domingo, 29 de maio de 2022

Alcione em Curitiba – 28 de maio de 2022

 

21:30, no Teatro Positivo: uma mulher envolvida em um brilho lilás (seguindo a letra de Gilberto Gil: quanto mais purpurina melhor) adentra o palco para levar a plateia a um estado de alegria coletiva muito raro, depois de 2 anos. Alcione cantou seus sucessos mais conhecidos acompanhada de sua banda fiel. A maior parte do tempo, cantou sentada. Explicou ao público que vai fazer uma cirurgia na lombar em julho e que tem, em seguida, uma turnê pela Europa. Por isso, era preciso ficar sentada. Primeira coisa que faz pensar: 2 anos longe dos palcos teve repercussão na vida dos artistas. Na vida de artistas que orbitam muito distante da órbita de Alcione, o jejum da plateia foi fatal. Os artistas longe do sol viveram de subsídios, dos amigos, dos parentes, de doações de fãs desconhecidos e de dar nó em pingo. Não raro passaram necessidade, não tinham como pagar as contas básicas, passaram fome. Mas a órbita de Alcione também foi afetada. Imaginamos a quantidade de profissionais que são suas luas e que dependem que ela esteja no seu lugar, no palco. Isso talvez ajude a explicar a necessidade de vir a Curitiba para 1 show e cantar sentada quase todo o tempo e mal conseguir terminá-lo. Alcione sequer apresentou a banda...

A gente não sabe se Alcione sentia dor. Se sentia, a necessidade de honrar contratos e garantir o sustento de todas as suas luas fez com que ficasse lá, no seu trono branco de rainha, ao lado de uma mesinha, onde jazia seu copo de água e onde era depositada a sua xícara de café quentinho. Se não sentia, imaginamos talvez remédios para aliviar a dor, remédios que talvez tenham consequências no seu ânimo e na mobilidade. Na voz? Duvidamos. A voz era aquela nossa conhecida... e sentada, gesticulava, ia um pouco para trás no trono branco, jogando a cabeça, em algumas canções em que a entrega amorosa é protagonista. O corpo combalido tentava extravasar no limite imposto.

Alcione encantou a gente. Escolheu as músicas a dedo. Todo mundo sabia cantar tudo. Fomos o seu gigante backing vocal. Não dava para levantar e sambar... Outro dia, a gente foi a um show de samba, muito petit comité, ao ar livre, em que era possível sambar e a gente sambou! Mas no Teatro Positivo não era possível. Todo mundo sentadinho, um atrás do outro. Mas... os braços podem dançar! E eles vingaram os pés e os quadris rebolantes. Teve um momento, antecedendo “Ébano”, em que ela perguntou se havia ébanos presentes. Ora, havia... Uma de nós pensou que, se fosse um ébano, teria levantado ali no meio do corredor e teria dançado para ela! Será que eu caí na sua rede, ainda não sei...

Alcione não apresentou nenhum lançamento, nenhuma criação pandêmica (como vemos vários artistas tentando criar numa tentativa também de sobrevivência ao isolamento). Alcione passou por vários sucessos de sua carreira, que todo mundo sabia cantar. Mexeu com nossa memória e fez todos entenderem porque estavam lá naquele show. Na entrada, o brilho cintilante de sua roupa contrastava com os Retalhos de Cetim. Na passagem pelos seus sucessos, Alcione acrescenta um comentário essencial na música O Surdo, que traz a "pancada de amor não dói". "Dói, sim", a cantora finaliza a música marcando sua posição, ao mesmo tempo em que data e documenta a produção de letras machistas na música brasileira. Adendo necessário haja vista o público que a acompanha há anos e os novos ouvintes de uma geração em que a violência contra mulher não deveria mais existir. No meio do show, o ponto de beleza exuberante e esperançosa: Juízo final! Ah... esse sol que há de brilhar mais uma vez. Os raios luminosos irradiavam na plateia enquanto misturávamos a esperança nesse (re)nascer com a memória da saudosa Clara Nunes! Quando estávamos prontas para gritar o tão significativo "Meu vício é você", o show foi encerrado. Não teve nem BIS... E, não sabemos muito bem por quê, o público não se animou a pedir. Compreensão sobre o estado da cantora, talvez, necessidade de sair rápido do teatro para não aglomerar, tanto tempo sem ir a shows que se esqueceram até de como pedir BIS... Não sabemos.

