No último dia 25 de maio, o
Ministro da Educação Mendonça Filho recebeu o ator Alexandre Frota em Brasília
para uma conversa sobre educação. O fato de o Ministro ter encontrado tempo em
sua agenda para receber essa visita gerou reações diversas entre as pessoas que
têm projetos refletidos e maduros sobre o tema. No mesmo dia, diversos
intelectuais, dentre os quais eu, enviaram mensagens ao Ministro se
prontificando a ir a Brasília a fim de conversar sobre propostas sérias.
Transcrevo a minha mensagem:
Excelentíssimo Ministro Mendonça Filho,
tendo acompanhado pela mídia sua
disposição em receber os mais variados setores da sociedade brasileira,
refiro-me à visita que lhe fez o ator Alexandre Frota, coloco-me à Vossa
disposição para conversar de forma qualificada sobre a educação
brasileira.
Atenciosamente,
Marcella Lopes Guimarães
Professora Doutora em História
Medieval da UFPR.
Escrevi
essa mensagem um pouco inflamada. Releio-a agora e vejo que poderia ter escrito
“conversar de forma qualificada sobre educação” apenas, pois repeti o adjetivo
“brasileira” em poucas linhas. Escrevi arrebatada, mas não “de brincadeira”,
nem como bravata. No dia 20 de novembro de 2015, eu também havia enviado uma
carta ao Ministro Mercadante (na altura, Ministro da Educação), uma carta
pausada e refletida, mal lida por um blogueiro, de que esqueci o nome e não vou
procurar para evitar favorecer a sua expressão média. A minha carta ao
ex-Ministro está publicada aqui no blog e teve como resposta a seguinte
mensagem:
Prezado(a) Senhor(a),
Informamos que sua mensagem endereçada
ao Ministro de Estado da Educação foi encaminhada à Secretaria de Educação
Básica (SEB), por tratar-se de matéria de competência daquela Secretaria.
Caso queira obter mais informações,
sugerimos que entre em contato diretamente com a SEB, por meio do e-mail: gabinete-seb@mec.gov.br .
Atenciosamente,
Coordenação
de Gestão e Apoio Administrativo
No dia 15
de junho passado, recebi uma mensagem eletrônica da Sra. Nádia Ferreira, Assessora Especial,
afirmando que o Ministro Mendonça Filho me receberia, bem como a todos os que
“solicitaram audiência”. Eu não solicitei, coloquei-me à disposição, mas tudo
bem. No dia 4 de julho, semana passada, portanto, recebi mensagem, desta vez da
Sra. Leda Lopes, definindo a “mesa redonda” com o Ministro para dia 13 de julho,
às 14:00.
Pedi ao meu Departamento autorização para ir a Brasília e ela
me foi concedida. Agradeço a confiança dos colegas. No dia em que solicitei a autorização
ao Departamento de História da UFPR para me deslocar, pedi a palavra para explicar por
que escrevera ao Ministro Mendonça Filho no dia 25 de maio e por que, afinal,
mantinha a minha disposição de ir a Brasília agora. Minha explicação foi
introduzida pela manifestação clara de minha posição política, contrária ao
governo interino que o Senhor Mendonça Filho integra como Ministro.
São muitos os motivos que podem
levar um intelectual a Brasília nessa mesa redonda com o Ministro da Educação:
as propostas absurdas do grupo escola sem
partido; as interferências políticas e religiosas nas práticas docentes
pautadas em projetos pedagógicos elaborados de forma refletida e democrática; o
equívoco generalizado quando se toca na necessidade de discutir o gênero nas
escolas... Entre os destinatários da mensagem da Sra. Leda Lopes, reconheci
vários colegas que subscrevem essas pautas e poderiam incluir outras. Mas eu
gostaria de expor o motivo que me leva pessoalmente, e ele é um só, ainda que eu
reconheça a necessidade de tratarmos dos temas que exemplifiquei. Vou a
Brasília para manifestar minha preocupação com a Base Nacional Comum Curricular
(BNCC). Desde outubro de 2015, tenho militado pela colaboração à BNCC e
pela construção de uma proposta que seja a expressão das discussões mais ricas
que temos feito nas escolas e nas universidades sobre a formação das crianças e
dos jovens.
