segunda-feira, 14 de março de 2016

Vikings no Brasil - Johnni Langer e o estudo da Escandinária Medieval

Johnni Langer é Professor do curso de Graduação em Ciências das Religiões e do Programa de Pós Graduação em Ciências das Religiões da UFPB. Seu nome está ligado no Brasil à pesquisa sobre a Escandinávia Medieval e sobre os Vikings, ainda que tenha trabalhado no Mestrado e no Doutorado com História do Brasil (na UFPR). Na entrevista, ele tem a chance de falar a respeito disso. Acho que ele nem imagina, mas quando fui professora de História do Brasil e Memória, gostava de indicar um texto seu, muitíssimo interessante, chamado “A cidade perdida da Bahia, ciência, território e mito no Brasil setecentista” (2007). Aliás, no subtítulo desse artigo, vemos interesses que permanecem na vida do pesquisador, a despeito de uma inflexão na carreira. Johnni coordena um grupo de pesquisa bastante ativo, com relações que ultrapassam o nosso país, o NEVE (Núcleo de estudos Vikings e Escandinavos), mas também é pesquisador de outro grupo pujante, o VIVARIUM, núcleo Nordeste.

Johnni Langer tem uma produção científica invejável, com quase cem artigos publicados em periódicos, livros (destaco seu Dicionário de Mitologia Nórdica: símbolos, mitos e ritos, publicado pela editora Hedra, ano passado), mas queria render uma homenagem especial à sua preocupação com a divulgação científica, na forma de artigos publicados em jornais, minicursos, entrevistas concedidas e resenhas, que, como todo mundo sabe, considero um trabalho de generosidade científica.  Com essa diversidade, Johnni conversa com seus pares, com seus alunos e com a sociedade, fomentando interesse e pesquisa.

Johnni Langer é praticante de Artes Marciais, gosta de rock, quadrinhos e já iniciou seus filhos, Isolda e Thor, nessas paixões. É casado com a pesquisadora Luciana Campos, sua parceira também na vida acadêmica.


Destaque:


LITERISTÓRIAS – O interesse pela Escandinávia medieval tem crescido no Brasil. Faça um balanço dos desafios que cercaram a criação do NEVE (Núcleo de Estudos Vikings e Escandinavos) e dos desafios que o núcleo já consolidado enfrenta hoje.

Johnni – Certamente, a grande dificuldade dos estudos nórdicos brasileiros durante o início dos anos 2000 foi a falta de unidade entre os pesquisadores, espalhados por várias regiões, sem maiores contatos ou intercâmbio. Também existia pouco interesse em grande parte das universidades pela pesquisa na área, sendo muito difícil a realização de monografias e dissertações, em razão da escassez de medievalistas que tivessem afinidade com a temática. A bibliografia em língua portuguesa era incipiente. O panorama atual é muito mais promissor, com diversos pesquisadores realizando desde estudos monográficos até estágios de pós-doutorado. A quantidade de publicações triplicou. Mas ainda existe muito a ser feito. O principal desafio do NEVE atualmente é promover a inserção dos membros nas problemáticas investigativas mundiais (centros de estudos nórdicos existem do Canadá ao Japão), trazendo para o medievalismo brasileiro novos parâmetros temáticos e metodológicos. E, é claro, procurar inserir ainda mais seus membros nas mais diversas instituições, eventos, grupos e debates. Outro grande desafio é que, na Escandinavística brasileira atual, os campos da História e das Ciências das Religiões estão muito mais desenvolvidos do que outros, como os estudos de Literatura Nórdica Medieval - ainda estão praticamente inexistentes em programa de pós-graduação de Letras no Brasil, por exemplo, bem ao contrário do panorama internacional.

 

LITERISTÓRIAS – Johnni, você desenvolveu uma dissertação e uma tese sobre Brasil império. Quando o estudo da Escandinávia medieval passou a ser a escolha profissional e científica que identificam você no cenário acadêmico brasileiro?

