para minha surpresa, obtive um SIM do abade do mosteiro, D. Bernardo, no dia seguinte! Por que surpresa? Ora, Gröning levou 16 anos para entrar na Cartuxa...
No dia da visita (28 de maio), já dentro do ônibus, falei um pouco e novamente a meus alunos sobre o que nos esperava e sobre a importância de pensar a respeito de escolher o deserto hoje. Eu sou uma medievalista, não uma antiquária (provocações inspiradas em Marc Bloch)!
Foi a minha 5ª vez no Mosteiro Trapista Nossa Senhora do Novo Mundo. Eu poderia escrever sobre minha experiência pessoal, sobre ir lá com minha família outra vez (a família nos acompanhou de carro) e ir com meus alunos pela primeira vez, mas achei que era uma boa ideia entregar a pena a quem quisesse escrever um pouco sobre uma experiência compartilhada. Ser monge é escolher o deserto e o silêncio, mas não ir sozinho. Convidei os alunos a pensarem sobre a vida monástica hoje e sobre a experiência da “aula passeio”. Abaixo, depoimentos espontâneos.
Obrigada, meus alunos, por terem aceitado o convite e de terem ido comigo a um “deserto” verde, calmo, cujo silêncio só é quebrado pelo canto e pelos os sons da natureza. Obrigada aos monges, D. Bernardo e Irmão Paulo, pela acolhida carinhosa.

BRUNA BARBOSA, curso de História, Memória e Imagem: Chamou-me a atenção na visita à abadia como os mosteiros apenas se adaptaram à contemporaneidade diante de algumas necessidades (computadores ao invés de cartas e máquinas na produção do mel, por exemplo, adaptações diante de uma comunicação e uma produção de massa características da nossa sociedade), mas nem máquina de cartão eles têm; ficou todo mundo emprestando dinheiro um ao outro para fechar a conta.
Gostei muito da visita ao mosteiro, mas assim como a Jannayna[1], também não me senti à vontade para tirar fotos, nunca tirei tão poucas em uma saída com a faculdade, por mais que tenha pedido ao monge Paulo e que ele tenha me autorizado a ficar à vontade pra fotografar o que desejasse. A fala do Dom Bernardo foi muito interessante para todos, creio eu, mas principalmente para nós estudantes, acrescentou muito ao que já havíamos conversado em sala. Sair da sala de aula e experimentar o mundo é enriquecedor. Unir o conhecimento da sala com a vivência externa nos faz mais críticos e capazes de analisar as necessidades da nossa sociedade, assim como perceber sua pluralidade sem preconceitos.

CATHARINE SANTOS, curso de História, Memória e Imagem: É muito interessante pensar que ainda hoje se cultivam ideias muito parecidas com as da Idade Média, que está tão longe de nós. Essas ideias podem ter permanecido pelo fato de as pessoas terem necessidades parecidas com as de antes e procurarem algo que talvez a vida monástica possa (ou não?) trazer, mesmo com todas as mudanças.
Além de termos oportunidades de conhecer lugares diferentes, também podemos pelo menos ter uma ideia de como as coisas aconteceram, ou pelo menos a representação que as pessoas têm do passado e como elas convivem hoje em dia com isso. Podemos observar o mundo com objetivos específicos e treinar esse olhar. Pelo menos é o que pode proporcionar para os estudantes de História.

GABRIELLA FERREIRA, curso de História – licenciatura e bacharelado: Posso oficialmente dizer que, no dia 28/05, eu estive por algumas horas na Idade média! Todo o contexto e a aparência do mosteiro remetem a isso, desde a entrada com uma singela placa de madeira para sinalizá-la, até a pequena capela dos monges, simples, porém de grandioso significado. Foi marcante conhecer e viver essas experiências além da leitura, servindo para sentir e compreender ainda mais esse movimento.

