segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

O clube do livro de Marechal Cândido Rondon (PR) leu "Eu sou Malala" e conta para nós como foi!

Uma das grandes razões de LITERISTÓRIAS existir é compartilhar impressões sobre livros. Outra, sobre filmes! Mas nesse ano e meio de existência, tenho sido premiada com a colaboração espontânea (ou não... rsrsrs) de amigos, sobre diversos temas: sobre suas pesquisas, suas atividades profissionais e sua arte. Em 1º de agosto de 2016, publiquei um texto de Elaine Cristina Senko sobre o clube do livro de que ela faz parte na cidade de Marechal Cândido Rondon (PR). Ora, o tema CLUBE DO LIVRO já rendeu muito aqui também, afinal ainda estamos a ler Em busca do tempo perdido de Marcel Proust!
Desta vez, Elaine e uma amiga querida, Natânia Silva Ferreira, relatam brevemente suas impressões de leitura da autobiografia da jovem Malala Yousafzai e do filme sobre a sua vida. Mais uma reflexão sobre o gênero biográfico, em comemoração às mais de 100.000 visualizações em LITERISTÓRIAS!

Obrigada, queridas!

     Estudando por onze anos o tema do islamismo seja através da pesquisa ou através da atividade docente, poucas vezes ouvimos o relato de uma criança sobre a vida atual nos países do Oriente. Através de um momento trágico para uma criança, como foi para Malala, caracterizamos duas reflexões, uma que foi o ápice de um movimento destruidor contra os princípios pacifistas do islamismo e outra do despertar de um movimento pela educação feminina ultrapassando até as balizas de idade. Enfim, através do livro de 2013 Eu sou Malala e do filme de 2015 “Malala” podemos ter fontes autobiográficas sobre o tema.
     A luta pela educação é permanente no caso de Malala e nos faz acreditar como através dela podemos ser agentes sociais transformadores. Um dos aspectos que chamam a atenção no caso dessa jovem paquistanesa – para além da sua bravura – é a lembrança de que o islamismo é pacifista e de que os terroristas distorcem violentamente os princípios dessa fé. Apesar da tragédia que se abateu sobre Malala, ela continuou (e continua) forte e com ideais humanitários ainda mais claros.
     Destaca-se tanto na obra escrita quanto no filme a pertinência da formação intelectual do pai de Malala e seu anseio por melhorar a sociedade com a educação. A fundação de uma escola crítica inspira desde cedo Malala. Alimentada por saberes, cria uma esfera de combate contra a ignorância e a maldade imposta pelo talibã; combate ao confinamento das ideias propostas pelo grupo terrorista que resulta não só em submissão, mas em contra-ataque crítico. Percebemos também a defesa da cultura que não apenas está restrita ao protecionismo do Ocidente ou pela ameaça de não retorno, mas que nos comove pela função identitária. Acreditar no mundo de Malala é também acreditar na função social da educação, bem exemplificada na frase dita por ela: “Uma criança, um professor, um livro, uma caneta...”!
     Nessa afirmação de Malala encontramos respostas que realmente são capazes de gerar reflexões profundas no mundo: uma adolescente, Malala, com 15 anos de idade, lutou com bravura pelo direito à educação feminina; seu pai, um professor, ao criar uma escola mista, agiu de forma a tentar melhorar a qualidade de vida de outras crianças e de seus próprios filhos; um livro e uma caneta foram instrumentos usados por Malala para que o mundo soubesse de sua história inspiradora.
     O filme e o livro dão relevância para a questão da família, com lembranças do matrimônio dos pais de Malala. Chamam atenção as falas de seu pai no que diz respeito à mãe de Malala, quando ele comenta que os dois se completam: quando se conheceram, a mãe de Malala tinha 14 anos de idade e, enquanto o pai possuía uma formação cultural acadêmica, a mãe possuía beleza... A forma como o pai de Malala se expressou pode soar, para nós do Ocidente, numa diminuição da mulher, que possuía apenas beleza. Vale ressaltar, porém, que avançar nos estudos ou alcançar determinada formação não eram possibilidades muito exequíveis para as mulheres naquele contexto do islamismo paquistanês. Apesar disso, mesmo fazendo parte daquele cenário, os familiares de Malala não a privaram da educação e da liberdade. Liberdade que a menina ressalta nas obras, ao mencionar que, numa família de sua nação, seria comum que ela, além de não seguir nos estudos, já estivesse talvez casada e com filhos, mesmo na idade de 15 para 16 anos.
     A formação de seu pai permitiu que ele soubesse da importância da educação para o desenvolvimento dos filhos. A força e incentivo positivo da mãe de Malala também foram fatores importantes – pois dentro da cultura islamita daquele contexto específico, o papel da mãe de Malala poderia ter sido o de desestimular a filha em todos os assuntos voltados para a emancipação feminina no que diz respeito à educação.
Depois do atentado contra Malala, a família se mudou para a Inglaterra e ela está estudando, construindo uma história diferente de muitas das mulheres de seu país de nascimento construirão.