Johnni – Quando iniciei meu doutorado em 1997 na UFPR, enfocando mitos arqueológicos no Império, me deparei com diversas fontes até então inéditas, a respeito de teorias sobre a presença nórdica no Brasil pré-cabralino. Com o tempo, elas se constituíram no âmago dessa pesquisa: os arqueólogos e historiadores cariocas do período, devido ao contato com escandinavistas dinamarqueses (como Carl Rafn, P. Claussen e Peter Lund), utilizaram essas hipóteses (hoje consideradas fantasiosas) para respaldar uma ideia de nação brasileira. O Brasil teria sido “fundado” simbolicamente ainda na Idade Média, no momento em que navegadores escandinavos supostamente aportaram em nosso litoral. Com o final da tese, em 2000, aprofundei a pesquisa sobre a construção da imagem oitocentista dos vikings, especialmente influenciado pela historiografia francesa sobre o imaginário (Régis Boyer, Jacques Le Goff, Claude Lecouteux). Através do rico acervo da biblioteca da Escola de Música e Belas Artes do Paraná (EMBAP), consegui ter acesso a uma vasta iconografia europeia sobre o tema e,após algum tempo, a pesquisa foi transformada em meu artigo com maior repercussão internacional até hoje. Foi traduzido ao inglês (The origins of the imaginary Viking, In: Viking Heritage 4, 2002) e francês (Rêver son passé, In: L´Europe des Vikings, 2004), sendo citado em várias teses, artigos e livros de línguas estrangeiras. O estudo da iconografia e imaginário acabou me levando ao conhecimento das fontes primárias sobre a mitologia nórdica, tema da maior parte de minha produção bibliográfica dos últimos quinze anos, especialmente procurando compreender a relação entre texto e imagem medieval. Ainda seguindo essa proposta, em 2006 iniciei meu estágio de Pós-doutorado em História na USP, com bolsa da Fapesp, supervisionado pelo professor Dr. Hilário Franco Júnior. Ao tratar do mito do dragão nórdico essencialmente por meio de fontes visuais da Era Viking, amadureci minhas opções teórico-metodológicas. Esse percurso inverso da maioria dos medievalistas, indo de um recorte contemporâneo ao medieval, fez diferença também em algumas de minhas preocupações sobre os usos do passado, como refletirei mais adiante na entrevista.

 

LITERISTÓRIAS – O NEVE tem colaboradores de todas as regiões do Brasil e estrangeiros. Como é o diálogo entre os pesquisadores brasileiros e os núcleos dedicados ao estudo da Escandinávia medieval no exterior?

Johnni – O contato com pesquisadores estrangeiros é uma necessidade de qualquer escandinavista com um nível mais avançado de pesquisa e isso foi uma característica de muitos membros do NEVE desde o seu início, seja para trocas de informações bibliográficas, esclarecimento e auxílios para obtenção de fontes primárias, seja para material inacessível por aqui. Alguns desses contatos acabaram rendendo parcerias mais fixas, como os diversos colaboradores internacionais registrados pelo CNPQ (como Neil Price, Terry Gunnell, Teodoro Antón). Certos membros do NEVE também fazem parte de grupos estrangeiros, como o Valland (Groupe francophone d'études norroises) e outros. Devido a suas pesquisas europeias, mantiveram (ou mantêm) intercâmbio direto com instituições das mais diversas (como o Instituto Norueguês em Roma, o Arquivo Real da Noruega, Universidades de Lund, Letônia, Toronto, Islândia, Uppsala, entre outras). Também existem membros do NEVE atuando em Portugal, compensando certo descompasso acadêmico deste país em relação aos estudos nórdicos da Espanha e Brasil.

 

LITERISTÓRIAS – Uma das linhas de pesquisa do NEVE reflete sobre os usos do passado medieval. Fale um pouco sobre a importância dessa reflexão para a educação histórica.

Johnni – A Escandinávia Medieval, especialmente a Era Viking, vem sendo ressignificada de diversos modos pelo Ocidente, desde óperas do Oitocentos até séries televisivas da atualidade. Não há como estudar a cultura dos nórdicos sem entender suas facetas imaginárias criadas nos tempos modernos, desde as reapropriações de seus mitos e suas características religiosas até as suas empreitadas históricas, entre outras características. E isso é altamente aplicável no ensino - utilizar, por exemplo, manifestações artísticas atuais com temática escandinava aproxima muito os alunos do nível Fundamental e Médio tanto do debate quanto da reflexão histórica. Assim, alguns membros do NEVE já produziram diversos estudos baseados em experiências empíricas de ensino, envolvendo cinema, televisão, quadrinhos, música e literatura. Na minha experiência pessoal, tenho observado (especialmente quando ministro cursos em eventos) que muitos dos interessados em iniciar pesquisas acadêmicas se aproximaram do tema justamente devido a sua interface com algum tipo de entretenimento, mantido ainda em sua formação inicial. Ainda assim, o campo do ensino de História tem muitos desafios. Em 2002, publiquei um estudo sobre o tema dos inúmeros estereótipos e equívocos sobre os vikings em livros didáticos (História e Ensino 8), ao mesmo tempo em que observo que a quantidade de bons livros paradidáticos traduzidos sobre a Era Viking tem aumentado no Brasil mais recentemente. Um descompasso. Então, temos de um lado os profissionais de ensino básico e seus desafios; de outro, os pesquisadores que tendem a entrar no ensino superior e lançar as bases de conteúdos reflexivos - e de maior qualidade -  sobre os nórdicos medievais, tanto nos livros didáticos quanto em manuais e literatura voltados para a educação.

 

 Johnni em congresso (2014).

 

 



Um comentário:

  1. Muito proveitosa esta entrevista. O estudo do mito importa na compreensão do contexto sociocultural no qual estamos inseridos, uma vez que, segundo Durand, o mito é o elemento fundante de uma cultura. Parabéns!

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