segunda-feira, 25 de julho de 2016

O “Guarda-Redes”

Prólogo:
Não sei se António Rei se sentiu particularmente inspirado pela vitória da seleção nacional contra a França na final da EUROCOPA – 2016, o certo é que esta semana o blog LITERISTÓRIAS tem a alegria de publicar mais uma crônica literária sua, desta vez sobre futebol, sobre férias em Odeceixe e sobre um outro 7 X 1...

O Guarda-redes

Andava eu deambulando pelos Algarves, em pleno verão de 79, e já algo saturado da agitação estival das cidades do extremo sul, em especial Portimão e Lagos (os meus poisos prediletos, confesso) resolvi começar a subir a chamada “Costa Vicentina”, na companhia de um outro compincha, o Miguel.
Acabámos por parar em Odeceixe, onde o Miguel já estivera noutro momento, mas que para mim foi uma estreia.
Fomos acampar, como muitos outros, para a praia de Odeceixe, que ficando a norte da foz da ribeira do mesmo nome, ainda fica no Alentejo, enquanto a povoação está na outra margem, no extremo noroeste do Algarve. A maré vasa permitia ir-se ao povoado, sem se ter que fazer uma volta de alguns quilómetros por caminhos poeirentos e por estrada. A fauna campista era da mais “desvairada” gente, portugueses e estrangeiros, mais assim e mais assado, que coexistiam, compartilhavam um pouco de tudo.
Há noite, a fogueira da praia era um dos pontos de encontro e reunião de toda esta gente, que, como alternativa tinham uma barraca de madeira coberta de caniços, pomposamente “o restaurante” da praia.
Ali havia um rádio, sempre ligado, numa estação, indefinida, não se percebendo muito bem se eram notícias, música, publicidade ou relatos desportivos. Mas ninguém a tentava afinar, nem ninguém se preocupava com isso. O suprassumo era uma televisão, que era ligada à noite, e onde a imagem, quando estava fixa e não corria vertiginosamente na vertical, quase não tinha contraste, era tudo cinzento, mais ou menos, pois ainda a televisão era a preto e branco. Mas sempre era uma marca de cosmopolitismo.
Lá se podia comer alguma coisa, mas onde a ementa era sempre apresentada num pedaço de toalha de papel, que seria reciclado de alguma toalha do dia anterior.
E onde o mais barato, era pedir uma sopa, pão e azeitonas ou queijo. E mesmo pedir um queijinho de ovelha não era coisa para todos os dias. Era carote. O orçamento das idas veraneias ao sul tinha que ser esticado, muito esticado !
A comunidade de campistas da praia era um motivo de interesse sociológico, atração erótica e inveja, muitas vezes disfarçada de desdém, por parte dos odeceixenses (se é que se chamam assim). A malta da praia “é que a levava direita”, pensavam eles, mas não diziam.
Os rapazes mais ou menos guedelhudos e as raparigas mais ou menos descobertas, todos com mais ou menos missangas, e transportando um mais intenso ou longínquo aroma a “patchouli”, causavam ou ressuscitavam todas aquelas interrogações aos moradores, quando aqueles iam ao povoado fazer compras de artigos de primeira necessidade, nas pequenas vendas, meio mercearias, meio tascas.
Na mercearia, onde dominava o elemento feminino autóctone, os cenhos franziam-se de desdém ante as “raparigas da praia”, e as odeceixenses mais novas, mas não só, amiudavam de soslaio os “rapazes da praia”.
Na tasca, que era geralmente contígua apenas separada da mercearia, por uma porta, sempre aberta, acontecia o mesmo, mas no inverso.
Os que “não valiam nada” segundo eles, eram os “rapazes”, mas as “raparigas”, calma … eram motivo de olhares, de graçolas e de simpatias melosas por parte dos homens da terra. Aquela tensão social latente, que era causada pelos veraneantes, levou a que alguns de Odeceixe tivessem proposto aos campistas da praia um jogo de futebol, entre uma equipa de naturais contra outra “arrebanhada” entre os “rapazes da praia”.
Os elementos campistas que receberam o desafio, disseram logo que sim, sem mais aquelas.
Assim, sublimou-se, ritualizou-se, pelo evento desportivo, o confronto de valores e vivências, de ambos os grupos.
E o jogo seria logo no dia seguinte, fim-de-semana, porque os de Odeceixe podiam contar com a “arma secreta” para aquele recontro. Um rapaz da terra, com jeito para os pontapés na bola, e que “até jogava num clube da III divisão”. Só este facto já lhes garantia que aquele eleito, a quem os deuses tinham posto asas nos pés, qual Hermes ou Mercúrio, iria dar a vitória, aos da terra, e repor a “ordem do mundo”, seriamente ameaçada por aqueles “outros”, tão diferentes, tão interessantes, tão apelativos, tão filhos do demo …! que iriam ser arrasados naquele jogo.
Nessa noite, os recetores do desafio e organizadores da equipa da praia andavam fazendo convites para reunir o número de sete jogadores para o tal embate, quase civilizacional. Estavam tão ocupados e preocupados que nessa noite nem apareceram na fogueira da praia.
No dia seguinte, à hora do almoço no “restaurante da praia”, os mesmos organizadores, já à beira do desespero, acercaram-se de mim e perguntaram-me se eu quereria jogar como guarda-redes, pois aquele que primeiro dissera que sim teve um contratempo que lhe impediria estar presente no “derby”.
Entre duas colheradas de sopa, e eventualmente ainda de colher no ar, apanhado de surpresa pela proposta, num primeiro momento, declinei o convite. Mas o ar desesperado dos ditos tocou as raias do pânico, e um deles pediu-me, de joelhos que fosse, porque já não podiam pedir a mais ninguém. Ou seja, eu era o eleito por exclusão de partes. Acabei por lhes dizer que sim, e lá me deixaram acabar a sopa, o pão e as azeitonas.
Pouco depois juntou-se um grupo, entre os jogadores, as “estrelas da companhia”, e a companhia propriamente dita que ia apoiar e em dois ou três carros, toda a malta mais ou menos amontoada, e em que o veículo mais espaçoso era uma van VW pão-de-forma.
O grupo campista ia todo mais ou menos entusiasmado com o jogo. No fundo sentiam, também eles, que aquela diferença de formas de vida deveria conduzir a um desfecho que levasse a algum género de confronto físico. E que o jogo de futebol é a forma ritualizada da batalha. Eu, confesso, estava um pouco alheado daquela euforia. Mas a achar piada pela coisa em si.