Elaine Cristina Senko e Natânia Silva Ferreira.

Sobre Elaine, peço aos leitores que evoquem o texto “Um clube do livro em Marechal Cândido Rondon – relato de experiência”. Já sobre Natânia, ela é doutoranda em História Econômica pela Unicamp, mestra em História Econômica pela USP e graduada em Ciências Econômicas pela UNIFAL-MG. Para conhecer suas pesquisas, recomendo:
http://buscatextual.cnpq.br/buscatextual/visualizacv.do?id=K4496326H2
Sobre Malala, evoco o discurso na ONU: https://www.youtube.com/watch?v=PLKpqajRruQ


Eis o clube do livro de Marechal Cândido Rondon. Alguma dúvida de que ler une as pessoas? Natânia é a primeira jovem à esquerda, sentada à mesa, e Elaine, a jovem de pé, mais alta.

segunda-feira, 20 de fevereiro de 2017

Uma chef na academia: deliciosas trocas culturais, por Ana Cláudia Spengler

Há uma semana, convidei minha ex-aluna Ana Cláudia Spengler[1] para escrever um texto para Literistórias, sobre a sua experiência de ter sido aluna da disciplina História e Cultura da alimentação, disciplina oferecida ao curso de Nutrição pelos historiadores..., sendo ela – Ana – não aluna da UFPR, mas membro da comunidade externa e chef de cozinha renomada no sul do Brasil! Meu convite não teve nada a ver com um desejo de fazer propaganda da disciplina que, por muitos anos foi ministrada pelo grande especialista da área, o saudoso Prof. Dr. Carlos Antunes, e que depois de sua morte em 2013, passou a ser oferecida por mim, requisitada por mim na rodada de encargos do DEHIS. Na verdade, depois de um semestre confuso – o 2º de 2016 -, eu fiquei com vontade de saber mais sobre a importância de acolher membros da comunidade externa à Universidade nas minhas disciplinas; em saber do impacto dos textos, da convivência e das amizades sobre pessoas que estavam há algum tempo um pouco afastadas dos bancos escolares e que encararam a volta; em saber por fim o que a querida Ana levava para casa de um semestre intenso, cheio de trocas culturais bacanas ali no nosso microcosmo, rodeado, entretanto, pelo desentendimento e pela cizânia geral. Eu agradeço muito o tempo que ela empregou na escrita desse texto que li, em lembrança do seu sorriso, do seu jeito alegre de ser; na lembrança do acolhimento que recebi (que a turma inteira recebeu!) em sua casa, ao lado do amor de sua vida, o querido André[2], em meio às delícias que suas mãos são capazes de preparar!

Então, queridos leitores, bon appétit!

Uma chef na academia: deliciosas trocas culturais

Quando me inscrevi na disciplina História e Cultura da Alimentação nunca imaginei quantos horizontes seriam abertos e nem o quanto eu seria provocada por aquelas aulas. Temas relacionados com história e gastronomia sempre estiveram presentes na minha formação e no meu trabalho, mas acabavam chamando minha atenção de outra forma; era mais um prazer, quase um passatempo – delicioso e cheio de conteúdo, não vou negar. Boa parte da bibliografia da disciplina já estava ali na minha estante, e eu já havia lido boa parte deles, com um interesse curioso, mas não o de um estudo aprofundado.

