quinta-feira, 29 de outubro de 2015

É porque sou muitas...

Divulgo a publicação de meu conto "Pé de Múmia" na Revista Raimundo:

Obrigada aos editores que selecionaram o texto e aos leitores que dedicarão tempo, essa coisa mais amorosa do mundo..., ao que escrevi!



Foto tirada por Andréia Bentes, em Poitiers (FR).

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

Sobre RESENHA, o texto mais generoso do mundo!

A resenha é um texto que realiza a mediação crítica de um objeto. Esse objeto pode ser um livro, um filme, uma peça de teatro, uma partida de futebol, um congresso, uma exposição etc. Ela não é exaustiva, é uma síntese; ninguém deve se sentir instado a reescrever tudo o que leu ou viu com outras palavras (vai perder para o original, experiência única!), mas fazer uma seleção de aspectos que considerou relevantes. A resenha é um texto em que o autor se revela na mediação e na seleção. Por que afirmo que é o texto mais generoso do mundo? Porque pensa no outro, no leitor, o tempo todo, ou deveria...
Eu gosto de escrever resenhas, já escrevi muitas, mesmo que elas não tenham muito valor para as pontuações da Pós-Graduação. Duas resenhas minhas recentes podem ser encontradas no meu perfil do Academia.edu: uma sobre a obra Atlantique comme pont (2012) e outra sobre a obra intitulada Les Troubadours (2013). Outro dia, publiquei aqui no blog uma resenha da obra A Tela da Dama, ensaios de Literatura, escrita por Teresa Cerdeira. Essa experiência me trouxe aqui: a um texto de reflexão sobre o tema.
Por que fazemos resenhas? Nós as escrevemos porque achamos que aquele objeto, vou me deter nos livros doravante, pode interessar a outras pessoas. Nós não chegamos à obra também sem algumas razões e, mesmo que a resenha nos tenha sido encomendada por um editor para um projeto específico, há razões para o volume ter sido encaminhado a nós. A mais forte pode ser nosso repertório. Então, o livro nos encontra e julgamos que ele pode interessar a mais gente. As nossas razões e as que antevemos nos outros convergem para revelar afinal se, em nossa avaliação, aquela obra cumpre ou não o que promete.
Uma resenha deve apresentar o livro. Se se trata de uma tradução e o tradutor é alguém que se dedica à obra daquele autor de forma continuada, como a minha amiga Maria Célia Martirani à obra de Cláudio Magris, vale a pena dispensar duas palavras sobre o trabalho realizado por esse grande mediador, que é o tradutor! No primeiro parágrafo de minha resenha de A Tela da Dama, eu me preocupo em identificar Teresa Cerdeira como ensaísta: falo de sua experiência e redefino o livro, como uma História da Leitura de categorias portuguesas. Aqui, já começo a minha mediação crítica.
Refiro as duas partes da obra e sintetizo seus capítulos. O interessado em Literatura Portuguesa que recorre à resenha que escrevi deve ser esclarecido a respeito do que vai encontrar na obra de Teresa. Se esse leitor pesquisa o século XVIII em Portugal, provavelmente não vai comprar A Tela da Dama por minha causa. Mas um estudioso da Literatura Portuguesa produzida no século XX precisa encontrar no meu texto as razões que o levarão à Teresa. O resenhista poupa tempo e dinheiro ao pesquisador/leitor! Porém, tão importante quanto apresentar o “conteúdo” da obra, foi para mim abordar a poética da autora. Com isso, esclareço ao leitor interessado que Teresa não é uma compiladora, mas uma ensaísta exigente e muito confiável. Afinal, se ela conhece todas as ideias gerais que podem ser pensadas sobre seus autores, ao seu convite: vamos um pouco mais longe?, só cabe o sim.