O grupo, que na praia parecia grande, quando se chegou ao recinto, foi aniquilado pela quantidade de naturais que estavam lá para ser testemunhas daquela “morte anunciada”.
Foi então que os “campistas” perceberam que de alguma forma, eles seriam a mosca convidada para almoço pela aranha. E mais evidente se tornou, quando o “crack” da III divisão apareceu e foi quase levado em ombros, pela população local. Pela forma desdenhosa como olhava os “da praia”, enquanto dava uns toques cheios de estilo, atiçava o desejo dos seus conterrâneos pela retumbância da vitória. Queriam sangue !
A imparcialidade do critério de justiça relativamente ao jogo, foi alegremente posta para trás quando o que fez de árbitro também foi escolhido entre um dos filhos da terra.
Os campistas estavam a perceber perfeitamente que se tornava impossível dar um passo atrás e dizer que já não queriam jogar. Tornar-se-iam no alvo da chacota contrária, que se eternizaria, pelo menos até quando acabassem por se ir embora.
Tinham que morrer de pé! Com dignidade! Para ao menos merecerem o mínimo do respeito por parte do antecipado e programado vencedor.
Equipas no recinto, daqueles de cimento, para andebol, futebol de salão (ali ao ar livre), e ainda com marcas, nunca usadas, para basquetebol e para hóquei.
Os cumprimentos da praxe, com o crack da III divisão a capitão do Odeceixe. O árbitro apita e a populaça grita com os olhos injectados de uma enorme confusão de sentimentos, potenciados pelo vinho de almoço de sábado. Todos a quererem ver brilhar o “menino de ouro” da III divisão.
Os campistas, alguns que pareciam estar a tocar numa bola quase pela primeira vez, ao menos num jogo “a sério” (que aquele era sério mesmo), estavam a aguentar a fúria dos outros, e os dribles do crack. A nossa defesa estava a aguentar tudo aquilo, embora o sentido do jogo fosse de lá para cá. A nossa defesa não me estava a deixar brilhar. O meu momento, ou momentos ainda estavam para chegar ! ...
Como não estavam a conseguir a avalanche de golos que pretendiam, o público começava a ficar inquieto e a resmungar e a mandar “bocas”, algumas claramente à procura do efeito que acabou por surgir daí a poucos minutos.
O árbitro, a sentir a pressão, acaba por marcar contra os campistas um penalty, por falta que não fora feita na área, nem lá perto. A populaça aplaude, achando que finalmente seria reposta a justiça do resultado, ainda que à base de “esquema”.
Os campistas a protestar que não era penlaty, e os outros a dizer o contrário, a impor o contrário pela força do número e da gritaria ameaçadora.
O jogo não me interessara em especial; tinha ido para variar naquele dia, e também ainda não tinha tido nenhum papel de importância no jogo. Também era verdade que o crack da III divisão não se notara por cima dos outros companheiros.
Voltemos à cobrança do penalty. Foi aí que eu fiquei, pela primeira vez, frente a frente com aquele astro futebolístico, que tinha toda a malta de Odeceixe a gritar por ele. Os meus companheiros a pedir-me o melhor ! o milagre ante aquele expert do futebol nacional, e quiçá internacional, senão em termos absolutos, ao menos relativos.
Mas foi aí que eu entrei no jogo. Só que à minha maneira. Não suporto injustiças, e ali estávamos a ser claramente vítimas de uma. Coloquei-me mesmo no meio da baliza, em pé, e de braços cruzados, e disse para o crack: “Essa bola não vai entrar !”
Os meus companheiro pedindo-me uma atitude mais ortodoxa, mais normal em campo, mas eu não cedi, não mudei de posição, nem descerrei os braços. E perante todo aquele impasse nem o árbitro apitava para o remate. Ao ficar claro que eu não iria mudar, os campistas conformam-se com a sua sorte. O árbitro apita, o crack avança, remata, e a bola sai ao lado da baliza. Eu nem me mexi.
Os campistas aos saltos de alegria, entre a gritaria dos odeceixenses, uns festejando já o golo que não chegou a existir e outros que berravam mais alto a pedir a repetição do penálti. Razão: porque o guarda-redes não se mexeu, e devia ter mexido.
O que eles não suportavam era que o menino de ouro, o orgulho futebolístico da terra desse tamanha fífia. Depois de muita discussão com o jogo interrompido, acabaram por avançar para a repetição do penalty, a contragosto dos campistas, como é natural. Mas o peso da casa era muito grande …
E era chegado o meu momento de glória futebolístico. Quando o crack avança novamente com a bola para a marcação, eu fui falar com ele e com o árbitro e disse: “Eu vou ficar do lado de fora da baliza. A baliza vai ficar toda aberta. Mas a bola não vai entrar”.
Novamente os meus companheiros a convencer-me para eu ser um guarda-redes igual aos outros, mas eu não cedi.
Depois de mais outro impasse, eu fiquei encostado à baliza, pelo lado de fora, e após o árbitro apitar o crack mandou a bola por cima, para as nuvens.
A população de Odeceixe gritou: “Tirem esse gajo daí ! Tirem-no da baliza !”, o que acabou por acontecer, tendo eu saído perante a estupefação de companheiros e adversários.
Acabara de ganhar fama e respeito ! Fama entre os “rapazes da praia” e respeito ante os odeceixences ! O que não se percebe é melhor não desafiar. Ou seja fora imbatível, mesmo em penalty, por duas vezes, pelo crack da III divisão !
Saí e fiquei entre o público a conversar com outra malta e a regar a minha fama a despontar. Não mais liguei ao jogo ali ao lado. O meu jogo já acabara, e eu ganhara-o. Fiquei conhecido, a partir de então, na praia de Odeceixe, por o “Guarda-Redes”.
Ah, o jogo ? Repetiram o penalty (pela terceira vez) com outro guarda-redes, e a bola entrou e o crack da III divisão brilhou. Os campistas acabaram por perder 7 – 1. Ainda marcaram golo de honra. A mim é que não me marcaram nenhum.
Apesar da derrota os campistas defenderam a sua honra, marcaram o golo de honra e tinham na equipa não uma estrela, esses são os cracks das N divisões, mas um cometa, que tem também luz, é mais fugaz e mais fatídico.
Era uma vez um jogo de futebol de verão em Odeceixe …
António Rei.


