A resenha é
um texto que realiza a mediação crítica de um objeto. Esse objeto pode ser um
livro, um filme, uma peça de teatro, uma partida de futebol, um congresso, uma exposição
etc. Ela não é exaustiva, é uma síntese; ninguém deve se sentir instado a
reescrever tudo o que leu ou viu com outras palavras (vai perder para o
original, experiência única!), mas fazer uma seleção de aspectos que considerou
relevantes. A resenha é um texto em que o autor se revela na mediação e na
seleção. Por que afirmo que é o texto mais generoso do mundo? Porque pensa no
outro, no leitor, o tempo todo, ou deveria...
Eu gosto de
escrever resenhas, já escrevi muitas, mesmo que elas não tenham muito valor
para as pontuações da Pós-Graduação. Duas resenhas minhas recentes podem ser
encontradas no meu perfil do Academia.edu: uma sobre a obra Atlantique comme pont (2012) e outra sobre
a obra intitulada Les Troubadours
(2013). Outro dia, publiquei aqui no blog uma resenha da obra A Tela da Dama, ensaios de Literatura,
escrita por Teresa Cerdeira. Essa experiência me trouxe aqui: a um texto de
reflexão sobre o tema.
Por que
fazemos resenhas? Nós as escrevemos porque achamos que aquele objeto, vou me
deter nos livros doravante, pode interessar a outras pessoas. Nós não chegamos
à obra também sem algumas razões e, mesmo que a resenha nos tenha sido
encomendada por um editor para um projeto específico, há razões para o volume
ter sido encaminhado a nós. A mais forte pode ser nosso repertório. Então, o
livro nos encontra e julgamos que ele pode interessar a mais gente. As nossas
razões e as que antevemos nos outros convergem para revelar afinal se, em nossa
avaliação, aquela obra cumpre ou não o que promete.
Uma resenha
deve apresentar o livro. Se se trata de uma tradução e o tradutor é alguém que
se dedica à obra daquele autor de forma continuada, como a minha amiga Maria
Célia Martirani à obra de Cláudio Magris, vale a pena dispensar duas palavras
sobre o trabalho realizado por esse grande mediador, que é o tradutor! No
primeiro parágrafo de minha resenha de A
Tela da Dama, eu me preocupo em identificar Teresa Cerdeira como ensaísta:
falo de sua experiência e redefino o livro, como uma História da Leitura de
categorias portuguesas. Aqui, já começo a minha mediação crítica.
Refiro as
duas partes da obra e sintetizo seus capítulos. O interessado em Literatura
Portuguesa que recorre à resenha que escrevi deve ser esclarecido a respeito do
que vai encontrar na obra de Teresa. Se esse leitor pesquisa o século XVIII em
Portugal, provavelmente não vai comprar A
Tela da Dama por minha causa. Mas um estudioso da Literatura Portuguesa
produzida no século XX precisa encontrar no meu texto as razões que o levarão à
Teresa. O resenhista poupa tempo e dinheiro ao pesquisador/leitor! Porém, tão
importante quanto apresentar o “conteúdo” da obra, foi para mim abordar a
poética da autora. Com isso, esclareço ao leitor interessado que Teresa não é
uma compiladora, mas uma ensaísta exigente e muito confiável. Afinal, se ela conhece
todas as ideias gerais que podem ser pensadas sobre seus autores, ao seu
convite: vamos um pouco mais longe?,
só cabe o sim.
O gosto por
essa poética de Teresa me levou a citá-la muito na minha resenha. Talvez
demais... A explicação é que eu quis que o meu leitor experimentasse o texto,
mas devo apontar que a citação do objeto deve ser feita com parcimônia. Eu
costumo citar os textos quando gosto particularmente deles e quando resenho
obras que ainda não foram publicadas no Brasil. Eu penso na angústia de quem
acha que precisa de um livro que está distante: “essa angústia que há em sentir
a criatura a quem se ama em um lugar de festa onde a gente não está, e aonde
não pode ir vê-la” (Em busca do tempo
perdido). Ah, esse Proust me adivinha... Para os angustiados, um refresco
de esperança, uma frase que pode mudar tudo, danar o cartão de crédito ou
salvar as nossas finanças, com um alívio: não
era bem aquilo...
Critico o
tamanho de minhas resenhas sempre que as termino. Volto e não corto nada... Vou
explicar a verborragia com uma razão simples e uma constatação: em primeiro
lugar, eu gosto de escrever, isso me leva a permanecer com as palavras e me
gastar com elas, não agastar..., e demorar em amorosa visitação. A constatação
é que as últimas resenhas que escrevi referem-se a livros que não foram
publicados no Brasil. Isso me levou ao esforço de prover ao máximo o meu leitor
com informações. A minha enorme resenha de Les
Troubadours ainda tem outra razão: eu amei o livro! Esse negócio de amar
leva um tempo delicado só para imaginar as declarações.