O gosto por essa poética de Teresa me levou a citá-la muito na minha resenha. Talvez demais... A explicação é que eu quis que o meu leitor experimentasse o texto, mas devo apontar que a citação do objeto deve ser feita com parcimônia. Eu costumo citar os textos quando gosto particularmente deles e quando resenho obras que ainda não foram publicadas no Brasil. Eu penso na angústia de quem acha que precisa de um livro que está distante: “essa angústia que há em sentir a criatura a quem se ama em um lugar de festa onde a gente não está, e aonde não pode ir vê-la” (Em busca do tempo perdido). Ah, esse Proust me adivinha... Para os angustiados, um refresco de esperança, uma frase que pode mudar tudo, danar o cartão de crédito ou salvar as nossas finanças, com um alívio: não era bem aquilo...
Critico o tamanho de minhas resenhas sempre que as termino. Volto e não corto nada... Vou explicar a verborragia com uma razão simples e uma constatação: em primeiro lugar, eu gosto de escrever, isso me leva a permanecer com as palavras e me gastar com elas, não agastar..., e demorar em amorosa visitação. A constatação é que as últimas resenhas que escrevi referem-se a livros que não foram publicados no Brasil. Isso me levou ao esforço de prover ao máximo o meu leitor com informações. A minha enorme resenha de Les Troubadours ainda tem outra razão: eu amei o livro! Esse negócio de amar leva um tempo delicado só para imaginar as declarações.
O leitor da minha resenha de A Tela da Dama descobre rápido que eu conheço a obra de Teresa. Como publiquei a resenha em meu blog, poderia até ter escrito que ela foi minha professora quando eu tinha 17 anos e que foi minha primeira orientadora. No blog, isso é possível! Mas se eu quisesse propor a minha resenha a uma revista qualificada, essas referências pessoais teriam de ficar de fora, pois comprometeriam a avaliação cega, ao identificar-me. Agora, veja bem, conhecer a obra do autor não é identificar-se, é mobilizar o próprio repertório e isso é eficaz em uma resenha. É eficaz e elegante também trazer outras referências ao texto, desde que não seja para se pavonear, afinal outros textos propõem possibilidades de relações inéditas do próprio objeto. Detalhe pseudozoológico: pavões não resenham bem, pois querem que o leitor só enxerguem as suas próprias penas.
Eu sou editora de uma revista e, muitas vezes, leio “resenhas” que na verdade são bons resumos a que o autor juntou um parágrafo final de avaliação crítica. Para mim, a diferença entre esses dois gêneros textuais primos é que a resenha é mais seletiva e crítica que o resumo, que só quer saber de descrever/sintetizar o conteúdo dos objetos. A resenha precisa ter mediação crítica do início ao fim e isso é muito mais abrangente que expressar gostei ou não gostei. Até porque, no pacto de generosidade para com o leitor que o autor da resenha deve firmar, precisa estar escrito que aquilo que não me serve pode servir a alguém. Mas é claro que o gostei ou não gostei também tem seu valor...
A resenha pode enaltecer ou derrubar uma obra, que por sua vez pode ser apreciada de formas tão diferentes quanto o número de seus leitores. A resenha é um texto fundamentado, mas pessoal, no sentido de que os juízos que ela tece partem de formações, repertórios e trajetórias diversas. Essa subjetividade bem informada impõe ao texto (e a seu autor!) uma grande responsabilidade e exige, para a sua realização, uma leitura acurada do objeto, onde análise – decomposição do objeto em partes – e síntese – recomposição da essência – são conjugadas.
Eu falei acima que a resenha vale pouco para as pontuações dos Programas de Pós... Está claro que não concordo com isso e continuo a fazê-las porque elas são importantes. Estimulo as pessoas a escrevê-las. Eu sou uma leitora de resenhas, elas poupam meu tempo na seleção do que me interessa: ajudam-me a comprar, a devassar bibliotecas e a indicar livros. Tenho um grande respeito por quem se sentou lá na sua solidão para escrever sobre um livro que pode mudar tudo o que eu achava que sabia, ou simplesmente confirmar que estou no caminho.