Epílogo:
Pensei em ilustrar o texto do meu amigo com lindas paisagens de Odeceixe, sítio que eu afinal não conheço, mas que fiquei com muita vontade de conhecer por causa do texto e da pesquisa que fiz na internet. Entretanto, uma pequena frase sua me lembrou de um quadro de Arpad Szenes (o pintor húngaro foi casado com a pintora portuguesa Maria Vieira da Silva), chamado Les guerriers (1938-1939)... Não resisti!



Para conhecer mais a obra tanto de Arpad Szenes quanto a de Vieira da Silva, recomendo a visita à página da Fundação Aspad Szenes-Vieira da Silva 

Visite a entrevista que António Rei concedeu a mim, sobre o estudo do Al-Andaluz, e a sua outra crônica literária, sobre o 25 de abril, aqui em LITERISTÓRIAS!

sexta-feira, 22 de julho de 2016

1 ano de LITERISTÓRIAS

Eis que o blog LITERISTÓRIAS completa um ano de vida! Ele não existiria se não fosse o amigo DALTON ROQUE, meu professor de informática(website). Ano passado, depois do XI Encontro de Estudos Medievais, sucedido em Pirenópolis (GO), assumi a tarefa de atualizar o site da ABREM. Boa vontade e nenhum conhecimento... Contratei um professor para me ajudar! Em uma das aulas, confessei o desejo até então secreto de fazer um blog, para “falar” sobre assuntos que não cabiam na minha produção científica (como pesquisadora da área de História Medieval). Pois bem, Dalton não se fez de rogado e em menos de 5 minutos criamos o blog. Ele abriu pastas no meu computador e me ensinou a sua metodologia. Agradeço-lhe por ter me ajudado a criar um espaço em que me dá tanto prazer me mover!
Nesse um ano, foram 61 postagens, entre contos, entrevistas, resenhas (de livros e filmes), crônicas da vida acadêmica (a seção mais robusta), crônicas literárias, aforismos, cartas, traduções, relatório e poesia... Publiquei amigos, colegas, gente que admiro e respeito. Lá pelas tantas, decidi que atualizaria o blog uma vez por semana e escolhi a segunda-feira para isso. Desde então falhei umas duas vezes, fiquei frustrada comigo..., mas acolhi isso também rsrsrsrs
Descobri com nenhuma arrogância, mas com imensa gratidão e surpresa, que tenho leitores! E eles sabem que não estou fazendo charme quando confesso a surpresa... Manifesto sim a minha profunda gratidão pelo tempo que as pessoas empregam lendo o que eu escrevo.
Eu começo a pensar na quinta-feira o que vou publicar na segunda seguinte. Penso e rascunho alguma coisa. Termino sábado, seleciono imagens, às vezes, faço a imagem. Só corrijo no domingo. É bom dormir no assunto. Na 2ª, entre 8:00 e 9:00, publico.
Nesse primeiro ano, tive quase 17.000 (está pertinho!) visualizações. Eu não comparo o meu blog com outros. Acho impressionantes essas quase 17.000 visualizações de tão diversas partes do mundo que eu me pergunto como as pessoas perseveram me traduzindo pelo Google tradutor?!?!?!
Eu digo a meus alunos que o blog é um grande caderno que mantém a minha escrita ativa. Para uma colecionadora de cadernetas, essa é uma metáfora bem apropriada! Não acredito em dom para escrita, não acredito em dom algum, ou melhor, acredito em D. João I, Mestre de Avis, D. Duarte, D. Pedro... rsrrs Só acredito em exercício para a escrita.
Obrigada a quem tem me incluído entre as suas leituras semanais e aos que visitaram esse blog uma vez ou outra.

Na próxima segunda, tem texto literário e não será meu, mas de alguém que é quase meu sócio aqui...


segunda-feira, 18 de julho de 2016

Sobre a mesa redonda no MEC, em 13 de julho de 2016

Preâmbulo
No dia 12 de julho, saí de Curitiba em direção a Brasília. Cumprido o primeiro trecho da viagem (em São Paulo), enquanto esperava o próximo voo, recebi um telefonema do Gabinete do Ministro Mendonça Filho, avisando que a mesa redonda precisaria ser atrasada em meia hora (das 14:30 passaria às 15:00) e que mais 2 colegas seriam recebidos, ou seja, seríamos, AO TODO, 3 professores. Essa informação, recebida, portanto, na véspera, concretizou para mim a possibilidade (que eu imaginava remota) de me dirigir efetivamente ao Ministro, ou seja, ter mais que aqueles 30 segundos que achava quase exorbitantes... Eu tinha me preparado para não ter a chance de falar, levava um dossiê com 5 textos que escrevi e/ou colaborei, o primeiro deles o documento do NEMED (publicado em nossa página) que para mim continua a ser uma reflexão bem equilibrada, entre a crítica e a colaboração. Na abertura do conjunto, incluí uma carta de 4 páginas em que contextualizava a minha militância acadêmica pela BNCC. Diante da possibilidade de falar, comecei a esboçar mentalmente aspectos do tema no segundo trecho, de São Paulo até Brasília. Eu terminaria essa pauta já devidamente instalada, depois do banho e do jantar.