O leitor da
minha resenha de A Tela da Dama descobre
rápido que eu conheço a obra de Teresa. Como publiquei a resenha em meu blog,
poderia até ter escrito que ela foi minha professora quando eu tinha 17 anos e
que foi minha primeira orientadora. No blog, isso é possível! Mas se eu
quisesse propor a minha resenha a uma revista qualificada, essas referências
pessoais teriam de ficar de fora, pois comprometeriam a avaliação cega, ao
identificar-me. Agora, veja bem, conhecer a obra do autor não é identificar-se,
é mobilizar o próprio repertório e isso é eficaz em uma resenha. É eficaz e
elegante também trazer outras referências ao texto, desde que não seja para se
pavonear, afinal outros textos propõem possibilidades de relações inéditas do
próprio objeto. Detalhe pseudozoológico: pavões não resenham bem, pois querem
que o leitor só enxerguem as suas próprias penas.
Eu sou
editora de uma revista e, muitas vezes, leio “resenhas” que na verdade são bons
resumos a que o autor juntou um parágrafo final de avaliação crítica. Para mim,
a diferença entre esses dois gêneros textuais primos é que a resenha é mais
seletiva e crítica que o resumo, que só quer saber de descrever/sintetizar o
conteúdo dos objetos. A resenha precisa ter mediação crítica do início ao fim e
isso é muito mais abrangente que expressar gostei
ou não gostei. Até porque, no pacto
de generosidade para com o leitor que o autor da resenha deve firmar, precisa
estar escrito que aquilo que não me serve pode servir a alguém. Mas é claro que
o gostei ou não gostei também tem seu valor...
A resenha
pode enaltecer ou derrubar uma obra, que por sua vez pode ser apreciada de
formas tão diferentes quanto o número de seus leitores. A resenha é um texto
fundamentado, mas pessoal, no sentido de que os juízos que ela tece partem de
formações, repertórios e trajetórias diversas. Essa subjetividade bem informada
impõe ao texto (e a seu autor!) uma grande responsabilidade e exige, para a sua
realização, uma leitura acurada do
objeto, onde análise – decomposição do objeto em partes – e síntese – recomposição da essência – são conjugadas.
Eu falei
acima que a resenha vale pouco para as pontuações dos Programas de Pós... Está
claro que não concordo com isso e continuo a fazê-las porque elas são
importantes. Estimulo as pessoas a escrevê-las. Eu sou uma leitora de resenhas,
elas poupam meu tempo na seleção do que me interessa: ajudam-me a comprar, a devassar
bibliotecas e a indicar livros. Tenho um grande respeito por quem se sentou lá
na sua solidão para escrever sobre um livro que pode mudar tudo o que eu achava
que sabia, ou simplesmente confirmar que estou no caminho.
Se eu já li
resenhas que me enganaram? Já quis mandar a conta do cartão de crédito! Mas
desanimei. Afinal toda conversa guarda a possibilidade daquele equívoco do
telefone sem fio da nossa infância.
Agradecendo a generosidade! Lindo presente!
ResponderExcluirMuito obrigada pela leitura, querida Olga!
ExcluirQue leitura gostosa! 😍
ResponderExcluirObrigada, minha querida e constante interlocutora! Vi seu artigo publicado na Revista Raimundo! Parabéns!
ResponderExcluirMarcella, minha querida amiga. Muito obrigada pela generosidade em ter citado a minha tradução de Claudio Magris! Parabéns por essa maravilha: o seu blog! Parabéns pelo conto - que eu adorei- e por nos brindar com as suas novas "aventuras literárias"! Ti voglio BENE! Mille baci! Maria Célia
ResponderExcluirMaria Célia linda, eu é que "ti voglio bene"!!!!! rsrsrs
ResponderExcluirFiz uma leitura atrasada (leia-se não no dia em que foi publicado), porém programada deste post. O título me avisou: reserve-lhe um tempo para o ler com calma. Obedeci e me surpreendi. Gostei muito Marcella! Me surpreendi pois estou acostumada com a linguagem dos livros técnicos sobre o tema. E, confesso, não gosto muito deles, já que fazem da resenha um gênero programado, muito regrado, cansativo. Você, ao contrário, conseguiu mostrar a relevância, a seriedade e, ao mesmo tempo, o prazer da resenha, com uma linguagem - erudita revestida de espontaneidade - que além de conquistar seus leitores, motiva novos autores.
ResponderExcluirMuito bom!!!
P.S.: Ainda estou rindo do "Detalhe pseudozoológico"!
rsrsrsrsrs
ResponderExcluirObrigada, amiga Denise!