domingo, 14 de junho de 2020

A França desconfina amanhã, o que temos com isso?


Quando cheguei à França, encontrei meus amigos chateados com o presidente Emmanuel Macron. Um país na rua por diferentes razões. Mas o coronavírus atravessou essa rua e mandou todos e todas para casa..., até o presidente. Estou nesse país com os franceses e as francesas desde então e vi a chegada do vírus, a despreocupação, o desprezo do risco, a falta de conhecimento... Mas não vi um líder que se escusou da responsabilidade. Tardou? Talvez. Mas outros países igualmente “irmãos” europeus também tardaram e outros, “irmãos” até outro dia, riram. Dia 16 de março, Emmanuel Macron trancou o país em casa e dentro das suas fronteiras. Ele trancou a minha filha, que voltaria a seu país em abril. A Europa redescobriu as fronteiras? Ora, algum dia tinha de fato esquecido delas?... Se todos pararam? Claro que não. Continuou havendo trabalho dentro e fora de casa: nenhum lixo deixou de ser recolhido aqui da minha porta, o caixa de supermercado estava lá para eu comprar o arroz, o médico no hospital e, de dentro de casa, os professores continuaram a enviar tarefas à minha filha. Em todo país, houve gente que teve de estar fora de casa trabalhando e outros puderam desenvolver seu ofício em casa, reinventando-se, enquanto acompanhavam os filhos, cozinhavam e assistiam a reuniões intermináveis... Franceses e francesas, chateados ou não com esse presidente que elegeram, respeitaram as decisões que foram tomadas em nome de sua proteção física. Respeitaram sem subserviência, cobraram as máscaras que não chegavam, dentre outras providências. Um conselho científico foi constituído pelo governo para estabelecer um protocolo sanitário e para colaborar com as decisões do executivo. Daqui a pouco, esse conselho encerrará as atividades. Cumpriu seu dever. O desconfinamento total começa amanhã.
Os líderes constroem sua respeitabilidade. Outro dia, essa França ardeu, fez rassemblement sem autorização... O presidente engoliu e hoje reconheceu o óbvio para muitos de nós: uma democracia não pode compactuar com o racismo, nem com outros (des)valores e porcarias. Hoje, ele falou de diferença, de particularidade, de um modo de viver francês, diferente dos EUA, da China e da “desordem” por aí (citou assim mesmo)... Minha filha desviou a cabeça do tablet e me olhou. Juro que não estou fazendo jogo de cena! Ela disse: “Por que não podemos ter gente decente como presidente em todo lugar, mãe?” Minha vontade foi de chorar, abraçá-la, assumir o meu desespero... Mas, tirando coragem não sei de onde disse: “Precisamos lutar por isso, filha”.
Eu sou uma professora luso-brasileira obscura nessa França. Preciso assumir minha identidade de reunião, porque estou aqui como cidadã européia. Mas me dirijo a meus compatriotas no Brasil: nosso país está acéfalo. Cometemos um erro histórico. Nenhum presidente assumiu a gestão da crise, para que venhamos a levantar discórdia. É preciso haver qualquer coisa para a gente dizer que é contra, não? Não há nada. Ou melhor... há crimes em sequência. Há um ser abjeto distante quilômetros da honra de governar a nossa nação.
Em Curitiba, minha terra de adoção, o prefeito em quem não votei volta atrás e pede, talvez suplique: voltem para casa. Não tomem chopinho falando nos cangotes de homens e mulheres a quem desejam. Voltemos... Parem de comprar blusinha que não vão usar. Deixem o cabelo crescer, a barba. Aprendam a se depilar, a pintar as unhas vocês mesmos por enquanto. Por enquanto... Façam um sacrifício, para que possamos tourner la page. Se haverá gente trabalhando na rua? É claro que sim! Desde o início da crise, meu marido trabalha em hospital público, não teve 1 só dia de teletrabalho. Meu cunhado está dentro de uma UTI trabalhando também, enquanto minha irmã embala temerosa seu recém nascido prematuro nos braços... Eles dois não tiveram teletrabalho para que outras pessoas possam ter! Quem puder! Quanto mais obedecermos e confiarmos, mais e melhor poderemos beijar e abraçar; falar bobagem nos cangotes; tomar chopinho; comprar blusinha; aparar as pontinhas... Vocês querem? Então aguentem. O Brasil está perto da lotação da capacidade de reanimação em vários lugares. Não invadam hospitais... Não aceitem convite vindo do NADA. Voltem. Quem puder volte, para viver mais e melhor.
Toda a minha repulsa, ódio mesmo ao NADA que nunca assumiu a tarefa gloriosa que recebeu das urnas. Pelo impedimento do erro histórico cometido pelo país.
Quem puder, volte para casa. Quem não puder, obrigada, coragem e cuide-se. 
Poitiers, 14 de junho de 2020   


Aqui na minha rua está localizado um dos maiores perigos dessa França! Uma calçada que imita a vida: a gente está condenado a prosseguir sem saber quase nada do que vem logo depois... Bom amanhã para todos e todas.

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