Relatório[1]
Cheguei ao Ministério da Educação às 14:30 e, logo depois, conheci meus colegas de mesa: Felipe Ferreira (Professor do CEFET/Rio de Janeiro – área de Letras) e Roberto Gomes (Professor da rede particular de São Paulo – área de Geografia). Conversamos um pouco sobre o que nos levara a Brasília e compartilhamos as pautas. Às 15:30 fomos chamados ao Gabinete do Ministro Mendonça Filho, que nos cumprimentou na entrada, perguntando nossos nomes e instituições de origem. No gabinete, estavam ainda presentes: a Sra. Nádia Ferreira, Assessoria Especial, e o Sr. Rossieli Soares da Silva, Secretário de Educação Básica. Foi-nos perguntado se autorizávamos a realização de fotos e nós 3 autorizamos. Depois, o Ministro perguntou se autorizávamos a realização de vídeo (em que a nossa conversa não seria veiculada) e nós também autorizamos. Nenhum de nós estava ali em segredo. Todo esse material está aqui no blog.
Meus colegas Felipe Ferreira e Roberto Gomes foram os primeiros a tomar a palavra, agradeceram o espaço, expressaram seus lugares de fala, apresentaram de forma rápida suas pautas, certamente confiantes em que, depois que cada um introduzisse um tema, a rodada seguinte permitiria um maior aprofundamento. Na minha vez, falei direto. As pessoas ansiosas temem não haver outra chance...
Agradeci também. Falei que muitas pautas levariam intelectuais de inclinações diferentes ao Ministério da Educação, que eu subscrevia uma série delas, mas que estava ali por uma única razão: a BNCC. Falei do meu dossiê. Pedi que ele fosse lido e ponderado; afirmei que sabia perfeitamente que tudo o que eu tinha escrito e reunido ali, havia sido escrito antes da nomeação do Sr. Mendonça Filho como Ministro e que, muito embora ele não tivesse tomado parte nem na elaboração da 1ª versão da Base; nem na sua publicação; não tivesse organizado a agenda da consulta pública e não fosse sequer ministro quando a 2ª versão foi publicada; ele herdara a tarefa de finalizá-la e que era por isso que eu estava ali, porque a 2ª versão contém problemas, equívocos. Disse a ele que milito pela colaboração à Base desde outubro de 2015 e que escrevi textos que tentam equilibrar crítica científica e propostas efetivas. Disse claramente que não me oferecia para o emprego, pois já tenho um e gosto dele.
 Lembrei ao Ministro que a consulta pública terminou no dia 15 de março e que a 2ª versão da BNCC foi publicada no início de maio, mas que o documento que pode ser lido no site do MEC tem como data abril (?!). Fiz um primeiro questionamento: como o Ministério teria lidado com mais de 10 milhões de colaborações; só na área de História, mais de 1 milhão, em pouco mais de 1 mês? Manifestei minha preocupação com essa pressa e pedi que déssemos mais tempo à elaboração dessa Base. Diagnostiquei a presença destacada dos secretários de educação e dos dirigentes municipais nessa versão, e a pálida participação das associações, dos núcleos de pesquisa, das universidades (na sua diversidade e abrangência nacional) e das grandes áreas... Referi que a ANPUH aparece, a meu ver (assumo a leitura) palidamente entre os agradecimentos, quando as ANPUHs regionais e a ANPUH nacional organizaram fóruns e produziram documentos muitos importantes e que parece (outra vez, assumo a leitura) que não foram consultados. Mencionei que entre os agradecimentos dirigidos a professores em específico, a área de História não é mencionada (pág. 19), embora o sejam seus professores. Quem lê o documento, pensa que eles são da área de Física... O MEC tem à sua disposição os maiores especialistas nas grandes áreas, servidores públicos inclusive, e por que os convocou tão pouco?
Sobre os equívocos e problemas, pedi licença para mencionar 2 exemplos. Mencionei que, no 3º ano (as crianças têm 8 anos), elas estudam as diferenças entre espaços públicos e o espaço doméstico, dentre outros assuntos. 2 anos depois, aos 10 anos, são confrontadas com o estudo da Ásia e a África: com a Mesopotâmia, a Pérsia, o Egito faraônico, os povos núbios e hebreus! São também confrontadas com cosmologias e teogonias e eu afirmei que temo que essas narrativas sejam identificadas a “contos de fadas” e não a narrativas de explicação, agregadoras e identitárias. Afirmei que não acho que as crianças estão prontas e isso não é falta de confiança nelas... Na pág. 298 da 2ª versão, a promessa era que o quadro ficasse mais abrangente a partir do 6º ano, ora como se viu não é bem assim, mas vamos lá: no 6º ano o professor de História deve ir da Grécia antiga, passando pelos romanos, aos muçulmanos, ao feudalismo, às universidades, à “primazia” da Igreja Católica (?) e um dia deve chegar aos otomanos. Mais de 2000 anos em 1 ano... No 6º ano, meninos e meninas têm 11 anos.
 Outro exemplo: no 2º ano do Ensino Médio, os adolescentes devem estudar o nacionalismo árabe, mas depois nunca mais veem os árabes... Onde está o estudo dos grandes movimentos populacionais que impactam a história contemporânea? Que impactam o Brasil? Na 2ª versão, os adolescentes estudam o Brasil no 3º ano do Ensino Médio; atenção: só o Brasil; de novo: exclusivamente. Nada saberão da formação dos integrismos... Não saberão, por exemplo, que o wahhabismo que alimenta grupos como a al-qaeda e o daesh vão buscar inspiração no pensamento de Hanbal (século XI) e Taymiyya (século XIV)..., portanto na Idade Média. O wahhabismo vai ler a seu modo as ideias desses pensadores do Islã medieval. É importante convidar os jovens a apreciarem a transformação das ideias e a entenderem exatamente como elas são formadas e forjadas. O Brasil não está fora do perímetro de recrutamento e integração voluntária ao daesh. Não vejo outra forma de proteger os jovens que com conhecimento fundado em perspectiva o mais ampla possível, em atenção a cada etapa de seu desenvolvimento individual.
Fiz questão de não basear meus exemplos em uma perspectiva “eurocêntrica”. Antes de devolver a palavra a meus colegas, afirmei que, como falava a um ministro oriundo do Recife, a compreensão do Projeto Armorial em sua magnitude radica no reconhecimento da importância do estudo da Península Ibérica medieval!
Em todo o tempo em que falei, não fui interrompida. O ministro não me fez perguntas, nem fez anotações, mas me ouviu com atenção. Percebi, porém, que o Secretário da Educação Básica fez apontamentos.
O colega Roberto Gomes manifestou sua preocupação com a formação dos professores, abordou questões relacionadas ao bacharelado e à licenciatura. Falou, sobretudo, da atuação dos colegas de ciências sociais, geografia e filosofia, em defesa da especificidade das áreas e não de improvisos que prejudicam a formação dos jovens, que têm aulas de geografia ou filosofia com profissionais que não são necessariamente formados na área.
O colega Felipe Ferreira retomou o incômodo que a recepção do ator Alexandre Frota no MEC causou no meio acadêmico, mas prosseguiu abordando a especificidade de sua pauta, ligada à educação profissional e a alguns questionamentos diretos. Fez duas perguntas importantes que cobraram do ministro respostas. Felipe perguntou claramente como o ministro se posiciona sobre o grupo escola sem partido e questionou se ele pretende dar continuidade a projetos já avaliados como exitosos para a formação dos professores. Felipe mencionou a sua experiência no exterior, essencial para a sua atuação hoje, como professor do CEFET-RJ, com financiamento do governo federal, em um convênio entre o governo brasileiro e o norte-americano.
O ministro começou a responder pelo caso Frota e disse que, tanto quanto a nossa presença é possível em seu gabinete, assim foi com a do ator; que tem procurado receber a quem o tem procurado e que tem buscado ouvir as pautas. Sobre a escola sem partido, disse que é ministro da educação, que não lhe cabe ser contra ou a favor de grupos específicos[2] e, no caso dos projetos de formação e qualificação de professores, ainda precisa avaliar alguns deles. Mencionou gastos e resultados acadêmico-científicos ainda não avaliados. Disse que não é um professor, mas um gestor; citou números incompreensíveis para mim. Não conheço essas fontes, mas gostaria de passar os olhos sobre elas.
O ministro afirmou que, mesmo em um pequeno núcleo familiar, é necessária gestão, especialmente a financeira, para que as outras coisas se equilibrem.  Felipe rebateu, sem confrontar, apontando que o aspecto empresarial não se encaixa bem com o ambiente escolar. Mencionou o exemplo da SEEDUC do Rio, vivenciado por ele, e tentou destacar que acreditava na importância da gestão, mas que ela deve se coadunar ao perfil do núcleo gerido, ou seja, gestão escolar com jeito de escola.
Nos 2 segundos de silêncio subsequentes ao posicionamento sobre a escola sem partido, peguei carona para dizer que, desde o ponto de partida há equívoco, na medida em que os autores dessa iniciativa parecem não conhecer bem as crianças e os jovens, pois não lhes dão crédito algum, acham-nas e acham-nos massa de manobra... e isso é só o começo. Já no que foi referido sobre o papel de gestor, eu pontuei também que no caso do Ministério da Educação, nós esperamos a liderança acadêmica e científica do ministro da pasta.
 O relógio revelou que já estávamos ali há 1 hora... e o ministro nos disse que havia reservado meia hora para nós. Ainda receberia outras pessoas. Entreguei o dossiê, guardei os objetos que espalhei na mesa ministerial. O Sr. Rossieli Soares da Silva pediu a palavra para comentar alguns temas e deu-me o maior alento da visita: que a BNCC não tem data fixa para ficar pronta; sua colaboração não pode se arrastar indefinidamente, mas o Ministério quer mais tempo para finalizá-la. Eu disse que achava correta a abordagem.