Mas, então, o que estaria fazendo uma chef de cuisine na academia? E não estou me referindo aqui à academia de ginastica, evidentemente, porque seria uma contradição!
(tenho um amigo que sempre diz que não confia em cozinheiro magro)

Na graduação (sou bacharel em Gastronomia pela Univali) tive o meu primeiro contato com a história da alimentação (isso lá no final do milênio passado). Diria que foi um despertar. Primeiro para a própria disciplina “História” em si – sou do tempo da LBD de 1971, em que o ensino de humanidades ficou em segundo plano – e, depois, pela história da alimentação, diretamente. Mas era um tempo onde os artigos eram escassos, pra não dizer inexistentes, e muitas das publicações se baseavam em lendas misturadas a conteúdos de fundamento histórico.

No início das suas aulas, sentimentos múltiplos me acompanharam. O encantamento que o aprendizado traz, a sensação de “poder dominar o mundo” que chega junto com o entendimento e a compreensão... Começamos pelo Egito antigo. Tudo era distante e, ao mesmo tempo, tão palpável, tão “óbvio” sob aquele olhar! Fiquei igual criança quando aprende a ler.

Agora vejo, porém, que meus interesses giravam em torno de uma época apenas, e um local: o início do século XIX na França. A cerimônia em torno da refeição, a etiqueta (ou a falta dela) à mesa e tantos assuntos afins que me encantavam estavam todos ali, naquele momento histórico. Talvez isso acontecesse por causa da atração que sempre tive pela gastronomia francesa, a corte onde ela era tão importante e fértil, ou, talvez, pela oferta de publicações narrando esse período – ou, mais provavelmente, uma junção dos dois fatores.

Assim, paralelamente aos textos de “leitura obrigatória” para nossos encontros, revisitei as biografias e obras dos meus grandes ídolos – Carême, Brillat-Savarin, Grimod de la Reynière – agora interessada na História por trás das histórias. Ah, como foi esclarecedor reler meus preferidos sob a ótica do historiador! Foi um semestre e tanto! Não consegui acompanhar tudo... a vida pulsante batia na porta (e na cara) a cada evento, a cada treinamento, a cada preparo. E eu ali, querendo ler mais, descobrir mais...

Que sufoco! Cheguei a pensar que essa “vida dupla” era impossível. Perdi muitas aulas – que aconteciam às sextas-feiras, dia de ouro dos eventos – e sofri um pouco até aceitar que eu não precisava aprender tudo de uma vez. Nessa corrida contra o tempo, querendo abraçar o mundo, me via sem tempo de ler e comprando mais livros, baixando mais arquivos com textos e tentando de todas as formar “comer” todas aquelas informações.

E agora? Passada a angústia da impotência (conteúdo X tempo), digerida essa experiência, penso mais em como o conhecimento dos hábitos antigos e a riqueza da diversidade na alimentação dos diferentes povos e épocas nos fazem refletir sobre a nossa relação com a comida – que é a essência da gastronomia.

Percebi que, do ponto de vista da história da cultura, a atividade cotidiana em cada época é tão importante quanto os grandes eventos, porque nos aproxima do chamado “espírito do tempo” por meio do conhecimento da vida das pessoas comuns. Nesse contexto não é difícil imaginar a importância que a gastronomia tem para a história da cultura, sendo um elemento fundamental da cultura dos povos. Assim, fomos agraciados com uma quantidade imensa de publicações acerca do assunto. 

Diante de tantos assuntos interligados e tantas descobertas fundamentadas e estudadas, vejo um grande campo de pesquisa onde historiador e gastrônomo podem colaborar, unindo conhecimentos técnicos de cozinha com a pesquisa e interpretação das fontes, documentos, receitas, ingredientes, utensílios.

Por outro lado, nos dias de hoje, em que as pessoas almoçam fast food e “jantam no sofá”, todo empenho em trazer toda a nossa atenção para o ato de comer nos ajuda a restabelecer a importância dos hábitos à mesa no desenvolvimento humano. Por esse motivo, considero que a gastronomia tem seu lugar no rol das disciplinas essenciais ao progresso da sociedade e não simplesmente um capricho da elite.

Ana Cláudia Spengler

Detalhezinho: Quem levou Ana Spengler para a UFPR foi Bruna Michelin, minha ex-aluna dos tempos de Escola Palmares. Na época, éramos meninas: ela literalmente; eu uma menina grande... rsrs Quem tem alunos fiéis não morre pagão! Obrigada, Bru!

