A
leitura d’A Fisiologia do gosto de
Brillat-Savarin tem me levado a prazerosas associações. Ao conversar com minhas
alunas sobre os seis sentidos – sim, porque há genésico, do amor físico que impele os sexos “um para outro”,
pensei no poema de Almeida Garrett, “Os cinco sentidos”. Nesse poema
maravilhoso para dar (ou para se declarar) a quem se ama, o poeta aborda cada
sentido, em particular e em separado:
São
belas – bem o sei, essas estrelas
Mil
cores – divinais têm essas flores;
Mas
eu não tenho amor, olhos para elas;
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti – a ti!
Divina
– ai! Sim, será a voz eu afina
Saudosa
– na ramagem densa, umbrosa.
Será;
mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti! – a ti!
Mas
as interjeições e as repetições de fim de estrofe – um velho eco das cantigas medievais
de refrão? – ameaçam o esquematismo e apontam para a confusão dos sentidos, onde
julgo encontrar a “pequena morte” de Bataille:
A ti! Ai, a ti só
os meus sentidos
Todos n’um
confundidos,
Sentem, ouvem,
respiram;
Em ti, por ti
deliram.
Em ti a minha
sorte,
A minha vida em ti:
E quando venha a
morte,
Será morrer por ti.
Se
Garrett tivesse lido Savarin teria se confundido?
“Seus”
sentidos me levam a um poema que costumo recitar. Trata-se de “De tarde” de
Cesário Verde. Tudo parte de um pic-nic, em que “houve uma coisa simplesmente
bela”: uma mulher se livra da sua montaria para colher flores. Gesto sem aquarela,
se não fosse o seu desdém pela etiqueta da cidade... Ora, seu desprezo às “imposturas
tolas” a faz descuidar-se do decote:
Mas todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!
Há
nesse poema a beleza do decote, daquilo que ele mal esconde..., mas o que me
embriaga é mesmo a confusão entre o paladar e a audição: degustar e ouvir um
dos versos mais bonitos da Língua Portuguesa – “A um granzoal azul de grão de
bico”! A culpa é desse som fricativo, portanto demorado, que se produz com a ponta
da língua. Tão bonito quanto ele é “O mar protesta contra não sei quê” de
Miguel Torga, em que os fonemas oclusivos me põem diante da violência das ondas
contra qualquer coisa que se lhes oponha.
Viro
as páginas de Savarin, é tarde já. Seus convites me levaram à degustação de
versos que ele não leu por impossibilidade histórica. Na meditação 17, encontro
o repouso: “[ele] conduz ao sono, e o sono produz os sonhos”, ao “granzoal azul”...
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