No final de 2019, eu escrevi um
texto sobre filmes românticos de Natal[1]. Lá, conceituei a
apreciadora e o apreciador do gênero; fiz uma lista do “corpus pesquisado”; falei sobre as personagens femininas, sobre as
crianças e sobre o crush; falei
também sobre cenário e sobre o figurino; abordei os enredos pudicos, os beijos
só ao final, as famílias de mamãe e papai, poucos divorciados, maioria de
viúvos (para os casos de recasamento) e fiz algumas observações sobre as
expectativas que temos ao ver esses filmes (assumindo que quem vê é mesmo fã do
gênero), sobre o direito da protagonista ao amor, depois de ter dado a volta ao
mundo (e às vezes o amor estava bem pertinho desde sempre). Retomo os elementos
que me chamaram a atenção naquele “distante” dezembro de 2019. Ao final do
outro texto, lancei um desafio até aos descolados: para verem escondidos os
filmes românticos de Natal. Possivelmente outras pessoas já haviam escrito
sobre o tema, mas eu não tinha lido nada a respeito. O texto de 2019 continua a
ser bastante visitado aqui no blog. Depois dele, eu passei os olhos por várias
linhas por aí.
O fato é que eu também dei a minha
volta ao mundo e, neste dezembro de 2022, encarei um retorno ao gênero. O canal
que me ofereceu as fontes de 2019 oferece este ano oito semanas de filmes
românticos de Natal!!! Vamos até o Dia de Reis. Primeiro dado relevante: o
período de exibição dos filmes cresceu. Descobri outro canal que exibe um
festival e percebi que plataformas pagas de filmes investiram pesado na
exibição do gênero, o que corrobora para minha certeza de que os apreciadores e
as apreciadoras são muito numerosos/as, quer sejam românticos declarados, quer
sejam enrustidos.
Eu empreguei aspas para falar do
distante 2019..., porque muito embora só tenham se passado três anos, foram
três anos cheios de eventos: o mais importante, a epidemia de covid-19, que
matou e mata no planeta. Mas suportávamos o governo de Donald Trump,
assistíamos às movimentações da extrema direita pelo mundo, o governo bolsonaro
e uma guerra foi deflagrada; ela prossegue, enquanto outras continuaram seu
projeto de morte longe da mera curiosidade dos veículos de (des)informação,
compradores apenas das manchetes das grandes agências... Nos filmes que
pesquisei em 2019, notei a presença dos militares. Eles são apegados às suas
famílias e, ao final, “quebram” a resistência das heroínas (que não querem
enviuvar, é claro).
Será que os filmes contariam uma
história diferente, depois de três anos sofridos? Quando comecei a movimentar
meus dedos pelo controle remoto e os olhos pela tela, percebi que os filmes de
2019 continuam a ser exibidos, mas percebi tantos lançamentos e não só de
realizações do estúdio Hallmark[2], o campeão do gênero. A
Netflix exibiu, mas foi fazer filme romântico de Natal na Polônia! A Amazon exibiu
e procurou também não perder o bonde da produção. Esses canais pagos de filmes exibiram
e fizeram filmes românticos de Natal.
Eu não cheguei perto da exploração
de um corpus como o de 2019. Vi poucos filmes inteiros; a lista ao final é
pobre, mas vi trechos relevantes de vários, que abandonei, entre impaciente,
ocupada, ou distraída. Procurei especialmente filmes de 2020, 2021 e de 2022.
Não vi alusão à covid... Vejam bem, meu corpus foi pequeno, então, não posso
generalizar uma conclusão sobre essa ausência.
