Quando cheguei à França, encontrei
meus amigos chateados com o presidente Emmanuel Macron. Um país na rua por
diferentes razões. Mas o coronavírus atravessou essa rua e mandou todos e todas
para casa..., até o presidente. Estou nesse país com os franceses e as francesas
desde então e vi a chegada do vírus, a despreocupação, o desprezo do risco, a
falta de conhecimento... Mas não vi um líder que se escusou da
responsabilidade. Tardou? Talvez. Mas outros países igualmente “irmãos” europeus
também tardaram e outros, “irmãos” até outro dia, riram. Dia 16 de março,
Emmanuel Macron trancou o país em casa e dentro das suas fronteiras. Ele
trancou a minha filha, que voltaria a seu país em abril. A Europa redescobriu
as fronteiras? Ora, algum dia tinha de fato esquecido delas?... Se todos
pararam? Claro que não. Continuou havendo trabalho dentro e fora de casa:
nenhum lixo deixou de ser recolhido aqui da minha porta, o caixa de
supermercado estava lá para eu comprar o arroz, o médico no hospital e, de dentro
de casa, os professores continuaram a enviar tarefas à minha filha. Em todo
país, houve gente que teve de estar fora de casa trabalhando e outros puderam
desenvolver seu ofício em casa, reinventando-se, enquanto acompanhavam os filhos,
cozinhavam e assistiam a reuniões intermináveis... Franceses e francesas,
chateados ou não com esse presidente que elegeram, respeitaram as decisões que
foram tomadas em nome de sua proteção física. Respeitaram sem subserviência, cobraram as máscaras que não chegavam, dentre outras providências. Um conselho científico foi
constituído pelo governo para estabelecer um protocolo sanitário e para
colaborar com as decisões do executivo. Daqui a pouco, esse conselho encerrará
as atividades. Cumpriu seu dever. O desconfinamento total começa amanhã.
Os líderes constroem sua
respeitabilidade. Outro dia, essa França ardeu, fez rassemblement sem autorização... O presidente engoliu e hoje reconheceu
o óbvio para muitos de nós: uma democracia não pode compactuar com o racismo,
nem com outros (des)valores e porcarias. Hoje, ele falou de diferença, de
particularidade, de um modo de viver francês, diferente dos EUA, da China e da “desordem”
por aí (citou assim mesmo)... Minha filha desviou a cabeça do tablet e me olhou. Juro que não estou
fazendo jogo de cena! Ela disse: “Por que não podemos ter gente decente como
presidente em todo lugar, mãe?” Minha vontade foi de chorar, abraçá-la, assumir
o meu desespero... Mas, tirando coragem não sei de onde disse: “Precisamos lutar
por isso, filha”.
Eu sou uma professora luso-brasileira
obscura nessa França. Preciso assumir minha identidade de reunião, porque estou
aqui como cidadã européia. Mas me dirijo a meus compatriotas no Brasil: nosso
país está acéfalo. Cometemos um erro histórico. Nenhum presidente assumiu a
gestão da crise, para que venhamos a levantar discórdia. É preciso haver
qualquer coisa para a gente dizer que é contra, não? Não há nada. Ou melhor...
há crimes em sequência. Há um ser
abjeto distante quilômetros da honra de governar a nossa nação.
Em Curitiba, minha terra de adoção,
o prefeito em quem não votei volta atrás e pede, talvez suplique: voltem para casa. Não tomem chopinho
falando nos cangotes de homens e mulheres a quem desejam. Voltemos... Parem de
comprar blusinha que não vão usar. Deixem o cabelo crescer, a barba. Aprendam a
se depilar, a pintar as unhas vocês mesmos por enquanto. Por enquanto... Façam
um sacrifício, para que possamos tourner
la page. Se haverá gente trabalhando na rua? É claro que sim! Desde o início
da crise, meu marido trabalha em hospital público, não teve 1 só dia de
teletrabalho. Meu cunhado está dentro de uma UTI trabalhando também, enquanto
minha irmã embala temerosa seu recém nascido prematuro nos braços... Eles dois
não tiveram teletrabalho para que outras pessoas possam ter! Quem puder! Quanto
mais obedecermos e confiarmos, mais e melhor poderemos beijar e abraçar; falar
bobagem nos cangotes; tomar chopinho; comprar blusinha; aparar as pontinhas...
Vocês querem? Então aguentem. O Brasil está perto da lotação da capacidade de
reanimação em vários lugares. Não invadam hospitais... Não aceitem convite vindo
do NADA. Voltem. Quem puder volte, para viver mais e melhor.
Toda a minha repulsa, ódio mesmo ao
NADA que nunca assumiu a tarefa gloriosa que recebeu das urnas. Pelo
impedimento do erro histórico cometido pelo país.
Quem puder, volte para casa. Quem
não puder, obrigada, coragem e cuide-se.
Poitiers, 14 de junho de
2020
Aqui na minha rua está localizado um dos maiores perigos dessa França! Uma calçada que imita a vida: a gente está condenado a prosseguir sem saber quase nada do que vem logo depois... Bom amanhã para todos e todas.
excelente!
ResponderExcluirMuito obrigada por sua visita!
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