Sobre o público, uma de nós escreveu em 2016, um texto sobre o comportamento do respeitável público em um balé infantil[1]. Remetemos nossos leitores a essa memória edificante... Mas o que havia de novo? Pouco, afinal, quase todo mundo ali estava sem máscara. Quê?! Sim, um público diverso, pintado de idades diferentes, gente de 20, de 30, 40, que passou dos 70 há um tempo, dos 80... e sem máscara. Enquanto isso, os veículos de comunicação noticiam o rebote da covid-19. A gente tirou a máscara 2 vezes para fazer 2 fotinhos e foi isso. No uber da ida e no da volta, máscaras. Só a gente, pois os 2 profissionais dispensaram. A gente aprendeu a sorrir de felicidade com os olhos, enquanto há perigo. Mas foi mesmo impressionante a despreocupação.

Os atrasos, o levanta e incomoda a fila inteira 1, 2, 3 vezes para ir sei lá onde, quando o 2º sinal já tocou... No texto de 2016, uma de nós falava da ausência da etiqueta de plateia. Se você tem implicância com a palavra etiqueta, pode trocar por respeito que vai servir. Serviu para uns, umas e outros, outras, no show de Alcione. No balé de 2016, uma de nós tocou no problema do salto na escada, e fica aqui prometido um texto sobre escada... O fato é que a gente tem de ter clareza sobre os limites do nosso corpo, para se sentir mais confortável, à vontade e se divertir.

Mas, então, por que ir ao show? Alguém pode alegar o não ineditismo do repertório e a disposição de todas as músicas nas plataformas digitais como justificativa para não ir. Respeitamos. Entretanto, a ida ao show é um pedido de presença. Sim, a presença da artista, a presença da música, cujos únicos intermediários do som até o público são os microfones e a mesa de som. O som "limpo", sem paradas para empresas mandando a gente comprar alguma coisa (parênteses apenas para uma reclamação sobre as propagandas ensurdecedores que antecederam o show. Mas só antecederam!) O show é a troca de presença entre artista e expectador; é a busca pela sinestesia que só a arte consegue produzir! A sinestesia que é um dos nossos trajetos para o sensível, a sensibilização, tão necessária e um dos caminhos de esperança para o sol que há de brilhar mais uma vez. Nós cantamos alto, dançamos, ficamos emocionadas. Um show revigorante para artista, a retomada da presença pelo público mesmo com incerteza... E a companhia especial, que realça a cintilância (Gil de novo) do sensível. Alcione, volte mais vezes para Curitiba. Há duas pessoas aqui esperando os próximos shows!

 

Deusa e banda

(Respeitável público, use máscara!)

Denise Miotto Mazocco

Marcella Lopes Guimarães

Em 29 de maio de 2022



[1] “Procura-se o respeitável público” <http://literistorias.blogspot.com/2016/12/procura-se-o-respeitavel-publico.html>


Fãs à espera da Deusa
Fãs à espera da Deusa e agindo certo











domingo, 22 de maio de 2022

Cartão de felicitações pelo casamento - Lula e Janja

 

Lula e Janja,

 

parabéns pelo casamento esta semana. Lembro-me de quando Lula foi libertado e do beijo dado naquela que era então a sua namorada. “Você já beijou hoje?”, “O Lula já beijou!”, todo mundo brincava pelas redes sociais. Hoje eu vou tomar um porre, não me socorre... Desculpe o vocabulário, casal, é verso de samba.

Lula, você estava lindo. Janja, não fica com ciúmes. Adorei o seu vestido. Não vou perguntar quem fez, indiscrição..., mas você sabia que eu ganhei um vestido?! E de um dos maiores designers de moda desse país! Pessoa que admiro, com quem tenho mil afinidades delicadas. Phinah eu.

Lula, aos 76 anos, subir ao altar, depois de enfrentar os processos, de cumprir pena, cadeia, de perder a companheira de uma vida...; dar-se a chance de continuar vivo, surpreender-se com o amor florindo no peito... é coisa que desabotoa o meu! Você sabe, sou romântica incurável e nem digo que foi cisquinho que entrou no olho. Não preciso de desculpa. Janja, desposar o Lula é desposar um homem de muitas camadas, não é? Imagino que você ame todas elas e fico contente em saber que você é uma mulher madura. É experiente para lidar com toda a informação que passa pelo seu homem, atrás dele, dentro dele, à frente, em torno dele... Estou falando assim, dele, porque sei pouco de você (ainda). Mas uma coisa acho evidente: você é corajosa.

