Vikings no Brasil - Johnni Langer e o estudo da Escandinária Medieval
Johnni
Langer é Professor do curso de Graduação
em Ciências das Religiões e do Programa de Pós Graduação em Ciências das
Religiões da UFPB. Seu nome está ligado no Brasil à pesquisa sobre a Escandinávia
Medieval e sobre os Vikings, ainda que tenha trabalhado no Mestrado e no
Doutorado com História do Brasil (na UFPR). Na entrevista, ele tem a chance de
falar a respeito disso. Acho que ele nem imagina, mas quando fui professora de
História do Brasil e Memória, gostava de indicar um texto seu, muitíssimo interessante,
chamado “A cidade perdida da Bahia, ciência, território e mito no Brasil
setecentista” (2007). Aliás, no subtítulo desse artigo, vemos interesses que
permanecem na vida do pesquisador, a despeito de uma inflexão na carreira. Johnni
coordena um grupo de pesquisa bastante ativo, com relações que ultrapassam o
nosso país, o NEVE (Núcleo de estudos Vikings e Escandinavos), mas também é
pesquisador de outro grupo pujante, o VIVARIUM, núcleo Nordeste.
Johnni Langer tem uma produção científica invejável,
com quase cem artigos publicados em periódicos, livros (destaco seu Dicionário de
Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos, publicado pela editora Hedra, ano passado), mas queria render
uma homenagem especial à sua preocupação com a divulgação científica, na forma
de artigos publicados em jornais, minicursos, entrevistas concedidas e
resenhas, que, como todo mundo sabe, considero um trabalho de generosidade
científica. Com essa diversidade, Johnni
conversa com seus pares, com seus alunos e com a sociedade, fomentando
interesse e pesquisa.
Johnni Langer é praticante de Artes Marciais,
gosta de rock, quadrinhos e já iniciou seus filhos, Isolda e Thor, nessas
paixões. É casado com a pesquisadora Luciana Campos, sua parceira também na
vida acadêmica.
Destaque:
LITERISTÓRIAS – O interesse pela
Escandinávia medieval tem crescido no Brasil. Faça um balanço dos desafios que
cercaram a criação do NEVE (Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos) e dos
desafios que o núcleo já consolidado enfrenta hoje.
Johnni – Certamente, a grande dificuldade dos estudos
nórdicos brasileiros durante o início dos anos 2000 foi a falta de unidade
entre os pesquisadores, espalhados por várias regiões, sem maiores contatos ou
intercâmbio. Também existia pouco interesse em grande parte das universidades
pela pesquisa na área, sendo muito difícil a realização de monografias e
dissertações, em razão da escassez de medievalistas que tivessem afinidade com
a temática. A bibliografia em língua portuguesa era incipiente. O panorama
atual é muito mais promissor, com diversos pesquisadores realizando desde
estudos monográficos até estágios de pós-doutorado. A quantidade de publicações
triplicou. Mas ainda existe muito a ser feito. O principal desafio do NEVE
atualmente é promover a inserção dos membros nas problemáticas investigativas
mundiais (centros de estudos nórdicos existem do Canadá ao Japão), trazendo
para o medievalismo brasileiro novos parâmetros temáticos e metodológicos. E, é
claro, procurar inserir ainda mais seus membros nas mais diversas instituições,
eventos, grupos e debates. Outro grande desafio é que, na Escandinavística
brasileira atual, os campos da História e das Ciências das Religiões estão
muito mais desenvolvidos do que outros, como os estudos de Literatura Nórdica
Medieval - ainda estão praticamente inexistentes em programa de pós-graduação
de Letras no Brasil, por exemplo, bem ao contrário do panorama internacional.
LITERISTÓRIAS – Johnni, você
desenvolveu uma dissertação e uma tese sobre Brasil império. Quando o estudo da
Escandinávia medieval passou a ser a escolha profissional e científica que
identificam você no cenário acadêmico brasileiro?
Johnni – Quando iniciei meu doutorado em 1997 na
UFPR, enfocando mitos arqueológicos no Império, me deparei com diversas fontes
até então inéditas, a respeito de teorias sobre a presença nórdica no Brasil
pré-cabralino. Com o tempo, elas se constituíram no âmago dessa pesquisa: os
arqueólogos e historiadores cariocas do período, devido ao contato com
escandinavistas dinamarqueses (como Carl Rafn, P. Claussen e Peter Lund), utilizaram
essas hipóteses (hoje consideradas fantasiosas) para respaldar uma ideia de
nação brasileira. O Brasil teria sido “fundado” simbolicamente ainda na Idade
Média, no momento em que navegadores escandinavos supostamente aportaram em
nosso litoral. Com o final da tese, em 2000, aprofundei a pesquisa sobre a
construção da imagem oitocentista dos vikings, especialmente influenciado pela
historiografia francesa sobre o imaginário (Régis Boyer, Jacques Le Goff,
Claude Lecouteux). Através do rico acervo da biblioteca da Escola de Música e
Belas Artes do Paraná (EMBAP), consegui ter acesso a uma vasta iconografia
europeia sobre o tema e,após algum
tempo, a pesquisa foi transformada em meu artigo com maior repercussão
internacional até hoje. Foi traduzido ao inglês (The origins of the imaginary
Viking, In: Viking Heritage 4, 2002)
e francês (Rêver son passé, In: L´Europe
des Vikings, 2004), sendo citado em várias teses, artigos e livros de
línguas estrangeiras. O estudo da iconografia e imaginário acabou me levando ao
conhecimento das fontes primárias sobre a mitologia nórdica, tema da maior
parte de minha produção bibliográfica dos últimos quinze anos, especialmente
procurando compreender a relação entre texto e imagem medieval. Ainda seguindo
essa proposta, em 2006 iniciei meu estágio de Pós-doutorado em História na USP,
com bolsa da Fapesp, supervisionado pelo professor Dr. Hilário Franco Júnior.
