Esta semana resolvi matar uma
curiosidade: contei quantas bancas eu tinha integrado – entre mestrado,
doutorado e qualificações de ambos. Excluí as bancas de TCCs, EVINCIs e
concurso. Foram 66 (73, contabilizando-se as bancas de meus orientandos,
excluídas as qualificações deles), entre bancas das áreas de História (maioria)
e Letras. Até o fim desta semana, aumento a conta. O resultado do meu cálculo
me fez pensar nas coisas que venho dizendo ao longo dos últimos 10 anos (minha
estreia foi em 2005). São inumeráveis as particularidades, daí a graça, mas o
que se repete tem sido TÃO repetido, que resolvi rabiscar algumas notas. Em
primeiro lugar, se estive em sua banca, não pense que esse texto é para você, não
pense que reuni aqui todos os seus defeitos. Se ainda vou estar, acalme-se, dá
tempo de ajeitar! Se é meu orientando ou orientanda, não despreze o texto, pelo
tanto que já buzinei essas recomendações no seu ouvido, afinal, eu continuo
corrigindo algumas coisas que vivo falando, também para você...
Faça SUMÁRIOS! Desenhe a pesquisa
em sua mente, mas não considere que seu primeiro sumário é tão precioso assim que
não pode ser mudado. Ele deve ser alterado! Quando a gente pesquisa, parte de
hipóteses e elas podem ser confirmadas na nossa labuta ou não. Portanto, o
caminho também muda:
Que tristes os caminhos, se não
fora
A presença distante das estrelas!
A presença distante das estrelas!
(Mário Quintana)
Eu conheço muita gente que escreve
a INTRODUÇÃO no final do trabalho. Essas pessoas alegam que precisam saber onde
vão chegar para preparar o leitor corretamente. Eu não sou assim. Eu escrevo
primeiro a introdução e esse exercício organiza a minha escrita. É claro que
volto a esse texto depois do trabalho pronto, para fazer os ajustes. Na
verdade, eu volto muitas vezes para não me perder. O que precisa ter em uma
introdução? Veja acima que a maioria de minhas bancas e orientações foram e são
na área de História, então se você é de outra área, escreva-me, faça
comentários que eu respondo. Levando em conta a minha experiência, sua
introdução tem de esclarecer qual é o problema que a dissertação ou a tese quer
resolver! Sua questão (ou questões) deve ser clara, afinal é resultado de
reflexão, de experiência no tempo! Outra coisa: CUMPRA AS PROMESSAS QUE FEZ NA
INTRODUÇÃO! Se perdeu as promessas pelo caminho, é porque esqueceu seu
compromisso...
Apresente suas fontes ao leitor,
mesmo que vá construir um belíssimo capítulo com a discussão dos documentos
(aliás, isso é muito bom!). Fale sumariamente sobre as edições usadas; suas
escolhas teóricas e historiográficas; apresente sua metodologia e descreva as
partes que constituem a dissertação ou a tese.
Eu gosto muito quando a introdução
inclui o autor, sua trajetória, as hesitações da pesquisa..., mas não fique se
lamuriando! Tudo bem que o desafio é parte constitutiva da pesquisa, mas
lembre-se de que ninguém te obrigou a escolher o objeto, ninguém te mandou
aprender sânscrito, grego clássico, árabe... foi você quem quis! Se você quer
trazer a dificuldade, revele também como fez para vencê-la!
Existem pessoas que não gostam de
picotar os textos em subitens. Ok para elas, mas atenção: não se perca por aí.
Uma dissertação e uma tese são textos que possuem uma linguagem própria e
estrutura ampla o suficiente para caber a novidade, mas não escancarada a ponto
de se descaracterizar. Não ache que o texto é incapaz de abrigar a sua
genialidade..., cabe sim e cabe a nossa humildade frente ao conhecimento.
A estrutura de uma dissertação ou
tese precisa dar conta de desenvolver a resposta ao problema. Existe o velho
esquema (de que gosto cada vez menos, mas tudo bem): contexto, apresentação das
fontes, dos seus autores e resposta à questão. Mas você pode fazer diferente,
dependendo do problema, dos documentos, dos métodos! Um detalhe sobre a escrita
do contexto: antes de rechaçar esse exercício, lembre-se de que, se ele parece
monótono, é porque o autor, ou seja, você..., está refletindo pouco sobre a
apresentação da pesquisa história e ela é tão importante quanto a sua conclusão
bombástica. Desafie-se!
Não guarde todas as novidades para
a conclusão. Não mortifique o leitor prometendo revelar o segredo no último
capítulo. Por acaso você é Agatha Christie? Se
gosta do gênero, guarde o procedimento para um romance. Sabe por que implico um
pouco com aquele velho esquema, acima mencionado? Porque ele guarda a resposta
para 1/3 da dissertação ou tese! Acho injusto. Tudo em seu trabalho é
importante! Traga os documentos para a primeira página, faço-os falar, dê-lhes
vida, leve o leitor pela mão desde sempre. Aliás, realce no texto quando tiver
chegado a um aspecto fundamental. Valorize-se!