Epílogo

Na saída, a Sra. Nádia Ferreira pegou nossos contatos com a promessa de que estaríamos em diálogo no futuro. Agradecemos o esforço dela para organizar o encontro. Já no elevador, agradeci também a presença de meus colegas que, ali, naquele momento, foram os meus parceiros! Não vou negar que esse encontro teria sido mais brilhante para a discussão da BNCC especificamente com a presença de outros medievalistas, mas eu tenho respeito por suas escolhas. Declaro ainda que acolhi suas críticas respeitosas, as abertas e as sutis (incluindo a dos antiquistas). Devo apontar, entretanto, que recebi muito mais apoio de colegas, alunos e ex-alunos, em mensagens discretas in box, em e-mails pessoais e em muitos recados publicados no meu perfil do FB.
Na mesa redonda, fiz referência a um esboço de programa em que venho pensando nesses meses e que tenta levar em conta a construção do conceito de tempo e espaço (e seus congêneres...) pelas crianças e jovens. Minha experiência como autora me valeu um pouco. Eu adoraria que tivéssemos condições de completá-lo, de alterá-lo e melhorá-lo! Publico aqui – é esboço mesmo! – na esperança de animar alguém.

·        1º ano: a história pessoal da criança – uma temporalidade concreta, a partir de fontes como certidão de nascimento, carteirinhas de batizado, de vacina, álbuns de família (em que o tempo metabólico é uma realidade muito clara);
·        2º ano: a criança se inclui como personagem na história de sua gente, amplia-se o tempo: os pais, os avós... Cresce também o universo de fontes: mais cultura material;
·        3º ano: apropriação do espaço: da rua de casa e da rua da escola. Na rua da escola, há a padaria, há o açougue... Esses estabelecimentos têm a sua história e convivem com a escola; mais personagens, seus ofícios, sonhos e interesses são agregados à narrativa;
·        4º ano: primeira grande ampliação da temporalidade e da espacialidade. É hora de investigar a história de moradores do bairro, da cidade e dos municípios vizinhos. Vou dar um exemplo bem específico: as crianças de Curitiba podem visitar as colônias que circundam a cidade (colônia Mergulhão, Muricy... Se houver condições, devem ir até Witmarsum, atrás das histórias das pessoas que estão hoje lá[3]. Lembro ainda que próximo a Witmarsum, há um quilombo). No 4º ano, a Base pode convidar o professor a investir fortemente na valorização das diferenças regionais, fincar a criança na terra;
·        Depois da ampliação proposta no 4º ano, é hora de juntar as diferenças regionais do país, dedicando esses dois anos – o 5º e o 6º - ao estudo dos fundamentos da História do Brasil;
·        Só que o Brasil não é uma “bolha”. Impacta e é impactado por tradições culturais que devem ser estudadas. É hora também de estudar temporalidades em que sobressaem diferenças, na segunda grande ampliação da temporalidade e da espacialidade. Assim, no 7º, no 8º e no 9º anos, ou seja, com 12, 13 e 14 anos, os adolescentes estão mais prontos para o estudo que exige uma abstração maior: da História Antiga e Medieval, em uma perspectiva plural, que aborde Ásia, África, Europa... Vejo aqui a necessidade da nossa presença (dos medievalistas) e dos antiquistas, para definirmos com tempo e qualidade temas, objetivos e métodos de trabalho;
·        Nesse esboço, entrevejo um 1º ano do Ensino Médio dedicado ao estudo da Época Moderna e imagino muitos projetos interdisciplinares com Filosofia e Literatura, mas não vejo só aqui... No 2º e no 3º anos do Ensino Médio, vejo a necessidade de um estudo profundo da História Contemporânea e, em toda a etapa, o Brasil participa dinamicamente dos encontros e desencontros culturais, políticos e econômicos.

Sou uma admiradora da pedagogia de (Célestian) Freinet, já trabalhei com ateliês, portanto, acho que esse esboço pode se beneficiar muito da discussão com nossos colegas da Educação.
Voltei de Brasília no dia seguinte à mesa – 5ª feira, dia 14 de julho de 2016. Fui direto para a UFPR, onde me esperavam os companheiros do clube do livro, iniciativa que animo desde setembro do ano passado e que congrega alunos e ex-alunos da instituição. Nada a ver com História Medieval, lemos Proust! Logo depois, ministrei provas finais. Na 6ª feira, preenchi o formulário de prestação de contas e entreguei na UFPR. Terminei de ler a dissertação do Renato e já comecei a tese do Rodrigo... Enquanto lia, pensava que fui a Brasília para que eles tenham espaço, uma área e que possam transpor didaticamente as respostas que encontraram em suas pesquisas para crianças, jovens e adultos, e que essa transposição é importante! Ressalto que em ambos os casos, o Brasil investiu nos dois em forma de bolsas e que acho um contrassenso não permitir a eles a possibilidade de futuro profissional e de contraparte à sociedade, no exercício do magistério.
Não fui porta-voz de ninguém a não ser de mim e de meu núcleo de pesquisa, o NEMED, de quem recebi carta branca e a quem agradeço a confiança. Colegas de trabalho e melhores amigos dessa vida! Agradeço a meus colegas do Departamento de História que afinal autorizaram em plenária o meu deslocamento e à UFPR que me deu recursos para isso. Não representei os medievalistas brasileiros, embora seja uma medievalista brasileira. Gostaria, por fim, de reenquadrar a experiência na sua dimensão exata: fiquei 1 hora no gabinete do Ministro da Educação, com mais 2 colegas que conheci na saleta de espera. Falei, entreguei papeis, ouvi os colegas, o ministro e dei palpite quando falaram. Não mudei o contexto político do Brasil, nem um milímetro da história da educação no país, não me ofereci para trabalho algum, mas expressei meu interesse, minha crítica e minha atenção; achei que Brasília valia bem uma missa[4], mas não me converti (acho que me faço entender). Não me abstive de lá ir depois de eu mesma ter me convidado. Se continuo a acreditar nos motivos que me levaram à capital federal e que expus semana passada? Sim e fortemente.

Agradeço ao colega Felipe Ferreira, que leu essa memória e a corrigiu para a compreensão de nossa visita ao MEC.


