segunda-feira, 11 de julho de 2016

Sobre por que vou a Brasília esta semana conversar com o Ministro Mendonça Filho – carta à minha família, aos meus amigos, alunos, professores e colegas

No último dia 25 de maio, o Ministro da Educação Mendonça Filho recebeu o ator Alexandre Frota em Brasília para uma conversa sobre educação. O fato de o Ministro ter encontrado tempo em sua agenda para receber essa visita gerou reações diversas entre as pessoas que têm projetos refletidos e maduros sobre o tema. No mesmo dia, diversos intelectuais, dentre os quais eu, enviaram mensagens ao Ministro se prontificando a ir a Brasília a fim de conversar sobre propostas sérias. Transcrevo a minha mensagem:

Excelentíssimo Ministro Mendonça Filho,
tendo acompanhado pela mídia sua disposição em receber os mais variados setores da sociedade brasileira, refiro-me à visita que lhe fez o ator Alexandre Frota, coloco-me à Vossa disposição para conversar de forma qualificada sobre a educação brasileira. 
Atenciosamente,
Marcella Lopes Guimarães
Professora Doutora em História Medieval da UFPR.

Escrevi essa mensagem um pouco inflamada. Releio-a agora e vejo que poderia ter escrito “conversar de forma qualificada sobre educação” apenas, pois repeti o adjetivo “brasileira” em poucas linhas. Escrevi arrebatada, mas não “de brincadeira”, nem como bravata. No dia 20 de novembro de 2015, eu também havia enviado uma carta ao Ministro Mercadante (na altura, Ministro da Educação), uma carta pausada e refletida, mal lida por um blogueiro, de que esqueci o nome e não vou procurar para evitar favorecer a sua expressão média. A minha carta ao ex-Ministro está publicada aqui no blog e teve como resposta a seguinte mensagem:

Prezado(a) Senhor(a),
Informamos que sua mensagem endereçada ao Ministro de Estado da Educação foi encaminhada à Secretaria de Educação Básica (SEB), por tratar-se de matéria de competência daquela Secretaria.
Caso queira obter mais informações, sugerimos que entre em contato diretamente com a SEB, por meio do e-mail: gabinete-seb@mec.gov.br .

