sexta-feira, 24 de julho de 2015

Sobre o livro A Doença do Islã de Abdelwahab Meddeb - palpite

Uma das melhores coisas das redes sociais é a navegação pelo gosto literário dos outros. Eu tenho muito a agradecer a leitores sensíveis com quem convivo, sobretudo, no ambiente virtual. A Doença do Islã foi uma sugestão da elegante timeline de Carlile Lanzieri Júnior. Trata-se de um livro necessário. Publicado em 2003 e logo traduzido para o português, faz um grande esforço (e exitoso) para separar tudo o que a “hiper” realidade imagética/imaginária tem deixado confundido na nossa vida a respeito o Islã. Abdelwahab Meddeb desembaralha a meada. O texto nos provoca a pensar sobre o desastre que “semiletrados” disseminam com a sua precariedade interpretativa e especulativa (e eu avançaria para além do Islã); sobre a espetacularização do terrorismo, como consequência da americanização do mundo (ironia pensar na absorção da técnica do inimigo declarado); no afastamento vivido pelo Islã, desde o século XVII, da ciência (mas não da técnica); no orientalismo; no movimento feminista egípcio; na questão do véu... Mas queria destacar coisas de maior impacto para mim, de forma absolutamente pessoal: a genealogia do wahhabismo, o integrismo, seus vínculos políticos e o ressentimento (esse grande e triste tema). Abdelwahab Meddeb reconhece a luz do pensamento medieval e mostra o quanto os resgates dos péssimos leitores da época moderna e contemporânea favoreceram o injustificável – o terrorismo. Vai de Hanbal, no século IX, a Taymiyya, no XIV, a Al-Wahhâb, já no século XVIII, inferior a todos os precedentes...
Mas eu, que sou uma historiadora dos textos, que os pesquiso e me deleito com eles, confesso que adorei a elegância particular do autor no modo como busca a letra e desmascara etimologias. Gostei do seu aproveitamento do dionisíaco e do apolíneo para a poesia e para a política (pág. 54) e achei tão bonita essa questão que vou compartilhar: “Por trás de quais bastidores do recalque o Islã se abrigou para esquecer que, para seus doutores medievais, o amor se fazia em nome de Deus não somente para procriar, mas também para gozar?” (pág. 98)
Em várias margens da minha edição, anotei isis... O livro faz pensar no seu futuro, nosso presente e deve ser lido já, afinal "o tempo é um revelador que faz justiça àqueles que guardaram sua lucidez na exceção e na solidão" (pág. 133.

MEDDEB, Abdelwahab. A Doença do Islã. Tradução de Cleonice Paes Barreto Mourão. Editora UFMG, 2003.

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