Realmente estive no MEC:









Indicações:

·        2ª versão da BNCC:
·        Rápida explicação do Prof. Jacyntho Lins Brandão sobre o mito, que tem relação com o que disse acima. De forma tão simples e extraordinária (só os grandes mesmo...), o professor afirma: “o mito é o lugar comum de uma cultura (...) que permite a comunicação”:




[1] A totalidade desse relatório será enviada ao Ministro da Educação, como ata de nosso encontro.
[2] Muito embora o Ministro tenha se posicionado desta forma, acho FUNDAMENTAL os educadores, mães, pais e demais responsáveis pelas crianças e jovens se posicionarem contra esse retrocesso que tramita no senado e pode sim integrar as leis que regem a educação em nosso país. Vá até: http://www12.senado.leg.br/ecidadania/visualizacaomateria?id=125666 Até o dia 17 de julho, às 9:20, o número a favor era superior ao contra..., mas as cifras são ínfimas considerada a matéria e o interesse nacional.
[3] Lembro-me de ter folheado o álbum de família da querida Evelyn Hamm, cuja família veio do Turcomenistão!
[4] Henrique IV de França teria dito: “Paris vale bem uma missa!”, depois de ter se convertido ao catolicismo.

segunda-feira, 11 de julho de 2016

Sobre por que vou a Brasília esta semana conversar com o Ministro Mendonça Filho – carta à minha família, aos meus amigos, alunos, professores e colegas

No último dia 25 de maio, o Ministro da Educação Mendonça Filho recebeu o ator Alexandre Frota em Brasília para uma conversa sobre educação. O fato de o Ministro ter encontrado tempo em sua agenda para receber essa visita gerou reações diversas entre as pessoas que têm projetos refletidos e maduros sobre o tema. No mesmo dia, diversos intelectuais, dentre os quais eu, enviaram mensagens ao Ministro se prontificando a ir a Brasília a fim de conversar sobre propostas sérias. Transcrevo a minha mensagem:

Excelentíssimo Ministro Mendonça Filho,
tendo acompanhado pela mídia sua disposição em receber os mais variados setores da sociedade brasileira, refiro-me à visita que lhe fez o ator Alexandre Frota, coloco-me à Vossa disposição para conversar de forma qualificada sobre a educação brasileira. 
Atenciosamente,
Marcella Lopes Guimarães
Professora Doutora em História Medieval da UFPR.

Escrevi essa mensagem um pouco inflamada. Releio-a agora e vejo que poderia ter escrito “conversar de forma qualificada sobre educação” apenas, pois repeti o adjetivo “brasileira” em poucas linhas. Escrevi arrebatada, mas não “de brincadeira”, nem como bravata. No dia 20 de novembro de 2015, eu também havia enviado uma carta ao Ministro Mercadante (na altura, Ministro da Educação), uma carta pausada e refletida, mal lida por um blogueiro, de que esqueci o nome e não vou procurar para evitar favorecer a sua expressão média. A minha carta ao ex-Ministro está publicada aqui no blog e teve como resposta a seguinte mensagem:

Prezado(a) Senhor(a),
Informamos que sua mensagem endereçada ao Ministro de Estado da Educação foi encaminhada à Secretaria de Educação Básica (SEB), por tratar-se de matéria de competência daquela Secretaria.
Caso queira obter mais informações, sugerimos que entre em contato diretamente com a SEB, por meio do e-mail: gabinete-seb@mec.gov.br .

Atenciosamente,
Coordenação de Gestão e Apoio Administrativo

No dia 15 de junho passado, recebi uma mensagem eletrônica da Sra. Nádia Ferreira, Assessora Especial, afirmando que o Ministro Mendonça Filho me receberia, bem como a todos os que “solicitaram audiência”. Eu não solicitei, coloquei-me à disposição, mas tudo bem. No dia 4 de julho, semana passada, portanto, recebi mensagem, desta vez da Sra. Leda Lopes, definindo a “mesa redonda” com o Ministro para dia 13 de julho, às 14:00.
Pedi ao meu Departamento autorização para ir a Brasília e ela me foi concedida. Agradeço a confiança dos colegas. No dia em que solicitei a autorização ao Departamento de História da UFPR para me deslocar, pedi a palavra para explicar por que escrevera ao Ministro Mendonça Filho no dia 25 de maio e por que, afinal, mantinha a minha disposição de ir a Brasília agora. Minha explicação foi introduzida pela manifestação clara de minha posição política, contrária ao governo interino que o Senhor Mendonça Filho integra como Ministro.
São muitos os motivos que podem levar um intelectual a Brasília nessa mesa redonda com o Ministro da Educação: as propostas absurdas do grupo escola sem partido; as interferências políticas e religiosas nas práticas docentes pautadas em projetos pedagógicos elaborados de forma refletida e democrática; o equívoco generalizado quando se toca na necessidade de discutir o gênero nas escolas... Entre os destinatários da mensagem da Sra. Leda Lopes, reconheci vários colegas que subscrevem essas pautas e poderiam incluir outras. Mas eu gostaria de expor o motivo que me leva pessoalmente, e ele é um só, ainda que eu reconheça a necessidade de tratarmos dos temas que exemplifiquei. Vou a Brasília para manifestar minha preocupação com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Desde outubro de 2015, tenho militado pela colaboração à BNCC e pela construção de uma proposta que seja a expressão das discussões mais ricas que temos feito nas escolas e nas universidades sobre a formação das crianças e dos jovens.
Eu não sei se terei trinta segundos para me dirigir ao Ministro Mendonça Filho, mas vou levar na bagagem um dossiê contendo textos sobre a BNCC que escrevi e outros em que colaborei. Meu critério de seleção é apenas um: minha participação direta na elaboração dos documentos. Há muitos outros que subscrevo, alguns estão na hashtag criada a meu pedido: #‎queroajudarabnccmeconvidaministro, outros tiveram imensa difusão (felizmente!). Destaco três: o texto do Professor Pedro Paulo Funari, intitulado “A História em sua integralidade: a propósito da Base Nacional Comum Curricular”, datado de 17 de fevereiro de 2016; a manifestação da ANPUH, datada de 10 março deste ano, e a Nota elaborada pelos Professores de História da UERJ, de 22 de junho último. Mas não fui elevada à condição de porta voz de ninguém, até pensei em consultar colegas, mas achei que seria muita arrogância me oferecer para representá-los ou sugerir um protagonismo.
Quero deixar claro que não estou me oferecendo para o emprego de “consultora”. Infelizmente, eu nunca descobri os critérios que pautaram a escolha das equipes... Posso dizer, porém, que a área de História Medieval tem especialistas brilhantes, pessoas de grande expressão em nosso país e fora dele, expressão bem maior que a minha. Não fui tomada de falsa modéstia, eu sou historiadora, não temo a verdade. Esses colegas integram núcleos e laboratórios prestigiadíssimos. Devem ser convidados e devem ser ouvidos. Eles têm o que dizer.
Se eu acho que fui chamada a Brasília para “fazer parte da foto”, com tudo o que isso tem de importância simbólica? Acho que sim, mas sou muito crítica em relação à minha “importância” e, se for esse mesmo o caso, minha presença na foto não é grande coisa. 
Em 4 de maio último, publiquei um desabafo sobre a segunda versão da BNCC no meu perfil do FB, ressaltando que me sentia muito desconfortável em criticar o documento no momento político em que vivíamos, pois temia que minha militância acadêmica fosse confundida com a adesão aos projetos do governo interino. Naquela ocasião, afirmei ser aquele o último texto que escrevia sobre o assunto. Afirmei ainda que não tinha mais energia.
Só que enquanto trocamos de ministros, e já são três desde a publicação da primeira versão da BNCC[1], a Base é elaborada. Enquanto eu temo a confusão entre assuntos diferentes, esse projeto prossegue cheio de equívocos e questões sem respostas. Eu poderia fazer uma oposição de gabinete e retirar o meu time de campo, dado o contexto. A “necessidade” da Base, porém, paira acima de qualquer crise ou mudança política..., isso me choca e me põe em alerta. Se eu acho que minha ida a Brasília vai me esclarecer/vai nos esclarecer? Acho que não, mas faço esse gesto com a certeza de que minhas motivações são legítimas: a defesa da formação das crianças e adolescentes e a defesa de minha área, que é essencial para essa formação (entregarei ao Ministro textos meus que falam das razões pelas quais acredito na importância de Antiga e Medieval).
Se por algum acaso esta carta vier a ser lida por pessoas que suspeitam que toda a minha motivação seja na verdade a defesa de uma educação tradicional ou que luto para preservar o meu “mercado”..., vou convidar o leitor de ocasião a buscar nesse blog tudo aquilo que entregarei ao Ministro sobre o tema: os textos que contemplam parte do meu pensamento sobre a formação das crianças e jovens. Talvez depois da leitura fique claro que não acho que História Medieval e mercado sejam vocábulos facilmente conciliáveis na frase... Acho mais pertinente: História Medieval e feira da Champagne! Todo mundo percebeu que faço graça, que brinco com as palavras e seus sentidos?...
Alunos, professores, amigos, colegas, minha família, com essa carta não dou satisfação, nem peço opinião. Sei que os tribunais de um só, dos pequenos grupos, protegidos pelas telas do computador, estão aí para fazerem seus julgamentos... Muito embora eu respeite as opiniões diferentes da minha, muito embora eu as requeira em vários momentos, já tomei a minha decisão. Vou. Essa carta é um esclarecimento público, pois sou uma servidora pública e uma intelectual que acredita na necessidade de assumir posições claras.
Eu espero ter mais de trinta segundos..., mas se não tiver, entrego o dossiê de qualquer jeito e até na marra, correndo o risco de uma selfie imprevista. Ai, meu São Bernardo de Claraval, proteja-me!!!