Se eu já li resenhas que me enganaram? Já quis mandar a conta do cartão de crédito! Mas desanimei. Afinal toda conversa guarda a possibilidade daquele equívoco do telefone sem fio da nossa infância.

sábado, 17 de outubro de 2015

Há 100 anos Orpheu canta para Cleonice - relato sobre um grande congresso

Esta semana participei de um congresso em homenagem ao centenário da Professora Cleonice Berardinelli e da Revista Orpheu. Que felicidade reunir efemérides assim! O congresso começou no Palácio São Clemente, passou pela ABL (afinal, D. Cleo é imortal), pela Fundação Casa de Rui Barbosa e terminou na casa que foi sua por tantos anos, onde foi minha professora, a Faculdade de Letras da UFRJ, na Ilha do Fundão.
Para mim, foi a maravilhosa ocasião de matar as saudades dos meus professores (e na semana do nosso dia!): a própria D. Cléo, Teresa Cerdeira, Marta de Senna, Helder Macedo, Jorge Fernandes da Silveira, Luci Ruas...; rever amigos, Mônica Fiqueiredo, Jorge Valentim, Sofia de Sousa Silva...; conhecer a ABL (pasmem, nunca tinha entrado lá!), passear pelos jardins de Rui Barbosa depois do almoço, matar as saudades dos corredores da minha faculdade – esse lugar em que entrei menina acanhada e saí a jovem corajosa, com as armas de Quixote... rsrs. Eu tenho tanta gratidão que nem se eu falasse a língua dos anjos!
Voltar a Casa, esse lugar de proteção... Não que eu me sentisse sempre segura, depois de certa hora no Fundão, cá entre nós. Ontem, quando vi policiamento em frente à minha faculdade, quase não acreditei. Quando saí do metrô e entrei em ônibus que me deixou na porta da Faculdade, quase chorei!
Mas entre os abraços apertados, o afeto dispensado pelo poeta Melo de Castro, depois de minha fala na ABL, aprender mais! Voltei com a minha caderneta azul repleta de observações, como: “ler urgente” tais livros; “procurar urgente” certo poeta, “nunca tinha pensado”, “ler outra vez esse texto, pois não percebi isso”... Aprender. Como eu amo aprender coisas novas! Há uma coisa irresistível, perigosa, deliciosa em querer ultrapassar o não sabido, vivenciar novas fruições. Aprender é muito sensual.
Vivemos um desinteresse geral pelos colóquios e suas publicações. Vivemos a elevação do modelo monástico sem ascese... Cada um consigo mesmo no escritório, sem papo com qualquer pessoa, a escolher as revistas mais qualificadas para publicar textos rápidos, mais provisórios que a própria dinâmica do conhecimento que se transforma e refaz... Mas, como saí jovem mulher quixotesca e rebelde daquele Fundão, não vejo a hora de agarrar a publicação resultante de um encontro de gigantes para celebrar a vida da nossa Cleo imortal. Reler aquele texto do Helder sobre o poema de Camões que eu já tinha lido tantas vezes, que só um grande professor para mostrar que eu não tinha lido direito. Leonor, toda a vez que você for à fonte, eu vou contigo certa de que a gente não corre risco algum, apesar de “não segura(s)”[1]!...  


Minha querida Marta de Senna


Mesa com Jorge da Silveira, Sofia Silva e Ida Alves, apresentada por Teresa


Marta e eu: muito amor!


Que mesa!!!!!!!!!!


A legenda é desnecessária... Quase 20 anos de admiração!


Que mesa!!!!!





[1] Poema do Camões:
Descalça vai pera a fonte
Lianor pela verdura,
Vai fermosa e não segura.

Leva na cabeça o pote,
O testo nas mãos de prata.
Cinta de fina escarlata,
Sainho de chamalote,
Traz a vasquinha de cote
Mais branca que a neve pura.
Vai fermosa, e não segura.

Descobre a touca a garganta,
Cabelos de ouro entraçado,
Fita de cor encarnado,
Tão linda que o mundo espanta.
Chove nela graça tanta,
Que dá graça à fermosura.
Vai fermosa, e não segura.

quarta-feira, 7 de outubro de 2015

segunda-feira, 5 de outubro de 2015

Para os que querem dominar a arte de ler entranhas, uma resenha de "A Tela da Dama" de Teresa Cerdeira (Lisboa: Editorial Presença, 2014).