NÃO FAÇA PARÁFRASES! Se tiver de
citar alguém, abra aspas e traga a voz do outro para figurar em seu texto,
identificando-o com uma nota. Não tema citações longas. Se elas são
necessárias, ok, mas você deve explicar por que a longa citação é fundamental
ali. Deve mediar a colaboração da voz do outro em seu texto. Eu só vejo uma
razão para aquela nota solta, sem aspas, ao final de uma frase ou parágrafo:
você se lembrou de alguém que também pensou a respeito do tema e quer mostrar
que leu essa contribuição. Ótimo! Erudito! NUNCA pegue o que o outro disse e
salpique com palavras suas...
Cuide da revisão! Não ache que,
porque tem 30 dias para entregar a versão final depois da defesa, está
autorizado a distribuir para a banca um texto desleixado. Isso é desrespeitoso.
Todo mundo entende uma gralha aqui e ali, mas não dá para largar orações
subordinadas sem oração principal a cada 3 páginas, desprezar a concordância, a
regência... Não incluí a crase, muito embora...
Não se considere incompreendido em
sua genialidade porque seu orientador mandou (sim, esse verbo existe) você
cortar 40 páginas do texto. Eu cortei 30 e vivi 3 anos com artigos extraídos
desse corte. Fiz muita coisa legal com páginas que NÃO cabiam na tese, ou seja,
que não tinham nada a ver com o problema a que me propus.
Mencionei o orientador e queria
encerrar com ele. Detalhe: você o escolheu. Mais uma vez: VOCÊ O ESCOLHEU.
Quando estiver no auge da crise, pergunte-se: POR QUÊ? Porque CONFIOU nele.
Essa confiança inclui diálogo franco (nem preciso dizer que de ambos os lados,
afinal, trata-se de diálogo). Não suma!!! Converse com seu orientador. Fale
sobre suas dificuldades e, juntos, vocês encontrarão maneiras de resolver os
problemas. Fale sobre suas descobertas, sobre seu desejo de ousadia. Juntos,
vocês encontrarão o meio termo necessário entre as exigências da dissertação ou
tese, sua ousadia, as respostas provisórias (são sempre assim) e a novidade!
PS.: Reparou que me referi sempre ao leitor e só uma vez à banca? Tenha a ambição de ser lido e bem lido por mais pessoas! Não imite o hermetismo dos outros. Minha experiência me ensinou que ele é a máscara dos medíocres.
Muito bom!!!
ResponderExcluirSugestão: o PS sobre o leitor pode se desdobrar em outro texto!
Obrigada, querida! Vou pensar... rsrsrsrs
ResponderExcluirSuper bacana! Dicas valiosas... Repasse para os estudantes, eles merecem ter essa oportunidade de uma orientação para planejar sua pesquisa e principalmente sua escrita na pesquisa.
ResponderExcluirMuito obrigada!
ExcluirMaravilhoso Marcella, vou ser sempre seu aluno, deixa vai, acho que gosto mais de ser aluno do que professor, kkkkk. Brincadeirinha meus pupilos e pupilas, amo vocês.
ResponderExcluirMas não vou passar por aqui sem deixar minha provocação.
Será que aquele "Pacto", o sugerido por Eco em seus passeios pelo bosque da ficção não se relacionaria com uma tese de dissertação.
Abraços minha querida.
Querido, muito obrigada por seu carinho e leitura! Sobre o Eco, está tudo relacionado...
ExcluirEssa professora maravilhosa é minha orientadora!! Já tenho um roteiro de escrita para deixar sempre ao lado do material de pesquisa...
ResponderExcluirQuerido, obrigada! O texto é mesmo para ser útil a todos.
ExcluirMarcella, muitas das coisas que você escreveu são ignoradas por muitas pessoas que estão escrevendo monografia/dissertação/tese.(pessoal do RJ chama TCC de monografia - mono, carinhosamente). O que eu sei de gente que termina o curso de História sem saber montar quadro teórico-metodológico não cabe no gibi. Justo a parte que mais dá o tchan do texto acadêmico, é a mais toscamente construída.
ResponderExcluirAlgumas coisas descritas por você eu fiz direito, outras não; principalmente a parte do orientador - e olha que o meu é um amor de pessoa. Aliás, orientador é como o produtor de um álbum; é você quem toca a música, mas é ele que recomendará aumentar a guitarra na faixa 10.
Parabéns pelo texto!
Obrigada pela leitura e, se achar que o texto é útil a outras pessoas, por favor, divulgue-o. Minha intenção foi colaborar, porque concordo com vc, alguns problemas (sérios) arrastam-se na vida acadêmica... Um grande abraço!
ExcluirMarcella, estou prestes a me qualificar no doutorado e esse texto me ajudou MUITO. Obrigado pelas dicas essenciais que só uma professora experiente e gabaritada poderia dar.
ResponderExcluirMuito obrigada pela sua leitura!
ResponderExcluirAi como eu gostei disso... Vou indicar para os meus. Parabéns.
ResponderExcluirObrigada, querido!
ExcluirBoas dicas, Marcella. Mesmo não sendo mais minha orientadora, você continua me orientando. João Vicente.
ResponderExcluirQuerido, obrigada! Tenho muito orgulho de ter sido sua orientadora e de ter vc em minhas bibliografias!
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