sexta-feira, 28 de agosto de 2015

terça-feira, 25 de agosto de 2015

O segredo é que não tem mistério algum – crônica da vida acadêmica

Esta semana resolvi matar uma curiosidade: contei quantas bancas eu tinha integrado – entre mestrado, doutorado e qualificações de ambos. Excluí as bancas de TCCs, EVINCIs e concurso. Foram 66 (73, contabilizando-se as bancas de meus orientandos, excluídas as qualificações deles), entre bancas das áreas de História (maioria) e Letras. Até o fim desta semana, aumento a conta. O resultado do meu cálculo me fez pensar nas coisas que venho dizendo ao longo dos últimos 10 anos (minha estreia foi em 2005). São inumeráveis as particularidades, daí a graça, mas o que se repete tem sido TÃO repetido, que resolvi rabiscar algumas notas. Em primeiro lugar, se estive em sua banca, não pense que esse texto é para você, não pense que reuni aqui todos os seus defeitos. Se ainda vou estar, acalme-se, dá tempo de ajeitar! Se é meu orientando ou orientanda, não despreze o texto, pelo tanto que já buzinei essas recomendações no seu ouvido, afinal, eu continuo corrigindo algumas coisas que vivo falando, também para você...
Faça SUMÁRIOS! Desenhe a pesquisa em sua mente, mas não considere que seu primeiro sumário é tão precioso assim que não pode ser mudado. Ele deve ser alterado! Quando a gente pesquisa, parte de hipóteses e elas podem ser confirmadas na nossa labuta ou não. Portanto, o caminho também muda:

Que tristes os caminhos, se não fora
A presença distante das estrelas!
(Mário Quintana)