A Tela da Dama, Ensaios de Literatura é uma obra em que o exercício da crítica; a experiência da pesquisa, não como “falar do não sabido” (pág. 217), como a autora provoca; da docência e a arte de escrever se conjugam para revelar escolhas que são fundadas na leitura. Muita coisa?! Então talvez A Tela da Dama de Teresa Cerdeira, Professora de Literatura Portuguesa da UFRJ, seja mesmo uma História da Leitura de “categorias portuguesas”, em paráfrase recriadora do projeto de Giorgio Agamben que li outro dia (refiro-me às suas Categorias Italianas, estudos de poética e literatura). Mas, então, como História da leitura, esse conjunto de ensaios é uma experiência ainda maior! A “Introdução à parte I: Contrabandos da cultura: a Babel feliz” é prova; um pequeno (só em tamanho) manifesto pela leitura.
O livro é dividido em duas partes. A segunda é dedicada ao “labor poético”, mas na primeira não reina a prosa, como esperado... Logo, aprenderemos que, com Teresa, trata-se de desconfiar sempre do esperado, explico assim a docência do primeiro parágrafo, que tem forte ressonância em sua poética, como ainda farei menção. A importação do substantivo “contrabandos” como essência da primeira parte esclarece que Teresa está interessada em revelar os trânsitos e transferências, mas que prefere o vocabulário do delito para expressar o que não cabe nas regras, nas licitudes... Quem são os implicados nesse crime de que somos todos leitores, ou melhor, cúmplices? São os autores que, ao longo dos 25 anos de pesquisa referidos no agradecimento ao CNPq, estão nas prateleiras de acesso mais fácil em seu escritório, aqueles que têm mais cores de marca-texto nas páginas, aqueles cujos nomes figuram na capa dos códices de mais continuadas visitações. São predominantemente autores portugueses do século XX e XXI: David Mourão Ferreira, Fernando Pessoa, Helder Macedo, Herberto Helder, Jorge de Sena, José Saramago, Miguel Torga e Sophia de Mello Breyner Andresen. A exceção medieval de Estêvão Coelho é responsável pela não exclusividade da Literatura Contemporânea. Para o poeta e romancista Helder Macedo, os maiores ensaios das duas partes da obra e os maiores riscos.
Quem conhece Teresa Cerdeira sabe bem que Helder é seu amigo, no sentido mais duardino do conceito (refiro-me, é claro, ao disposto por D. Duarte no Leal Conselheiro). Ao vincular o conceito à precisão que lhe dá o rei medieval, rechaço a camaradagem do tapinha nas costas que exime o outro da crítica, bem como a possibilidade de invasão no universo da crítica literária de informações que só a proximidade dá acesso. Teresa antevê o risco e define “Vamos, portanto, partir do universo da leitura de Helder Macedo para encontrar ali as perguntas a serem feias sobre a sua bagagem de viajante” (pág. 23). Com isso, convida seu próprio leitor a um caminho mais cheio de bifurcações, em que, entretanto, a vida orgânica e completa, vez por outra se apresenta. Teresa se detém nos romances Partes de África, Pedro e Paula, Vícios e Virtudes, Sem nome e Natália e vai esclarecendo o mosaico, em que participa também a obra ensaística de Helder Macedo. No primeiro texto, o conceito de Ekphrasis se apresenta e colabora para fundamentar a ideia de contrabando.
Na Tela de Teresa figura José Saramago obviamente. Afinal, até onde sei, a sua tese de Doutorado foi a primeira no Brasil a se dedicar à obra do Prêmio Nobel. No capítulo, como em outros, Teresa revê as suas conclusões, revisita seu diálogo fecundo com a História, ilumina os intertextos e refuta influências. Para uma orientanda de Georges Duby como ela o foi, a evocação de fragmento do Cerco de Lisboa sobre as diferenças que mais importam (pág. 83) parece quase homenagem ao medievalista francês, ainda que não declarada... (lembremo-nos que, em Ano 1000 ano 2000, na pista de nossos medos, o mestre afirmou que são as diferenças que mais nos ensinam), mas nesse caso é também uma medievalista que lê Teresa...
Jorge de Sena merece dois artigos na primeira parte, um em que está acompanhado de Miguel Torga e outro em que Teresa volta a evocar a Ekphrasis. No primeiro caso, a autora está interessada em como os dois enfrentam o discurso bíblico, um discurso fundador (pág. 101). Já na sua leitura de “Teorema” de Herberto Helder, Teresa propõe não a celebração da vingança, mas do amor (pág. 130), “o júbilo erótico de uma experiência a três” (pág. 131), em que contracenam o rei Pedro I de Portugal, a dama Inês de Castro e um de seus algozes, Pero Coelho.