Marcella Lopes Guimarães


Apêndice:

O material que vou entregar será introduzido por um índice comentado e pela sintética contextualização abaixo:

Em setembro de 2015, o Ministério da Educação publicou a versão preliminar da BNCC. Logo de saída, o então Ministro da pasta, Prof. Renato Janine Ribeiro, ressaltou o caráter preliminar da redação, não sem fazer críticas ao documento, afirmando que ele não fora elaborado pelo MEC, mas por consultores. O problema fora exposto: como foi formada a equipe que elaborou um documento dessa magnitude? Com a publicação da primeira versão, a consulta pública começou. O ministro mudou e núcleos de pesquisa, a ANPUH e pesquisadores individualmente manifestaram-se. O mais evidente problema na área de História foi o corte de Antiga e Medieval. Logo, medievalistas e antiquistas brasileiros descobriram que nenhum especialista das áreas fora convidado para a equipe de consultores. Sendo as áreas de Antiga e Medieval constituídas no Brasil, integradoras da formação dos professores de História, apoiadas pela Capes e pelo CNPq e reconhecidas internacionalmente, novas questões surgiram: por que o corte? Que motivos científicos fundamentaram a supressão? A mais rápida passada de olhos pela historiografia do século XX vai demonstrar que medievalistas foram protagonistas nos grandes debates teóricos e metodológicos dessa ciência chamada História... O então Ministro Mercadante veio a público para garantir que o documento seria revisto.
Outras áreas constituídas também sofreram cortes que jamais foram explicados. A sociedade brasileira reagiu e colaborou quantitativa e qualitativamente. Foram cerca de dez milhões de colaborações. Só na área de História mais de um milhão! Em maio deste ano, a segunda versão da BNCC foi publicada e qual não foi a surpresa ao ver que as áreas de Antiga e Medieval voltaram? Voltaram, entretanto, em bases completamente ultrapassadas... Uma outra equipe fora chamada a redigir essa versão, então repetiu-se o velho questionamento: como a “nova” equipe foi formada? E surgiu outro, diante do resultado que apresentaram: as colaborações qualificadas foram apreciadas?
As universidades formam os professores que vão trabalhar com a BNCC, porque seus maiores especialistas, os núcleos e as áreas específicas de conhecimento foram alijados do processo de elaboração do documento?

Documentos citados:
  • Texto do Prof. Funari: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/documentos/relatorios-analiticos/pareceres/Pedro_Paulo_A._Funari.pdf
  • Nota da ANPUH de Março deste ano: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/noticias-destaque/item/3352-manifestacao-publica-da-anpuh-sobre-a-base-nacional-comum-curricular
  • Nota da UERJ: http://site.anpuh.org/index.php/2015-01-20-00-01-55/noticias2/diversas/item/3574-nota-sobre-a-segunda-versao-da-bncc




[1] Fora aqueles que efetivamente articularam a sua elaboração: Cid Gomes, Paim?...

segunda-feira, 4 de julho de 2016

Uma história de mentirosos, sobre o documentário "Martin Guerre, Le retour au Village" (2014), de Daniel Vigne.

Aos meus alunos de Teoria da História I (turma de 2016), com quem troquei ideias sobre o fascinante caso de Martin Guerre