Ana! Não preciso escrever mais nada a respeito dessa imagem tão linda.


[1] Para conhecer mais o trabalho de Ana Spengler:
Todo mundo vai ficar com água na boca!!!!!
Para conhecer mais o pensamento de Ana sobre a alimentação e gastronomia no presente: https://www.youtube.com/watch?v=-ts0X52hBlk&t=159s
[2] Prof. Dr. André Ricardo de Souza (UNESPAR – Bacharelado e Licenciatura em Música e Teatro).

segunda-feira, 13 de fevereiro de 2017

Literistórias entrevista o poeta marabense AIRTON SOUZA. Confira!

Airton Souza nasceu em Marabá, no Pará, em 23 de março de 1982. É um ano mais novo que minha irmã caçula e por 3 dias não é do signo de peixes, igual à minha mana. Poeta e professor, possui 27 livros publicados. A formação de Airton está entre a História e as Letras. É licenciado em História, pós-graduado em Metodologia do Ensino de História, licenciado em Letras – Língua portuguesa, pela UNIFESPA – Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará e Mestrando em Literatura pela UNIFESSPA. É membro de diversas academias de Letras e instituições literárias, entre elas a ALSSP – Academia de Letras do Sul e Sudeste Paraense, cadeira nº 15, patrono o poeta Max Martins. Possui uma intensa atividade voltada à promoção do livro e da leitura, como a realização de saraus e encontros literários entre escritores e leitores.  Já venceu prêmios literários importantes, entre os quais se destacam: menção honrosa no Prêmio Proex de Literatura, Prêmio Cannon de Poesia, menção honrosa no Prêmio LiteraCidade, com o livro Face dos disfarces, primeiro lugar no Prêmio Dalcídio Jurandir de 2014, um dos mais importantes da Estado do Pará, com o livro de poemas Ser não sendo, um dos vencedores do IV Prêmio Proex de Arte e Cultura, com o livro de poemas manhã cerzida, em 2015 venceu prêmios literários importantes, entres eles o III Prêmio de Literatura da UFES, promovido pela Universidade Federal do Espírito Santo, com o livro de poemas Cortejo & outras begônias e o Prêmio Nacional Machado de Assis, promovido pelo Canal 6 Editora, de São Paulo.
Airton é casado com Leonice Souza e pai de Leonardo Souza. A imagem que escolhi para esse post foi feita por Leonardo, que captou o pai em entrevista concedida ao grupo RBA, afiliada a Band, sobre a fundação da Academia de Letras do Brasil e sua importância para a região do Sul e Sudeste do Pará. Eu tenho particular afeição pelas imagens que minha filha faz de mim... e como Airton me deixou escolher, acho que vai aprovar a minha escolha!

LITERISTÓRIAS: Airton, o que é a Barraca Literária?
Airton: Bem, a Barraca Literária nasceu como Tenda do Escritor Marabaense, que visava integrar uma rede de autores de Marabá, para em uma tenda nas praças públicas da cidade expor seus livros e, sobretudo, promover a venda desses livros. A ideia não funcionou porque os autores não participaram ativamente da Tenda. Desse projeto, surgiu então a ideia de criar a Barraca Literária, que já vai completar dois anos em atividade. Trata-se de uma barraca onde exponho todos os livros que publiquei para vender nas praças de Marabá aos domingos e feriados. Apesar de cumprir uma função mais comercial, não deixa de ser um espaço para mostrar a produção literária de mais de 16 anos de publicações, que resultou hoje em mais de 26 livros publicados e diversas antologias organizadas.
Existem outros projetos que coordeno, entre eles está o Projeto Tocaiunas que é hoje o maior projeto de literatura independente da Amazônia. Já conseguimos publicar mais de 45 autores, com a tiragem dos livros que ultrapassou os 16 mil exemplares. Livros que são comercializados a R$ 5 e que têm o formato bolso. Tudo pensado para incentivar a produção literária e principalmente a leitura, por meio do livro acessível, de baixo custo.