Eu conheço muita gente que escreve a INTRODUÇÃO no final do trabalho. Essas pessoas alegam que precisam saber onde vão chegar para preparar o leitor corretamente. Eu não sou assim. Eu escrevo primeiro a introdução e esse exercício organiza a minha escrita. É claro que volto a esse texto depois do trabalho pronto, para fazer os ajustes. Na verdade, eu volto muitas vezes para não me perder. O que precisa ter em uma introdução? Veja acima que a maioria de minhas bancas e orientações foram e são na área de História, então se você é de outra área, escreva-me, faça comentários que eu respondo. Levando em conta a minha experiência, sua introdução tem de esclarecer qual é o problema que a dissertação ou a tese quer resolver! Sua questão (ou questões) deve ser clara, afinal é resultado de reflexão, de experiência no tempo! Outra coisa: CUMPRA AS PROMESSAS QUE FEZ NA INTRODUÇÃO! Se perdeu as promessas pelo caminho, é porque esqueceu seu compromisso...
Apresente suas fontes ao leitor, mesmo que vá construir um belíssimo capítulo com a discussão dos documentos (aliás, isso é muito bom!). Fale sumariamente sobre as edições usadas; suas escolhas teóricas e historiográficas; apresente sua metodologia e descreva as partes que constituem a dissertação ou a tese.
Eu gosto muito quando a introdução inclui o autor, sua trajetória, as hesitações da pesquisa..., mas não fique se lamuriando! Tudo bem que o desafio é parte constitutiva da pesquisa, mas lembre-se de que ninguém te obrigou a escolher o objeto, ninguém te mandou aprender sânscrito, grego clássico, árabe... foi você quem quis! Se você quer trazer a dificuldade, revele também como fez para vencê-la!
Existem pessoas que não gostam de picotar os textos em subitens. Ok para elas, mas atenção: não se perca por aí. Uma dissertação e uma tese são textos que possuem uma linguagem própria e estrutura ampla o suficiente para caber a novidade, mas não escancarada a ponto de se descaracterizar. Não ache que o texto é incapaz de abrigar a sua genialidade..., cabe sim e cabe a nossa humildade frente ao conhecimento.
A estrutura de uma dissertação ou tese precisa dar conta de desenvolver a resposta ao problema. Existe o velho esquema (de que gosto cada vez menos, mas tudo bem): contexto, apresentação das fontes, dos seus autores e resposta à questão. Mas você pode fazer diferente, dependendo do problema, dos documentos, dos métodos! Um detalhe sobre a escrita do contexto: antes de rechaçar esse exercício, lembre-se de que, se ele parece monótono, é porque o autor, ou seja, você..., está refletindo pouco sobre a apresentação da pesquisa história e ela é tão importante quanto a sua conclusão bombástica. Desafie-se!
Não guarde todas as novidades para a conclusão. Não mortifique o leitor prometendo revelar o segredo no último capítulo. Por acaso você é Agatha Christie? Se gosta do gênero, guarde o procedimento para um romance. Sabe por que implico um pouco com aquele velho esquema, acima mencionado? Porque ele guarda a resposta para 1/3 da dissertação ou tese! Acho injusto. Tudo em seu trabalho é importante! Traga os documentos para a primeira página, faço-os falar, dê-lhes vida, leve o leitor pela mão desde sempre. Aliás, realce no texto quando tiver chegado a um aspecto fundamental. Valorize-se!
NÃO FAÇA PARÁFRASES! Se tiver de citar alguém, abra aspas e traga a voz do outro para figurar em seu texto, identificando-o com uma nota. Não tema citações longas. Se elas são necessárias, ok, mas você deve explicar por que a longa citação é fundamental ali. Deve mediar a colaboração da voz do outro em seu texto. Eu só vejo uma razão para aquela nota solta, sem aspas, ao final de uma frase ou parágrafo: você se lembrou de alguém que também pensou a respeito do tema e quer mostrar que leu essa contribuição. Ótimo! Erudito! NUNCA pegue o que o outro disse e salpique com palavras suas...
Cuide da revisão! Não ache que, porque tem 30 dias para entregar a versão final depois da defesa, está autorizado a distribuir para a banca um texto desleixado. Isso é desrespeitoso. Todo mundo entende uma gralha aqui e ali, mas não dá para largar orações subordinadas sem oração principal a cada 3 páginas, desprezar a concordância, a regência... Não incluí a crase, muito embora...
Não se considere incompreendido em sua genialidade porque seu orientador mandou (sim, esse verbo existe) você cortar 40 páginas do texto. Eu cortei 30 e vivi 3 anos com artigos extraídos desse corte. Fiz muita coisa legal com páginas que NÃO cabiam na tese, ou seja, que não tinham nada a ver com o problema a que me propus.
Mencionei o orientador e queria encerrar com ele. Detalhe: você o escolheu. Mais uma vez: VOCÊ O ESCOLHEU. Quando estiver no auge da crise, pergunte-se: POR QUÊ? Porque CONFIOU nele. Essa confiança inclui diálogo franco (nem preciso dizer que de ambos os lados, afinal, trata-se de diálogo). Não suma!!! Converse com seu orientador. Fale sobre suas dificuldades e, juntos, vocês encontrarão maneiras de resolver os problemas. Fale sobre suas descobertas, sobre seu desejo de ousadia. Juntos, vocês encontrarão o meio termo necessário entre as exigências da dissertação ou tese, sua ousadia, as respostas provisórias (são sempre assim) e a novidade!

 
















PS.: Reparou que me referi sempre ao leitor e só uma vez à banca? Tenha a ambição de ser lido e bem lido por mais pessoas! Não imite o hermetismo dos outros. Minha experiência me ensinou que ele é a máscara dos medíocres.

quinta-feira, 20 de agosto de 2015

Dica de leitura!