Ninguém falou dos 21 anos de diferença, eu notei. Como sabemos, se o homem é mais velho, qualquer diferença se dilui no romantismo. Quer ver o romantismo calar? Se Janja tivesse 76 e você, Lula, 55, talvez te comparassem a Emmanuel Macron, que, por sinal, acabou de ganhar de novo... Auspícios. Lembra do desrespeito do energúmeno presidencial contra Brigitte? Ele, cuja diferença se diluiu na subalternidade reivindicada da primeira dama de joelho esfolado e salto agulha. Se Janja tivesse 76, talvez te comparassem. Só que Macron ia vencer de novo. Se Janja fosse Jorge, você ia ouvir os gritos do templo de Salomão até o palácio do Planalto! Casava, mesmo assim, Marcella. Mas quer ver todos os templos de Salomão incomodarem a órbita companheira da doce Lua? Se Lula fosse Carolina! Por que Carolina? Acho bonito. Janja 76, Carolina, 55. Vou melhor para você, Carolina, vou te dar 4 anos, 60 anos! Que tal? Talvez você escutasse sussurros de gente insuspeita, “convicta”, dos “coerentes”, dos vanguardistas. Bizarras sintonias com o templo de Salomão. Casava! Lula, ou melhor, Carolina, eita, agora sou eu que tô me confundindo... É melhor a gente parar com as imaginações, deixar a doce Lua em paz, e voltar às realidades, né?!

Eu estou feliz com o enlace de vocês e acho que ele veio a calhar. Veio a calhar como reserva de força e sentido. Nada melhor do que começar a virar o jogo com o amor, amor como beijo na boca e também como compreendeu Humberto Maturana: o emocionar que constitui o outro como legítimo outro em coexistência[1]. A gente tem vivido anos de ódio e eu não estou falando da divisão do país, eu estou falando de ódio institucionalizado, berrado, exaltado, motivo de orgulho, como política oficial direto do Planalto! Ódio às mulheres que não se curvam; ódio aos negros e às lutas por sua dignidade e afirmação histórica; ódio aos indígenas espoliados desde o corpo das mulheres até as terras ancestrais reivindicadas; ódio aos que rezam diferente dos tons de cinza do integrismo e aos que não rezam, aos que pensam, leem, cantam, dançam, representam, estudam, amam as Carolinas e os Jorges, os Lulas e as Janjas. Ódio aos rios, às matas e aos bichos. Bala neles e nelas, em nome de... Jesus??!!

Lula, seu casamento me emociona porque eleva o tom da conversa, de fato muito baixa, que grassa entre nós. É uma afirmação pública do amor para esfregar na cara suja de quem troca verba pública da educação por adesão de igreja, em nome de Jesus(!); de quem pisoteia na cara dos profissionais de carreira qualificados para entregar monitoramento da Amazônia para gringo rico. Desculpa, multimilionário. Bilio? Quem deixou? Por onde passou a autorização para uma tarefa dessa proporção? Conexão entre escolas? Internet do gringo? Lula, desculpa, eu tenho um aluno do Amazonas e eu levo o computador da minha filha para a sala de aula para conseguir chamá-lo. Afirmação que esfrega na cara suja de quem ofende, desrespeita as instituições, os corpos, ameaça e promete golpes. Mais?

Um dia bem recente, um dia triste à beça, o Brasil se viu em uma encruzilhada: de um lado, o caminho da homenagem a um criminoso; de outro, a necessidade de responsabilizar a fala que exaltava o crime, empregando os meios jurídicos disponíveis. Naquele dia, o Brasil virou na contramão e estamos aqui.

Lula, O Macron – 25 anos mais novo que Brigitte – ganhou de novo lá. A França tem agora uma primeira ministra, você viu? Achei auspicioso. Você beijou, você casou! Eu estou com um punhado de arroz aqui para jogar. Vestido novo. Só falta... 

Falta pouco. Falta muito. Mas você beijou! Você casou! Vocês! Lula, você estava tão bonito de azul... Janja, adorei o branco, adorei o decote. Você estava deslumbrante. E D. Angélico, heim?! Parabéns!

Bom primeiro domingo da vida nova!

Vida nova.

Força, paciência e amor.

#lulaejanja

#casamentolula

#casamentolulaejanja

 

PS. Alguém me fala ao pé do ouvido que o presidente da república do integrismo nacional veio participar da Marcha para Jesus.

Jesus não foi visto.

[1] MATURANA, Humberto, VERDEN-ZÖLLER, Gerda. Amar e brincar: fundamentos esquecidos do humano do patriarcado à democracia. São Paulo: Palas Athena, 2004. P. 45.


Foto de Maria Clara Guimarães Prado
(Origami da fotógrafa também)