Eu me volto aos personagens, esse
elemento que dá vida aos enredos literalmente. 1ª Surpresa: a presença LG (BTQIA+
ainda não). Os filmes românticos de Natal ampliaram o seu escopo de formas de
amar e de gente que ama. O estúdio Hallmark e seus congêneres descobriram que lésbicas
e gays existem. Vi um trecho de filme que acabei não levando adiante,
protagonizado por um rapaz gay que no começo do filme namora um idiota que o
engana. O protagonista vai passar as festas de fim de ano junto à família,
sozinho..., mas lá onde a família mora descobre um rapaz – creioemdeuspai, que
lindo! – que é tudo de bom. Aleluia! Não sei se casaram, não cheguei ao fim. Em
outro filme, um casal de mulheres dá três beijos – lembremo-nos que os beijos
dos filmes românticos de Natal são muito contados -. Casais de mulheres e
casais de homens aparecem nesses filmes completamente integrados e integradas
em famílias gentis, respeitosas, vestidas de suéteres ridículos e adoráveis;
elas e eles são bem vindos, decoram as árvores, fazem biscoitos, ouvem música
coladinhos/as e têm uma porção de amigos e amigas. Não raro esses amigos e
amigas – protagonistas ou não – precisam de seu apoio e conselho para encontrar
a felicidade.
Em 2019, não tinha visto nenhum
filme com mulheres que se amam e são respeitadas, ou com homens que se amam e
são respeitados por suas famílias e próximos. O que aconteceu? Não tenhamos
pressa... Há dois elementos aqui: por um lado, é espetacular que o gênero tenha
integrado nas narrativas a diversidade da vida; por outro, não esqueçamos por
um minuto sequer que se trata de uma indústria rentável e que muitos homens
românticos e muitas mulheres românticas estavam de fora da identificação com os
enredos. Então, tratou-se de incluí-los! Não recuando um centímetro da
compreensão de que há interesse comercial nessa inclusão, ela, entretanto,
cumpre um papel junto ao público que consome essas histórias de gentileza,
amizade, neve, bolachinhas coloridas e finais felizes.
Eu falei acima da rigorosa
contabilidade dos beijos e fiquei “chocada” com um filme em que, digamos assim,
há intercurso..., no meio do filme!!! Cheguei a ficar sem palavras e todo mundo
sabe que isso é raro. Nesse filme, cheio de reviravolta, há investigação sobre
a origem da protagonista. Ela fora adotada e queria conhecer um pouco mais sobre
a genitora, então empreende a busca. Nessa viagem, encontra o herói, um
escritor... – belíssimo, claro! (Ah, não se espante: mas vi também um filme com
um herói feíssimo, outra inovação!) – que colabora com a busca. Aliás, sua
própria família está imbricada na origem da mulher pela qual ele se apaixona.
Lembra do texto de 2019, em que deixei claro que as protagonistas femininas têm
excelentes CVs? Ora, a protagonista desse filme #românticodenataldeinvestigaçãodeorigens
fala quatro idiomas! Depois de 2019, elevamos ainda mais o sarrafo.
Você ficou curiosa ou curioso sobre
o herói feio?... Bem, talvez não concorde comigo (duvido...), ele é meio maluco
e por duas vezes a heroína berra no taxi. Temos ganas de dizer: Foge dele! Ao
lado dela, está a melhor amiga. Isso não mudou um centímetro: filmes românticos
de Natal têm os melhores amigos da vida. Mas voltemos aos berros. Ela é super
crítica do lado comercial do Natal, e ele é um entusiasta (emprego
eufemismo...) do Natal – primeiro berro; ela é uma mãe divorciada (sim, agora,
temos mais divorciados. Quem bom que os estúdios compreenderam que não precisam
matar nossos ex para recasarmos), com filha pequena e pai ausente. Vive o
dilema: conto ou não conto sobre o Papai Noel? Pois o namorado/herói acredita
em Papai Noel. Você pensa que é brincadeira? Metáfora? Ele realmente acredita
em Papai Noel. É o segundo berro no taxi.