JANIRA FELICIANO POHLMANN, Doutora em História pela UFPR: Fiquei bastante interessada pela narrativa elaborada por um monge trapista do século XXI sobre o surgimento e a organização da vida monástica desde a antiguidade até o medievo. A história contada foi esclarecedora, linear, mas detalhada e, acima de tudo, mostrava o interesse do abade no que falava. Ficaria horas ouvindo-o narrar.
Com relação a participar de uma aula em um ambiente externo à universidade, entrar em uma casa monástica tão austera e sentir ao menos um pouco do que é a vida daqueles monges certamente incrementou meu repertório pessoal e profissional. 

JANNAYNA REGHINI, curso de História, Memória e ImagemEssa visita me transformou mais do que você imagina... Revi minhas prioridades e tomei algumas decisões que estavam meio travadas em minha vida...

JOÃO CARLOS DORNELES, curso de História, Memória e Imagem: Em relação à viagem feita ao mosteiro, no dia 28 de maio, achei muito interessante a possibilidade que essa visita nos abriu de compreender o quanto é necessário pra um historiador ter/desenvolver a empatia! Oras, pois nada mais intrigante do que tentar entender por que em pleno século XXI ainda existem inúmeras pessoas que tentam se encontrar interiormente indo para um “deserto” e, em paralelo a isso, ver que essa vontade vem lá do medievo, talvez por outros motivos, mas em suma com um objetivo de se afastar do mundo, para então se sensibilizar com suas causas e necessidades. Enfim, foi fantástico, despertou mais ainda aquilo que Marc Bloch chama de noção de alteridade a qual um estudante de História precisa ter e eu imagino que as viagens acadêmicas devam ter esse intuito, de gerar fruição e conhecimento, que será posto em prática ainda que de maneira indireta.

LUCAS SANTANA, curso de História, Memória e Imagem: Percebi, ao realizar a visita ao mosteiro, alguns fatos peculiares na vida monástica que ao que parece se mantêm do medievo aos dias atuais, como o silêncio, as vestimentas e alguns costumes. Chamou-me muito a atenção a erudição e a incrível percepção de mundo do abade Dom Bernardo[2].
As viagens acadêmicas se fazem importantes para o historiador em formação poder sair apenas da teoria e poder, na prática, realizar estudos e obter conhecimento sobre práticas humanas.

PRISCYLA IMARAL, curso de História, Memória e Imagem: Um aspecto da vida monástica na contemporaneidade que mais me chamou atenção foi quando o monge[3] de forma muito sincera nos disse que muitos monges têm deixado de crer em Deus. Isso me chocou muito e, confesso, me deixou até triste em saber que as pessoas estão abandonando sua fé.
Sobre a experiência do “passeio” em si, creio ser bem importante, pois além de aprender em sala de aula, o “passeio” nos possibilita ter uma experiência física e real do conteúdo estudado.  E no caso do movimento monástico é interessante, como historiadora poder comparar o passado com o presente, é uma sensação ímpar.


ROMY ONCKEN, curso de História, Memória e Imagem: No medievo,  os monges viviam mais enclausurados,  o sistema era mais rígido. Havia ainda os eremitas, que viviam e meditavam sozinhos. Hoje, os monges, são mais abertos e mais comunicativos.

Foto de Bruna Barbosa

Conferir também o belo álbum da artista plástica Roberta Bentes Kowalski: https://www.facebook.com/roberta.benteskowalski/photos/?tab=album&album_id=1758514801106371 




[1] Jannayna Reghini revelou em sala de aula que, apesar de ter levado máquina fotográfica, resolveu não fazer fotos porque o barulho dos cliques a incomodou particularmente, além de parecer ferir a intimidade daquele ambiente.
[2] D. Bernardo afirmou que hoje, depois de mais de 30 anos de vida monástica, sente-se muito mais conectado ao mundo.
[3] D. Bernardo aludiu a uma pesquisa que mostra que um dos motivos mais fortes para o abandono da vida monástica não é o desejo de escapar do celibato, mas o questionamento da fé.

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