LITERISTÓRIAS: Airton, fale um pouco sobre a poesia de Marabá. Existe uma poesia “de Marabá”? Fale um pouco sobre o seu trabalho como organizador de antologias.
Airton: Na verdade o que estamos criando por aqui, por meio de diversos projetos é um coletivo, que visa além de valorizar a produção dos autores de Marabá, buscar mostrar que Marabá é um espaço onde existe literatura. Nossa terra ficou muito conhecida pelo alto índice de violência, principalmente na década de 80 em diante, devido aos fortes ciclos econômicos existentes por aqui. Na década de 80, por exemplo, tínhamos em nossa geografia a maior jazida de ouro a céu aberto do mundo, o Garimpo de Serra Pelada.
Se fôssemos mapear a literatura marabaense e aferir quantos autores estão publicando, acho que hoje estaríamos com certeza com um número que chegaria a ultrapassar cem, o que é um número expressivo levando em consideração diversos aspectos, entre eles: as condições culturais e econômicas, ou seja, grande parte das publicações é independente, custeada pelos próprios autores, pois não há incentivo algum, por se tratar de um espaço em que a violência ainda é muito latente, além de estarmos em um espaço periférico do país e onde a leitura, por parte do poder público, nem de longe parece ser prioridade.
Como organizador de antologias, eu criei um projeto anual que denominamos de Anuário da Poesia Paraense, que tenta publicar um grande número de poetas paraenses; a antologia Mandala que é uma publicação nacional, aberta para poetas do país inteiro e diversas antologias resultantes das oficinas que de vez em quando ministro em escolas públicas da cidade de Marabá.

LITERISTÓRIAS: Airton, você é um poeta premiado. Qual é a importância dos prêmios literários, em geral, e para você, em particular?
Airton: Eu sempre procuro enxergar o lado bom dos prêmios literários. Só para constar, antes de vencer um dos principais prêmios de literatura do Estado do Pará, que é o Prêmio Dalcídio Jurandir, diversos poetas nunca tinham falado comigo. Ao vencer o prêmio, até essa relação mudou. Mas, para falar a verdade, eu encaro os prêmios literários por duas ópticas, que são elas: resistência e oportunidade. Entendo sempre os prêmios literários como o nosso espaço de resistir e existir e como uma grande oportunidade de colocar nosso trabalho à prova de outros olhos e sentimentos.
Quando eu chego a vencer um prêmio literário eu sempre coloco entre meu nome o de minha terra. É sempre uma vitória minha, em particular, e de minha cidade, que acaba também por ganhar uma notoriedade. Também os prêmios literários, às vezes me fazem acreditar que somos capazes de algo. Não que seja para mim o essencial, vencer prêmios, pois, por incrível que pareça, nunca me inscrevi em um prêmio literário confiante de que seria vencedor, sempre penso no pior (muitos risos).
Mas eu estou convicto de minha literatura. Gosto do que estou escrevendo nesse momento. Por isso, nenhum prêmio literário me fará mudar o caminho ou me motivará a escrever fora de minhas convicções literárias.

LITERISTÓRIAS: Airton, você é um leitor voraz. Quais são os seus poetas?
Airton: Eu vivi uma história triste com a leitura. Uma das mais tristes histórias que se possa imaginar. Só para ser ter uma ideia, no tempo em que eu estudei, isso até o segundo grau, nem mesmo meus professores tinham livros didáticos para trabalhar. Lembro que lá no ensino fundamental, por exemplo, grande parte de meus professores tinha os assuntos escritos em cadernos, tipo brochuras, e olha que nem sou tão velho assim. Mas, foram tempos difíceis, em que meus pais não tinham a possibilidade de escolher entre comprar ou não livros para nós. O que ganhavam trabalhando compravam milharinas para fazer cuscuz para as jantas e café da manhã e carne, feijão, farrinha e arroz para o almoço.
A minha história com os livros e essa postura que me possibilitou a tornar-me um leitor só seu deu perto de meus 30 anos de idade e, por isso agora o que faço com a leitura é pelo menos tentar correr atrás do prejuízo pelos longos dias sem ter a oportunidade de ler. Por isso mesmo, leio cerca de três a quatro livros de uma vez. Eu reconheço que preciso correr atrás desse prejuízo. E, não só por isso, mas principalmente porque a leitura hoje é um vício em minha vida.
Quando você me pergunta quais são os meus poetas, eu preciso responder que são todos, assim como são todos os romancistas, os contistas, os escritores de livros infantis, o livro de um modo geral. Eu procuro tirar de minhas leituras coisas para os dias de minha vida. Procuro aplicar o que leio em minha vivência no mundo. Na leitura encontro as respostas de que necessito para viver.