Atenciosamente,
Coordenação de Gestão e Apoio Administrativo

No dia 15 de junho passado, recebi uma mensagem eletrônica da Sra. Nádia Ferreira, Assessora Especial, afirmando que o Ministro Mendonça Filho me receberia, bem como a todos os que “solicitaram audiência”. Eu não solicitei, coloquei-me à disposição, mas tudo bem. No dia 4 de julho, semana passada, portanto, recebi mensagem, desta vez da Sra. Leda Lopes, definindo a “mesa redonda” com o Ministro para dia 13 de julho, às 14:00.
Pedi ao meu Departamento autorização para ir a Brasília e ela me foi concedida. Agradeço a confiança dos colegas. No dia em que solicitei a autorização ao Departamento de História da UFPR para me deslocar, pedi a palavra para explicar por que escrevera ao Ministro Mendonça Filho no dia 25 de maio e por que, afinal, mantinha a minha disposição de ir a Brasília agora. Minha explicação foi introduzida pela manifestação clara de minha posição política, contrária ao governo interino que o Senhor Mendonça Filho integra como Ministro.
São muitos os motivos que podem levar um intelectual a Brasília nessa mesa redonda com o Ministro da Educação: as propostas absurdas do grupo escola sem partido; as interferências políticas e religiosas nas práticas docentes pautadas em projetos pedagógicos elaborados de forma refletida e democrática; o equívoco generalizado quando se toca na necessidade de discutir o gênero nas escolas... Entre os destinatários da mensagem da Sra. Leda Lopes, reconheci vários colegas que subscrevem essas pautas e poderiam incluir outras. Mas eu gostaria de expor o motivo que me leva pessoalmente, e ele é um só, ainda que eu reconheça a necessidade de tratarmos dos temas que exemplifiquei. Vou a Brasília para manifestar minha preocupação com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Desde outubro de 2015, tenho militado pela colaboração à BNCC e pela construção de uma proposta que seja a expressão das discussões mais ricas que temos feito nas escolas e nas universidades sobre a formação das crianças e dos jovens.
Eu não sei se terei trinta segundos para me dirigir ao Ministro Mendonça Filho, mas vou levar na bagagem um dossiê contendo textos sobre a BNCC que escrevi e outros em que colaborei. Meu critério de seleção é apenas um: minha participação direta na elaboração dos documentos. Há muitos outros que subscrevo, alguns estão na hashtag criada a meu pedido: #‎queroajudarabnccmeconvidaministro, outros tiveram imensa difusão (felizmente!). Destaco três: o texto do Professor Pedro Paulo Funari, intitulado “A História em sua integralidade: a propósito da Base Nacional Comum Curricular”, datado de 17 de fevereiro de 2016; a manifestação da ANPUH, datada de 10 março deste ano, e a Nota elaborada pelos Professores de História da UERJ, de 22 de junho último. Mas não fui elevada à condição de porta voz de ninguém, até pensei em consultar colegas, mas achei que seria muita arrogância me oferecer para representá-los ou sugerir um protagonismo.
Quero deixar claro que não estou me oferecendo para o emprego de “consultora”. Infelizmente, eu nunca descobri os critérios que pautaram a escolha das equipes... Posso dizer, porém, que a área de História Medieval tem especialistas brilhantes, pessoas de grande expressão em nosso país e fora dele, expressão bem maior que a minha. Não fui tomada de falsa modéstia, eu sou historiadora, não temo a verdade. Esses colegas integram núcleos e laboratórios prestigiadíssimos. Devem ser convidados e devem ser ouvidos. Eles têm o que dizer.
Se eu acho que fui chamada a Brasília para “fazer parte da foto”, com tudo o que isso tem de importância simbólica? Acho que sim, mas sou muito crítica em relação à minha “importância” e, se for esse mesmo o caso, minha presença na foto não é grande coisa. 
Em 4 de maio último, publiquei um desabafo sobre a segunda versão da BNCC no meu perfil do FB, ressaltando que me sentia muito desconfortável em criticar o documento no momento político em que vivíamos, pois temia que minha militância acadêmica fosse confundida com a adesão aos projetos do governo interino. Naquela ocasião, afirmei ser aquele o último texto que escrevia sobre o assunto. Afirmei ainda que não tinha mais energia.
Só que enquanto trocamos de ministros, e já são três desde a publicação da primeira versão da BNCC[1], a Base é elaborada. Enquanto eu temo a confusão entre assuntos diferentes, esse projeto prossegue cheio de equívocos e questões sem respostas. Eu poderia fazer uma oposição de gabinete e retirar o meu time de campo, dado o contexto. A “necessidade” da Base, porém, paira acima de qualquer crise ou mudança política..., isso me choca e me põe em alerta. Se eu acho que minha ida a Brasília vai me esclarecer/vai nos esclarecer? Acho que não, mas faço esse gesto com a certeza de que minhas motivações são legítimas: a defesa da formação das crianças e adolescentes e a defesa de minha área, que é essencial para essa formação (entregarei ao Ministro textos meus que falam das razões pelas quais acredito na importância de Antiga e Medieval).
Se por algum acaso esta carta vier a ser lida por pessoas que suspeitam que toda a minha motivação seja na verdade a defesa de uma educação tradicional ou que luto para preservar o meu “mercado”..., vou convidar o leitor de ocasião a buscar nesse blog tudo aquilo que entregarei ao Ministro sobre o tema: os textos que contemplam parte do meu pensamento sobre a formação das crianças e jovens. Talvez depois da leitura fique claro que não acho que História Medieval e mercado sejam vocábulos facilmente conciliáveis na frase... Acho mais pertinente: História Medieval e feira da Champagne! Todo mundo percebeu que faço graça, que brinco com as palavras e seus sentidos?...
Alunos, professores, amigos, colegas, minha família, com essa carta não dou satisfação, nem peço opinião. Sei que os tribunais de um só, dos pequenos grupos, protegidos pelas telas do computador, estão aí para fazerem seus julgamentos... Muito embora eu respeite as opiniões diferentes da minha, muito embora eu as requeira em vários momentos, já tomei a minha decisão. Vou. Essa carta é um esclarecimento público, pois sou uma servidora pública e uma intelectual que acredita na necessidade de assumir posições claras.
Eu espero ter mais de trinta segundos..., mas se não tiver, entrego o dossiê de qualquer jeito e até na marra, correndo o risco de uma selfie imprevista. Ai, meu São Bernardo de Claraval, proteja-me!!!