Ao tratar do mito do dragão nórdico essencialmente por meio de fontes visuais
da Era Viking, amadureci minhas opções teórico-metodológicas. Esse percurso
inverso da maioria dos medievalistas, indo de um recorte contemporâneo ao
medieval, fez diferença também em algumas de minhas preocupações sobre os usos
do passado, como refletirei mais adiante na entrevista.
LITERISTÓRIAS – O NEVE tem
colaboradores de todas as regiões do Brasil e estrangeiros. Como é o diálogo
entre os pesquisadores brasileiros e os núcleos dedicados ao estudo da
Escandinávia medieval no exterior?
Johnni – O contato com pesquisadores estrangeiros é
uma necessidade de qualquer escandinavista com um nível mais avançado de
pesquisa e isso foi uma característica de muitos membros do NEVE desde o seu
início, seja para trocas de informações bibliográficas, esclarecimento e
auxílios para obtenção de fontes primárias, seja para material inacessível por
aqui. Alguns desses contatos acabaram rendendo parcerias mais fixas, como os
diversos colaboradores internacionais registrados pelo CNPQ (como Neil Price,
Terry Gunnell, Teodoro Antón). Certos membros do NEVE também fazem parte de
grupos estrangeiros, como o Valland (Groupe francophone d'études norroises) e
outros. Devido a suas pesquisas europeias, mantiveram (ou mantêm) intercâmbio
direto com instituições das mais diversas (como o Instituto Norueguês em Roma,
o Arquivo Real da Noruega, Universidades de Lund, Letônia, Toronto, Islândia,
Uppsala, entre outras). Também existem membros do NEVE atuando em Portugal,
compensando certo descompasso acadêmico deste país em relação aos estudos
nórdicos da Espanha e Brasil.
LITERISTÓRIAS – Uma das linhas de
pesquisa do NEVE reflete sobre os usos do passado medieval. Fale um pouco sobre
a importância dessa reflexão para a educação histórica.
Johnni – A Escandinávia Medieval, especialmente a Era
Viking, vem sendo ressignificada de diversos modos pelo Ocidente, desde óperas
do Oitocentos até séries televisivas da atualidade. Não há como estudar a
cultura dos nórdicos sem entender suas facetas imaginárias criadas nos tempos
modernos, desde as reapropriações de seus mitos e suas características
religiosas até as suas empreitadas históricas, entre outras características. E
isso é altamente aplicável no ensino - utilizar, por exemplo, manifestações
artísticas atuais com temática escandinava aproxima muito os alunos do nível
Fundamental e Médio tanto do debate quanto da reflexão histórica. Assim, alguns
membros do NEVE já produziram diversos estudos baseados em experiências
empíricas de ensino, envolvendo cinema, televisão, quadrinhos, música e
literatura. Na minha experiência pessoal, tenho observado (especialmente quando
ministro cursos em eventos) que muitos dos interessados em iniciar pesquisas
acadêmicas se aproximaram do tema justamente devido a sua interface com algum
tipo de entretenimento, mantido ainda em sua formação inicial. Ainda assim, o
campo do ensino de História tem muitos desafios. Em 2002,
publiquei um estudo sobre o tema dos inúmeros estereótipos e equívocos sobre os
vikings em livros didáticos (História e
Ensino 8), ao mesmo tempo em que observo que a quantidade de bons livros
paradidáticos traduzidos sobre a Era Viking tem aumentado no Brasil mais
recentemente. Um descompasso. Então, temos de um lado os profissionais de
ensino básico e seus desafios; de outro, os pesquisadores que tendem a entrar
no ensino superior e lançar as bases de conteúdos reflexivos - e de maior
qualidade - sobre os nórdicos medievais,
tanto nos livros didáticos quanto em manuais e literatura voltados para a
educação.
Johnni em congresso (2014).
Muito proveitosa esta entrevista. O estudo do mito importa na compreensão do contexto sociocultural no qual estamos inseridos, uma vez que, segundo Durand, o mito é o elemento fundante de uma cultura. Parabéns!
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