Para Daniel Osiecki
No início do mês[1], acordei com a notícia da
morte de Eduardo Lourenço. Morreu velhinho, “viveu”, disse uma amiga. “Viveu”,
é claro, amou, foi amado, reconhecido, convidado, bajulado, LIDO... e eu,
triste (?!). Por que tristeza, então, para uma vida que se
cumpriu rica, plena? O fato é que, mesmo sem ter tido tempo para pensar a
tristeza, assoberbada como sempre, eu a senti... e voltei ao sentimento no
convite de meu amigo Daniel Osiecki para conversar sobre sua obra. Fui olhar os
meus Lourenços e me lembrar da pessoa que fui quando eu conheci cada um deles.
Felizmente, as margens dos livros me ajudaram a resgatar a “nossa relação”.
Não, eu nunca apertei a mão do mestre, mas o Georges Duby já nos salvou da imprescindibilidade
dessas necessidades físicas, ao dizer que se sentia discípulo de Marc Bloch
porque o tinha lido. Se ele disse... Então, porque discípula, eu podia sentir
tristeza e até um sentimento de injustiça, afinal, nenhum de meus mestres
recebeu autorização para morrer, já aviso.
Quando a gente admira alguém, saber
que essa pessoa – mesmo debilitada – vive e vive até a despeito do seu desejo
de morrer em alguns casos... dá a nós uma calma egoísta de participamos à
distância do milagre da existência dela. A gente abre um livro, lê um parágrafo
e imagina-se respondendo a uma coisa que essa pessoa perguntou em 1978, em
1999, em 2013... e vai acumulando desejos, expectativas de encontros, porque
participamos do milagre de a nossa existência nesse mundo coincidir com a
presença da pessoa admirada!
Quando o Saramago morreu, já estava
muito debilitado, eu fiquei arrasada e apavorada, pensando na minha Mestra e
Amiga Teresa Cerdeira, amiga de Saramago. Temi que ela adoecesse; temi que
adoecêssemos sem ele, sem sua presença já em cadeira de rodas...
O fato é que a morte de pessoas
como José Saramago (em 2010) e Eduardo Lourenço (em 2020) – bem vividos na sua
vida plena, decerto – planta em nós uma tristeza de perder a possibilidade de
ler a novidade e de se atrever a continuar a respondê-los, naquele diálogo
imaginado que preenche o coração dos leitores/discípulos fieis.
Acabo de reler o 1º texto de
Lourenço que li em minha vida, sobre o Antero de Quental, que adoro. Eu devia
ter 19 anos quando li esse texto. Trata-se de umas fotocópias tiradas de livro
que pertence à minha Teresa Cerdeira, em que é nítido (por causa de sua letra
linda) o comentário final: “belíssimo”. Minhas anotações se misturam às dela,
conversamos nessas páginas e a Marcella que sou hoje ainda achou espaço para
interpor um grifo, de repente mudo... Uma tristeza me invade nessa injustiça de
não sabê-lo imortal para as dúvidas de todas as Marcellas que eu espero ser, na
companhia de sua obra! Essa companhia é hoje todo o meu atrevimento.
Confira o bate-apo sobre Eduardo Lourenço em: LUSOFONIA E POLÍTICA - Marcos Pamplona conversa com Marcella Lopes Guimarães e Daniel Osiecki
[1] 1º
de dezembro de 2020.
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