Eu não sei se terei trinta segundos
para me dirigir ao Ministro Mendonça Filho, mas vou levar na bagagem um dossiê
contendo textos sobre a BNCC que escrevi e outros em que colaborei. Meu
critério de seleção é apenas um: minha participação direta na elaboração dos
documentos. Há muitos outros que subscrevo, alguns estão na hashtag criada a
meu pedido: #queroajudarabnccmeconvidaministro, outros tiveram
imensa difusão (felizmente!). Destaco três: o texto do Professor Pedro Paulo
Funari, intitulado “A História em sua integralidade: a propósito da Base
Nacional Comum Curricular”, datado de 17 de fevereiro de 2016; a manifestação
da ANPUH, datada de 10 março deste ano, e a Nota elaborada pelos Professores de
História da UERJ, de 22 de junho último. Mas não fui elevada à condição de
porta voz de ninguém, até pensei em consultar colegas, mas achei que seria
muita arrogância me oferecer para representá-los ou sugerir um protagonismo.
Quero deixar claro que não estou me
oferecendo para o emprego de “consultora”. Infelizmente, eu nunca descobri os
critérios que pautaram a escolha das equipes... Posso dizer, porém, que a área de
História Medieval tem especialistas brilhantes, pessoas de grande expressão em
nosso país e fora dele, expressão bem maior que a minha. Não fui tomada de
falsa modéstia, eu sou historiadora, não temo a verdade. Esses colegas integram
núcleos e laboratórios prestigiadíssimos. Devem ser convidados e devem ser ouvidos.
Eles têm o que dizer.
Se eu acho que fui chamada a
Brasília para “fazer parte da foto”, com tudo o que isso tem de importância
simbólica? Acho que sim, mas sou muito crítica em relação à minha “importância”
e, se for esse mesmo o caso, minha presença na foto não é grande coisa.
Em 4 de maio último, publiquei um
desabafo sobre a segunda versão da BNCC no meu perfil do FB, ressaltando que me
sentia muito desconfortável em criticar o documento no momento político em que
vivíamos, pois temia que minha militância acadêmica fosse confundida com a
adesão aos projetos do governo interino. Naquela ocasião, afirmei ser aquele o
último texto que escrevia sobre o assunto. Afirmei ainda que não tinha mais
energia.
Só que enquanto trocamos de
ministros, e já são três desde a publicação da primeira versão da BNCC[1], a Base é elaborada.
Enquanto eu temo a confusão entre assuntos diferentes, esse projeto prossegue
cheio de equívocos e questões sem respostas. Eu poderia fazer uma oposição de
gabinete e retirar o meu time de campo, dado o contexto. A “necessidade” da
Base, porém, paira acima de qualquer crise ou mudança política..., isso me
choca e me põe em alerta. Se eu acho que minha ida a Brasília vai me
esclarecer/vai nos esclarecer? Acho que não, mas faço esse gesto com a certeza
de que minhas motivações são legítimas: a defesa da formação das crianças e
adolescentes e a defesa de minha área, que é essencial para essa formação
(entregarei ao Ministro textos meus que falam das razões pelas quais acredito
na importância de Antiga e Medieval).
Se por algum acaso esta carta vier
a ser lida por pessoas que suspeitam que toda a minha motivação seja na verdade
a defesa de uma educação tradicional ou que luto para preservar o meu
“mercado”..., vou convidar o leitor de ocasião a buscar nesse blog tudo aquilo
que entregarei ao Ministro sobre o tema: os textos que contemplam parte do meu
pensamento sobre a formação das crianças e jovens. Talvez depois da leitura
fique claro que não acho que História
Medieval e mercado sejam
vocábulos facilmente conciliáveis na frase... Acho mais pertinente: História Medieval e feira da Champagne! Todo mundo percebeu que faço graça, que brinco
com as palavras e seus sentidos?...