LITERISTÓRIAS: Airton, complete esse desafio: fazer poesia no Brasil é ...
Airton: Eu costumo dizer que a poesia se tornou, na história da literatura brasileira, uma espécie de margem, isso em relação aos demais gêneros. Já ouvi professores de língua portuguesa dizerem que não gostam de ler poesias, pelo simples motivo de não entender nada. Acho que eles não aprenderam a lição essencial para quem quer realmente ler poesia: não é no sentido que está o segredo, mas no sentir. Até mesmo na repulsa ao ler qualquer poema está a verdadeira chave do sentido da poesia.
Penso que fazer poesia no país envolve uma questão tão complexa, porque quem escreve sabe o quanto ela é essencial na/para a vida das pessoas. Essa complexidade de fazer a poesia no Brasil envolve uma série de questões que não consigo explicar exatamente. O certo é que a poesia sempre será feita por aqui, aconteça o que acontecer. Isso sim, eu tenho certeza.
“(...)
atravessar
é sempre tragicômico
ainda mais quando
não se tem uma mão
a que segurar
para o gesto da ida” (pág. 33)

“(...)
lança-te sem medo
é preciso encorajar
tua pele para o desconhecido” (pág. 56)

“(...)
enrijecido sustenta passados
medita sobre o presente
tem pelo futuro
um pasmo assombroso
que alimenta o escuro

te inquieta muro
o mundo não arfa baldrames.” (pág. 61)



(Alguns de meus versos favoritos de Cortejo & outras begônias, vencedor do III Prêmio EDUFES de Literatura na categoria poesia. Esse prêmio me deu muitas coisas, deu-me a possibilidade de publicar Menina com brinco de folha!, e uma dos mais significativos presentes foi conhecer a obra de Airton Souza! Escolhi fragmentos e poucos, pois não pedi ao poeta licença para publicar poemas inteiros).


sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

3ª edição de uma disciplina: novas razões

Esta é a 3ª vez que ofereço uma disciplina no PGHIS - UFPR consagrada às biografias e às autobiografias. Quem já cursou em uma das oportunidades e está com saudades, volte, pois essa edição é muito diversa. Ora, pensando bem, quem fez na 1ª também poderia ter voltado na 2ª, pois era tudo novidade! Nesta 3ª edição, reuni uma bibliografia complementar com uma memória das outras edições, pois acho útil, mas é a básica que vou seguir, ok?
Senti necessidade de escrever um pouco sobre essa edição porque preciso avisar a quem está interessado que vamos escrever. Como assim? Eu sei que sempre se escreve aquele trabalho no fim, mas desta vez vamos escrever bastante ao longo do semestre e até em sala de aula. Tipo prova? Não.
É comum na Pós discutirmos os textos. Faremos isso. Mas além da discussão vamos escrever duas biografias e elas constituirão a parte principal da avaliação da disciplina. Portanto, se você prefere uma aula em que o professor fala à beça e, vez por outra, você lança uma proposta, os colegas rebatem, a bola volta para o mestre... e, ao final do semestre, você faz aquele trabalho, esse meu esclarecimento quer evitar a sua decepção.
A primeira biografia a ser escrita será a de um colega da classe. Tenso? Nada. Na 2ª edição, fiz esse exercício e a satisfação com a qualidade dos ensaios me animou a propor outra vez a experiência e logo no início! A segunda biografia, uma surpresa... Poxa, você não quer que eu entregue tudo de mão beijada, não é?
Em todas as aulas, discutiremos textos. Em abril, vou dirigir um pouco mais os debates. Enquanto isso, cada aluno terá tempo de selecionar: 1 biografia, 1 autobiografia e 1 biografia escrita especificamente por um historiador para apresentar a sua leitura ao longo do mês de maio (10,17 e 24/5). Eu já selecionei as minhas... Mas em maio também, vamos receber a escritora Glória Kirinus para um bate-papo. Acho que vai render!
Em junho, outras linguagens e experiência fora sala de aula...

Para começar? Se você ainda não leu a autobiografia de Rita Lee, dá tempo de começar (e acabar). Será a nossa primeira! Procure aqui no blog a minha resenha desse texto.