Uma das melhores coisas das redes
sociais é a navegação pelo gosto literário dos outros. Eu tenho muito a
agradecer a leitores sensíveis com quem convivo, sobretudo, no ambiente
virtual. A Doença do Islã foi uma
sugestão da elegante timeline de
Carlile Lanzieri Júnior. Trata-se de um livro necessário. Publicado em 2003 e
logo traduzido para o português, faz um grande esforço (e exitoso) para separar
tudo o que a “hiper” realidade imagética/imaginária tem deixado confundido na
nossa vida a respeito o Islã. Abdelwahab Meddeb desembaralha a meada. O texto
nos provoca a pensar sobre o desastre que “semiletrados” disseminam com a sua
precariedade interpretativa e especulativa (e eu avançaria para além do Islã); sobre
a espetacularização do terrorismo, como consequência da americanização do mundo
(ironia pensar na absorção da técnica do inimigo declarado); no afastamento
vivido pelo Islã, desde o século XVII, da ciência (mas não da técnica); no
orientalismo; no movimento feminista egípcio; na questão do véu... Mas queria
destacar coisas de maior impacto para mim, de forma absolutamente pessoal: a
genealogia do wahhabismo, o integrismo, seus vínculos políticos e o
ressentimento (esse grande e triste tema). Abdelwahab Meddeb reconhece a luz do
pensamento medieval e mostra o quanto os resgates dos péssimos leitores da
época moderna e contemporânea favoreceram o injustificável – o terrorismo. Vai
de Hanbal, no século IX, a Taymiyya, no XIV, a Al-Wahhâb, já no século XVIII,
inferior a todos os precedentes...
Mas eu, que sou uma historiadora
dos textos, que os pesquiso e me deleito com eles, confesso que adorei a
elegância particular do autor no modo como busca a letra e desmascara
etimologias. Gostei do seu aproveitamento do dionisíaco e do apolíneo para a
poesia e para a política (pág. 54) e achei tão bonita essa questão que vou
compartilhar: “Por trás de quais bastidores do recalque o Islã se abrigou para
esquecer que, para seus doutores medievais, o amor se fazia em nome de Deus não
somente para procriar, mas também para gozar?” (pág. 98)
Em várias margens da minha edição,
anotei isis... O livro faz pensar no
seu futuro, nosso presente e deve ser lido já, afinal "o tempo é um revelador que faz justiça àqueles que guardaram sua
lucidez na exceção e na solidão" (pág. 133.
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