Nos capítulos dedicados a Saramago e a Herberto Helder fica mais evidente um traço dos mais instigantes da poética de Teresa. Chamo o seu fazer ensaístico de poética: repleto de conexões surpreendentes, de referências marcantes e do incentivo (ou provocação?) a abandonar o senso comum. É bem verdade que, no último caso, não se trata bem de senso comum. Teresa publica ensaios sobre Literatura Portuguesa contemporânea em editora portuguesa e fala, sobretudo, aos estudantes e leitores brasileiros cultos. Isso chega para forjar um senso comum? Teresa não quer saber, provoca-nos: “De forma redutora a veríamos se a ela impuséssemos tão somente (...). A questão é certamente maior do que essa” (pág. 84), no caso da Jangada de Pedra de José Saramago ou “o exigente conto de Herberto Helder reclama mais” (pág. 126), “esse conto vai, na verdade, na contramão das expectativas de leitura” e “Não se trata, no entanto, de mergulhar no maravilhoso ou no fantástico que seriam as estratégias facilitadoras e reguladoras da dissensão. O conto, ao contrário, mantém até certo ponto as suas balizas claramente realistas, e é de dentro delas que se constrói a perversão do realismo, quer por efeitos de inadequação temporal, ou espacial, ou actancial (pág. 128), essas três últimas observações concernentes ao conto “Teorema” de Herberto Helder. Teresa nos afirma, com isso, que o caminho fácil não é mesmo o mais sedutor.
A discussão da obra de Helder Macedo (de Viagem de Inverno) também abre a segunda parte da Tela de Teresa, em texto que considero essencial para a poética da autora, ou seja, em que o como é o modo mais singular de o saber se revelar. Eu já escrevi sobre Viagem de Inverno e lendo Teresa me pergunto se eu li mesmo os poemas que compõem essa obra de Helder, tal a maneira como a ensaísta me instiga a pensar por outros vieses, entre a música e a literatura de viagens (pág. 139). Novamente, Teresa desafia: “A digressão, benévolo leitor, é consequente” (pág. 157). A piscada de olho não a faz soltar a nossa mão, mas com a outra ela borda, verbo caro à sua obra (Refiro-me ao seu muito conhecido O avesso do bordado. Lisboa: Caminho, 2000) caminhos novos. No caso da obra de Helder, a demarcação das “estações de uma caminhada” (pág. 174).
Teresa volta a Jorge de Sena, traz David Mourão Ferreira e não se despede de Helder Macedo quando propõe em um capítulo a superação da melancolia do ser português pela via erótica, que a obra dos autores lhe descortina. Teresa os aproxima na vida empírica também, recusando-se a virar as costas àquele todo orgânico de que falei acima, que compõe o sujeito que escreve e paga contas. A obra Navegações de Sophia de Mello Breyner Andresen é revisitada em um texto interessantíssimo sobre História e futuro. De Pessoa, que Teresa alcança via Alberto Caeiro, ela salta séculos para terminar a Tela na Idade Média, com um texto que revela seu trabalho crítico, sua poética e a sua amorosa história da leitura: “no exercício da crítica há que devorar as entranhas do texto, há que ter também olhos agudos para ler o que está além da sua aparente simplicidade, para além da evidência da superfície, para além da externalidade previsível, de modo a deixar-se surpreender não pela profundidade (...) mas pelo que a trama dessa superfície projeta como pluralidade de significações” (pág. 216). Nesse fim que é experiência mágica de ler entranhas, Teresa completa a cena da cantiga do trovador Estêvão Coelho, em que a dama tece e é “autora do canto formoso” que o eu poético escuta maravilhado. Esse texto de Teresa foi também publicado na Revista Diálogos Mediterrânicos 4: (http://www.dialogosmediterranicos.com.br/index.php/RevistaDM/article/view/70/88). Os cancioneiros galego-portugueses não identificaram autorias femininas, mas Teresa “prediz” o passado (!), ao apontar que na cantiga a referência ao canto da mulher prova a sua possibilidade.

Na Tela da Dama leio Categorias portuguesas que não se importam de conviver, entretanto, com outras referências que são essenciais para Teresa Cerdeira. Ela fala de bagagem de viajantes e podemos achar na sua de mão, ou seja, naquela valise que salvamos da possibilidade de extravio, também os mestres Roland Barthes, Georges Bataille e Marcel Proust. No “manifesto” que abre esses Ensaios de Literatura (Na “introdução à Parte I”), Teresa afirma que a “leitura que obseda é a grande condutora do desejo de escrita” (pág. 18), da sua escrita, está claro, mas também da minha, aqui e agora.
 PS.: é possível ler uma outra resenha desta mesma obra em: http://www.nosrevista.com.br/2014/03/18/teresa-cerdeira-aborda-a-critica-literaria-em-%C2%ABa-tela-da-dama%C2%BB/

sábado, 3 de outubro de 2015

Poema para quem tem medo de escuro

Quando eu era criança,
tinha medo do escuro.
Hoje, eu apago a luz,
dou topada nas quinas
e brinco com a minha sombra.