Marcella Lopes Guimarães


Apêndice:

O material que vou entregar será introduzido por um índice comentado e pela sintética contextualização abaixo:

Em setembro de 2015, o Ministério da Educação publicou a versão preliminar da BNCC. Logo de saída, o então Ministro da pasta, Prof. Renato Janine Ribeiro, ressaltou o caráter preliminar da redação, não sem fazer críticas ao documento, afirmando que ele não fora elaborado pelo MEC, mas por consultores. O problema fora exposto: como foi formada a equipe que elaborou um documento dessa magnitude? Com a publicação da primeira versão, a consulta pública começou. O ministro mudou e núcleos de pesquisa, a ANPUH e pesquisadores individualmente manifestaram-se. O mais evidente problema na área de História foi o corte de Antiga e Medieval. Logo, medievalistas e antiquistas brasileiros descobriram que nenhum especialista das áreas fora convidado para a equipe de consultores. Sendo as áreas de Antiga e Medieval constituídas no Brasil, integradoras da formação dos professores de História, apoiadas pela Capes e pelo CNPq e reconhecidas internacionalmente, novas questões surgiram: por que o corte? Que motivos científicos fundamentaram a supressão? A mais rápida passada de olhos pela historiografia do século XX vai demonstrar que medievalistas foram protagonistas nos grandes debates teóricos e metodológicos dessa ciência chamada História... O então Ministro Mercadante veio a público para garantir que o documento seria revisto.
Outras áreas constituídas também sofreram cortes que jamais foram explicados. A sociedade brasileira reagiu e colaborou quantitativa e qualitativamente. Foram cerca de dez milhões de colaborações. Só na área de História mais de um milhão! Em maio deste ano, a segunda versão da BNCC foi publicada e qual não foi a surpresa ao ver que as áreas de Antiga e Medieval voltaram? Voltaram, entretanto, em bases completamente ultrapassadas... Uma outra equipe fora chamada a redigir essa versão, então repetiu-se o velho questionamento: como a “nova” equipe foi formada? E surgiu outro, diante do resultado que apresentaram: as colaborações qualificadas foram apreciadas?
As universidades formam os professores que vão trabalhar com a BNCC, porque seus maiores especialistas, os núcleos e as áreas específicas de conhecimento foram alijados do processo de elaboração do documento?

Documentos citados:
  • Texto do Prof. Funari: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/relatorios-analiticos/pareceres/Pedro_Paulo_A._Funari.pdf
  • Nota da ANPUH de Março deste ano: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/3352-manifestacao-publica-da-anpuh-sobre-a-base-nacional-comum-curricular
  • Nota da UERJ: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/diversas/item/3574-nota-sobre-a-segunda-versao-da-bncc




[1] Fora aqueles que efetivamente articularam a sua elaboração: Cid Gomes, Paim?...

4 comentários:

  1. Marcella, parabéns pela sua iniciativa. Admiro sua conduta!

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  2. Obrigada por ter compreendido esse meu gesto. Beijos!

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  3. Parabéns professora. Precisamos de pessoas como você que se posicionam e se colocam a disposição para mudar as coisas.

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    1. Meu querido Marcelo, obrigada por sua leitura e apoio!

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