Literistórias agradece ao amigo, Prof. Dr. António Rei, por essa memória tão afetiva do seu 25 de abril!
Évora, 25 de abril de 2016
Minha mãe me despertou às 7h
da manhã do dia 25 de abril de 1974, e disse: “Há um movimento militar em
Lisboa”.
Eu saltei do sono para o
despertar.
De um novo dia.
Do novo dia.
Ouvi um comunicado na rádio,
com meus pais e o nervoso miudinho se instalou.
Um mês antes, a 17 de março
de 1974, houvera um movimento militar que abortara, e os oficiais generais se
impuseram, declarando publicamente a sua fidelidade ao regime totalitário que
desde 1926 dominava em Portugal.
Enquanto não ficou claro a
tendência do golpe e a orientação política do mesmo, houve horas de
expectativa.
Na escola esse dia foi
diferente.
A primeira aula, de Física,
foi uma conversa sobre a situação política e sobre a guerra colonial que se
arrastava, e ensombrava o futuro dos jovens, em especial dos rapazes: “Como é ?
Vais à guerra ou dás o salto?”
Era o drama que o tempo cada
dia acercava mais de nós: ou ir à guerra, podendo não voltar; ou fugir para o
estrangeiro, para não ir à guerra, podendo não voltar ?
Muitos conhecidos tinham
tomado uma ou outra decisão, e as consequências eram visíveis: trauma de
guerra, ou uma caixa de madeira, no primeiro caso.
Ou no segundo, uma ausência,
entrecortada por alguma correspondência, enviada de França, da Alemanha, da
Holanda… Essas cartas eram lidas em família, de forma quase incógnita. Ter um
filho que “saltara a fronteira” era ter um filho “traidor”...
A partir daquele dia, e de
quando ficou clara a orientação política do Movimento das Forças Armadas, nós,
os jovens, tivemos a percepção que estávamos na crista da onda da História:
estávamos sendo atores espetadores da História.
Tudo o que até então era inacessível
e proibido passava a ser possível. E assim foi.
A Europa, para nós começava
a norte dos Pirenéus, pois o regime espanhol de Franco, similar ao português,
não era fiável.
Os que tinham saído puderam
voltar, e a guerra avançou para o seu fim, e para a independência das colônias
africanas.
Sentíamos que os olhos do
mundo se cravavam em nós. O que acontecera em Portugal fizera alterar os
equilíbrios geo-estratégicos mundiais, em especial no eixo atlântico.
Para a juventude europeia de
então, Portugal apareceu como a “Terra Prometida”:
a Revolução dos Cravos
tomara o poder.
Nesse momento confluíram em
Portugal as expectativas de todos os que em Maio de 68 tinham proposto “Utopia
ao Poder” e uma efetiva socialização da sociedade, em que se derrubassem as
diferenças sociais; e também o culminar do Flower Power que em 69 tinha tido em
Woodstock, USA, em 70 na Ilha de Man, Inglaterra, duas provas vivas de que é
possível uma vida sem guerra, em que cada um ame seu irmão como a si mesmo.
Quando os ensinamentos espirituais e a ética social pareciam fundir-se e ficar
ao alcance da mão.
Para os irmãos espanhóis
Lisboa passou a ser o local de refúgio dos seus dissidentes, que aqui
preparavam a sua nova realidade social. Bastava esperar que Franco morresse…
Muitos faziam excursões de
fim-de-semana a Lisboa para fazerem tudo o que continuava sendo proibido em
Espanha…
Era uma autêntica
peregrinação, a novos lugares e novas realidades sociais que levavam na cabeça
e no coração, de volta para suas terras.
O êxodo de jovens de toda a
Europa a oeste da “Cortina de Ferro” para Portugal foi uma realidade.
Vinham para participar do
espírito da Utopia e da Flor no Poder.
A Reforma Agrária viu as
suas comunas agrícolas cheias de jovens de longos cabelos e colares de missanga
que trabalhavam com os portugueses por um prato de comida. Pela confraternização.
Pela Liberdade, pela
Fraternidade, pela Igualdade.
Foi um tempo realmente exaltante.
Nós éramos a Revolução, e a
Revolução acontecia em nós.
Tudo era novo. Para nós, e
para eles. E todos nos fomos despindo de preconceitos, e de roupa. O amor livre
assentou arraiais nas praias e nos campos e nas cidades de Portugal.
A censura terminara e toda a
literatura e música, proibidas entraram na nossa vida.
Tudo se tornou uma vertigem.
Tudo ficou diferente e mesmo
quando, uns anos depois, a poeira social e cultural assentou, nada mais voltou
a ser igual.
Anos mais tarde, em pontos
vários da Europa, encontrei gente que tinha estado em Portugal naquele período,
entre 1974 e 1980, e que falavam de suas experiências com um misto de gratidão
e alguma desilusão, por se ter desvanecido o que parecia estar logo ali.
Enquanto estiveram em
Portugal terão aprendido, muito possivelmente, o sabor da “saudade”.
Muitos ainda regressam para
rever gente e lugares, apesar de tudo.
Outros não quiseram voltar
mais, para manter intactas as imagens do estado de graça que aqui viveram, e
que a realidade atual iria manchar.
Todos têm e tiveram a sua
parte na Revolução dos Cravos.
Todos puseram uma parte no
todo.
25 de abril
sempre !
António Rei
Navegar é preciso.