Alunos, professores, amigos,
colegas, minha família, com essa carta não dou satisfação, nem peço opinião.
Sei que os tribunais de um só, dos pequenos grupos, protegidos pelas telas do
computador, estão aí para fazerem seus julgamentos... Muito embora eu respeite
as opiniões diferentes da minha, muito embora eu as requeira em vários
momentos, já tomei a minha decisão. Vou. Essa carta é um esclarecimento
público, pois sou uma servidora pública e uma intelectual que acredita na
necessidade de assumir posições claras.
Eu espero ter mais de trinta
segundos..., mas se não tiver, entrego o dossiê de qualquer jeito e até na
marra, correndo o risco de uma selfie
imprevista. Ai, meu São Bernardo de Claraval, proteja-me!!!
Marcella Lopes Guimarães
Apêndice:
O material que vou entregar será introduzido por um
índice comentado e pela sintética contextualização abaixo:
Em setembro de
2015, o Ministério da Educação publicou a versão preliminar da BNCC. Logo de saída,
o então Ministro da pasta, Prof. Renato Janine Ribeiro, ressaltou o caráter
preliminar da redação, não sem fazer críticas ao documento, afirmando que ele
não fora elaborado pelo MEC, mas por consultores. O problema fora exposto: como
foi formada a equipe que elaborou um documento dessa magnitude? Com a
publicação da primeira versão, a consulta pública começou. O ministro mudou e
núcleos de pesquisa, a ANPUH e pesquisadores individualmente manifestaram-se. O
mais evidente problema na área de História foi o corte de Antiga e Medieval.
Logo, medievalistas e antiquistas brasileiros descobriram que nenhum
especialista das áreas fora convidado para a equipe de consultores. Sendo as
áreas de Antiga e Medieval constituídas no Brasil, integradoras da formação dos
professores de História, apoiadas pela Capes e pelo CNPq e reconhecidas
internacionalmente, novas questões surgiram: por que o corte? Que motivos
científicos fundamentaram a supressão? A mais rápida passada de olhos pela
historiografia do século XX vai demonstrar que medievalistas foram
protagonistas nos grandes debates teóricos e metodológicos dessa ciência
chamada História...
O então Ministro Mercadante veio a
público para garantir que o documento seria revisto.
Outras áreas
constituídas também sofreram cortes que jamais foram explicados. A sociedade
brasileira reagiu e colaborou quantitativa e qualitativamente. Foram cerca de dez
milhões de colaborações. Só na área de História mais de um milhão! Em maio
deste ano, a segunda versão da BNCC foi publicada e qual não foi a surpresa ao
ver que as áreas de Antiga e Medieval voltaram? Voltaram, entretanto, em bases
completamente ultrapassadas... Uma outra equipe fora chamada a redigir essa
versão, então repetiu-se o velho questionamento: como a “nova” equipe foi
formada? E surgiu outro, diante do resultado que apresentaram: as colaborações
qualificadas foram apreciadas?
As
universidades formam os professores que vão trabalhar com a BNCC, porque seus
maiores especialistas, os núcleos e as áreas específicas de conhecimento foram
alijados do processo de elaboração do documento?
Documentos citados:
- Texto do Prof. Funari: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/relatorios-analiticos/pareceres/Pedro_Paulo_A._Funari.pdf
- Nota da ANPUH de Março deste ano: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/3352-manifestacao-publica-da-anpuh-sobre-a-base-nacional-comum-curricular
- Nota da UERJ: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/diversas/item/3574-nota-sobre-a-segunda-versao-da-bncc
Marcella, parabéns pela sua iniciativa. Admiro sua conduta!
ResponderExcluirObrigada por ter compreendido esse meu gesto. Beijos!
ResponderExcluirParabéns professora. Precisamos de pessoas como você que se posicionam e se colocam a disposição para mudar as coisas.
ResponderExcluirMeu querido Marcelo, obrigada por sua leitura e apoio!
Excluir