O melhor desse filme é o melhor amigo do
herói. Trata-se de um jovem muçulmano e ele é perfeito nas conversas com a
protagonista. Eu adorei isso. Não, não é o politicamente correto elementar, é
correto decerto e é suave, bonito. Haver um amigo muçulmano chamado a colaborar
com o herói trazendo para essa colaboração a sua identidade é uma coisa que não
se via por aí. Ele comemora o Natal? Ora, gente, meus amigos muçulmanos
comemoram e dão presentes. A conversa que ele tem com a protagonista – junto ao
amor que ela sente pelo herói feio amalucado, claro... – define as coisas. Esse
personagem é essencial.
Alguém vai se lembrar que a
diversidade racial dos filmes românticos de Natal ficava nos coadjuvantes e
figurantes. Pois bem, vi um filme muito fofo com um protagonista negro. Vi
outros filmes cheios de casais inter-raciais. Esse filme em especial tem um
viúvo, ora... e uma heroína (branca) que tem um namorado (branco) péssimo. Ele
a pede em casamento usando um anel que não comprou, mas roubou do herói!!!
Estou gritando aqui. O protagonista tem uma filha adorável. Isso não mudou,
gente, as crianças continuam adoráveis. A ex do herói é uma mulher preta
maravilhosa e muito bacana.
Por que vemos esses filmes? Este
ano tive uma companhia inusitada para ver alguns deles. Tratou-se de uma pessoa
que brada não ser fã do gênero. Ora, há muitas razões para ver um filme
romântico de Natal, incluindo ser companhia do fã ou da fã! O fato é que esses
filmes que dão vontade de vestir casacos vermelhos e verdes e depois assar nas
cidades tropicais são fofos e... são capazes de se reinventar! Esse é o segredo
para o sucesso das tradições: elas precisam se reinventar. Este ano isso foi
tão flagrante para mim que precisei extravasar aqui! Muita coisa se mantém e
muita coisa foi incorporada porque se trata de uma indústria esperta, atenta
aos sinais. Não esqueçamos, porém, que a narrativa que resulta dessa
incorporação volta ao público, mostrando a ele que a diversidade astuciosamente
representada é não só tolerada como bem vinda à mesa e isso é para mim o
espírito da coisa.
Tenho até o Dia de Reis para
continuar minhas férias fílmicas, junto a minhas leituras e passeios. Mas quis
escrever logo minhas impressões de um gênero que aprecio destemida e
despudoradamente. Eu não vi ninguém de máscara nos filmes..., por que esse dado
não foi incorporado? Excesso de realidade? Descobri recentemente que existe
filme romântico de outono, com guirlanda de outono e tudo! Filme de fazenda de
pêra. Não ria... Vai nascer um gênero novo? O sucesso dos filmes românticos de
Natal revela qualquer coisa sobre nós e sobre como os produtores percebem novos/nossos
anseios. Parte de mim continua a torcer pelo encontro dos heróis ou das heroínas
ao final; parte observa, curiosa, a renovação das tradições. O fato é que esses
filmes são também um convite para rirmos juntos e juntas dos suéteres, deitados
em sofás com cobertas(?) respeitosas das diferentes temperaturas do Brasil. Nesses
momentos de pausa, talvez possamos ser até menos econômicos com nosso carinho,
afinal os próprios filmes românticos começaram a inovação!
Feliz 2023, gente cinéfila,
romântica e leitora!
#filmesromânticosdeNatal
Filmes
vistos integralmente (lista pobrinha, comparada à de 2019):
Ele
acredita em Papai Noel (2022)
Muito
perto para o Natal (2020)
Natal
em Coyote Creek (2021)
O
Diário de Noel (2022)
Um
Natal na Suíça (2022)
Um
Natal no Castelo (2020)
Um
presente da Tiffany (2022)
[1] <http://literistorias.blogspot.com/2019/12/filmes-romanticos-de-natal-para-os.html>
acesso em 26 de dezembro de 2022.
[2] Hallmark é também um canal estadunidense.