Divulgo entre meus visitantes mais um número da Revista Diálogos Mediterrânicos!
http://www.dialogosmediterranicos.com.br/index.php/RevistaDM/issue/current
Bos leitura!
Capa da revista

sábado, 15 de agosto de 2015

Leitura inacabada - crônica e palpite

Um dia, eu vou escrever uns Cadernos, com resenhas de leituras incompletas. Como assim? Vou reunir as coisas que penso enquanto leio, movida pelo toque na página e pela repetição de uma frase que me seduz, quando o que falta é ainda enorme e mistério. Vou escrever de olho no que já li, esquecida do que falta. De frente para o abismo.
Um treino: Joanot Martorell tem me levado na conversa, a mim e ao Vargas Llosa, com as aventuras de Tirant (Tirant lo Blanc). Fui aos banquetes, enxuguei o sangue das lutas que salpicou meu pijama e fiquei inebriada com a beleza de Carmesina. Estava ela de luto, protegida por cortinas, entregue à sua intimidade, tanta que tinha a blusa aberta...  Tirant é tomado. Descontrola-se, normal nele...  Um exagerado do século XV! Não ignora que é uma senhora de alta linhagem – Princesa de Constantinopla!, acima dele... Quando pensa em homenageá-la com um presente, o que escolhe?
O QUE ESCOLHE?
O QUÊ?...

UM LIVRO! Pronto! Fisgada... eu! Joanot Martorell, eu e o Vargas Llosa, na sua conversa...


sábado, 8 de agosto de 2015

Uma confusão de sentidos - crônica

A leitura d’A Fisiologia do gosto de Brillat-Savarin tem me levado a prazerosas associações. Ao conversar com minhas alunas sobre os seis sentidos – sim, porque há genésico, do amor físico que impele os sexos “um para outro”, pensei no poema de Almeida Garrett, “Os cinco sentidos”. Nesse poema maravilhoso para dar (ou para se declarar) a quem se ama, o poeta aborda cada sentido, em particular e em separado:

São belas – bem o sei, essas estrelas
Mil cores – divinais têm essas flores;
Mas eu não tenho amor, olhos para elas;
Em toda a natureza
Não vejo outra beleza
Senão a ti – a ti!

Divina – ai! Sim, será a voz eu afina
Saudosa – na ramagem densa, umbrosa.
Será; mas eu do rouxinol que trina
Não oiço a melodia,
Nem sinto outra harmonia
Senão a ti! – a ti!

Mas as interjeições e as repetições de fim de estrofe – um velho eco das cantigas medievais de refrão? – ameaçam o esquematismo e apontam para a confusão dos sentidos, onde julgo encontrar a “pequena morte” de Bataille:

A ti! Ai, a ti só os meus sentidos
Todos n’um confundidos,
Sentem, ouvem, respiram;
Em ti, por ti deliram.
Em ti a minha sorte,
A minha vida em ti:
E quando venha a morte,
Será morrer por ti.

Se Garrett tivesse lido Savarin teria se confundido?
“Seus” sentidos me levam a um poema que costumo recitar. Trata-se de “De tarde” de Cesário Verde. Tudo parte de um pic-nic, em que “houve uma coisa simplesmente bela”: uma mulher se livra da sua montaria para colher flores. Gesto sem aquarela, se não fosse o seu desdém pela etiqueta da cidade... Ora, seu desprezo às “imposturas tolas” a faz descuidar-se do decote:
Mas todo púrpuro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!

Há nesse poema a beleza do decote, daquilo que ele mal esconde..., mas o que me embriaga é mesmo a confusão entre o paladar e a audição: degustar e ouvir um dos versos mais bonitos da Língua Portuguesa – “A um granzoal azul de grão de bico”! A culpa é desse som fricativo, portanto demorado, que se produz com a ponta da língua. Tão bonito quanto ele é “O mar protesta contra não sei quê” de Miguel Torga, em que os fonemas oclusivos me põem diante da violência das ondas contra qualquer coisa que se lhes oponha.

Viro as páginas de Savarin, é tarde já. Seus convites me levaram à degustação de versos que ele não leu por impossibilidade histórica. Na meditação 17, encontro o repouso: “[ele] conduz ao sono, e o sono produz os sonhos”, ao “granzoal azul”...