Em 2014, o diretor Daniel Vigne voltou a Balagué, aldeia de Ariège, nos Pirineus franceses, onde filmara O retorno de Martin Guerre (1982), estrelado por Gérard Depardieu e Nathalie Baye. Os historiadores conhecem bem essa história. No prefácio do célebre livro de Natalie Zemon Davis, ela afirma que, quando leu o relato do juiz Jean de Coras, que cuidou do caso do homem que no século XVI se fez passar por outro ao longo de três anos, pensou que a história precisava virar um filme. Na altura, ficou sabendo que o diretor Daniel Vigne trabalhava em um roteiro sobre o tema e então se juntou ao projeto. Ela revela ainda que, ao longo do processo, seu interesse em continuar a explorar o caso só crescia e o seu livro, ou seja, a pesquisa história propriamente dita, foi consequência da parceria com Vigne e de sua vontade de “mostrar um acontecimento da vida camponesa remodelado como uma estória por homens de letras” (DAVIS, p. 11). O livro foi publicado no ano seguinte ao lançamento do filme.
Pouco mais de 30 anos depois do lançamento do filme e do livro, o diretor voltou à aldeia onde rodara o filme, e o documentário de 50 minutos é a história desse retorno. Então, muito embora eu tenha gostado do filme e tenha adorado o livro de Natalie Zemon Davis, resolvi escrever sobre o documentário de 2014. Neste, Vigne rememora a trama sucedida no século XVI: o casamento de Martin Guerre com Bertrande de Rols; o problema da impotência de Martin; sua partida da aldeia; o abandono da família; a chegada do homem que afirmava ser ele, mas na verdade era Arnaud du Tilh, indivíduo de memória prodigiosa, sedutor, que se passa por Martin Guerre na rua e no leito conjugal; a defesa de Bertrande de Rols desse homem, de fato muito mais interessante que aquele com quem se casara na adolescência... Vemos trechos do filme de 82 e a motivação de Vigne: a sua curiosidade pelos figurantes nesses 30 anos. O diretor assume voltar, como o herói da história... Gosto muito desses retornos atravessados pelo tempo, que nos proporcionam reencontros conosco, na verdade, com quem fomos.
No reencontro do diretor com a aldeia, pessoas que participaram do filme dão depoimentos, vasculham memórias. Não todos, alguns já se foram. O primeiro a falar é Christophe Prat, que na época da filmagem foi o menino que anunciou a chegada do herói. Em ambos os filmes, portanto, é o arauto da volta!
Em Balagué, vivem hoje cerca de 60 pessoas. Não há mais escolas na aldeia, então a cena em que as crianças veem o filme é feita em outro lugar. A irmã da atriz que representou Bertrande jovem, Patricia Méda, faz perguntas às crianças: se elas achavam que a história era verdadeira ou inventada; se as crianças reconheceram alguém ou lugar no filme; se reconheceram algum ator ou atriz famosos. As crianças reconhecem lugares e um menino reconhece Catherine Deneuve, que não participara do filme... Achei interessante que o documentário tenha mantido o seu equívoco. A professora fala que O retorno de Martin Guerre é um filme histórico e as crianças fazem comparações entre modos de viver, sentimentos e acham que hoje é difícil haver um amor como o de Bertrande e do falso Martin. Patricia Méda fala da ousadia dessa mulher do século XVI, de revelar a sua vida íntima no tribunal. É muito interessante como em vários momentos é a história de amor que prevalece, não a história da falsa identidade... Até a professora destaca esse aspecto, fala que O retorno de Martin Guerre é, sobretudo, uma história de amor, e esse destaque se opõe à maneira como as crianças não reconhecem ser possível uma atitude como a de Bertrande em seu contexto.
Acho que Daniel Vigne está muito interessado na história dos sentimentos e na vida das mulheres camponesas hoje, pois provoca uma série delas a falarem sobre suas escolhas e a examinarem o gesto de Bertrande. O diretor usa a personagem para uma espécie de homenagem às mulheres da região pirenaica. Uma senhora que tem uma hospedaria fala que, mesmo em épocas em que as mulheres eram vigiadas, elas se safavam e faziam na verdade o que queriam. Sentado à mesa dessa senhora, o conselheiro de Ariège evoca o orgulho que as mulheres da região sentiram ao participarem do filme; do quanto se viram valorizadas e que, mesmo quando faziam as mesmas tarefas duas vezes (as próprias tarefas de casa e as que Vigne precisava que executassem para o filme), faziam-nas orgulhosas.
A etnóloga Anne Levy Luxereau fala da singularidade de Balagué, de seu vigor, mesmo em cenário em que as aldeias da região se acham despovoadas. Philippe Antras, um criador (e Balagué é essencialmente uma vila dedicada à pecuária), fala de sua experiência na construção de um cenário, que infelizmente foi demolido. Trata-se do cenário do encontro entre Bertrande de Rols e Arnaud du Tilh, como Martin Guerre. Ele afirma que falar de Balagué é falar do filme e que a aldeia estará para sempre associada ao Retorno de Martin Guerre. O diretor pergunta se a mentalidade mudou, mas confesso que não entendi bem a resposta de Philippe Antras. O documentário é também um excelente exercício para estudantes de francês, como eu... Falar sobre cenários que não mais existem faz Vigne refletir sobre o poder destrutivo do tempo.
Vigne apresenta Michel Roques que, embora não tenha declarado seu envolvimento com o filme de 82, emite considerações muito importantes sobre o presente da aldeia. Fica claro o seu engajamento no combate à desertificação do espaço rural e Vigne se reporta às dúvidas de Roques sobre algumas decisões tomadas em Bruxelas. Em seu trabalho, o criador tenta conciliar agricultura e biodiversidade, e de todos os que o diretor ouviu, é certamente Michel Roques o mais consciente das questões que envolvem as políticas agrícolas da UE.  Ele manifesta uma visão crítica de programas e soluções gerais que não levam em consideração as especificidades das regiões.
Balagué também tem museu! Seu criador é Daniel Solakian, que não se julga um colecionar, mas alguém que se esforça para reconstruir aspectos da vida camponesa. Ele fala sobre como reuniu objetos e mostra o cartable, espécie de bolsa, na verdade uma caixa de madeira com alça para guardar cadernos e livros. Devia ser dureza para as crianças carregarem aquilo..., ou talvez não, afinal, o cartable era feito pelo pai, construção pelas mãos com o coração. Solakian não é natural de Balagué, mas exalta a aldeia como lugar vivo, de turismo e também de criação. Lembra que há jovens que se mantêm como criadores e que há, portanto, continuidade. Ele também afirma que Balagué será sempre a aldeia onde foi realizado o filme de Vigne.
Didier Farcine abastece várias aldeias da região, há 30 anos. Como conhece vários povoados, suas observações sobre o abandono do campo são relevantes, bem como sobre a falta de trabalho para os jovens. Didier vai até a casa de uma pessoa que participou do filme, Rosine Antras, cujo pai, já falecido, também participara. Solteira, ela fala de transformações sociais, sobretudo no que se refere à comunicação. O diretor provoca-a um pouco, ao falar sobre Bertrande e sobre sua ousadia diante do tribunal.
O último morador a dar seu depoimento é o escultor Jean-Marie Mathon, que fez o modelo de pé em madeira usado no filme[1]. Ele evoca coisas engraçadas, como uma mulher que teria gritado em uma cena que Martin vinha da Argélia (ao invés da Picardia)! Fala que o cenário foi tão bem feito que todos tinham a impressão de estarem no contexto encenado no filme. Jean-Marie Mathon revela que esculpir um urso é um trabalho perigoso na região, porque a imagem do animal provoca as pessoas. Vigne enxerta, então, a cena do Charivari[2], em que o jovem Martin é o urso caçado pelos aldeões. No Diálogo sobre a alegria, escrevi um pouco sobre a prática. É esperar um pouco para ler.
Na capela onde foi filmado o casamento dos adolescentes Martin e Bertrande, Daniel Vigne evoca a morte prematura da atriz que interpretou a jovem Bertrande, Sylvie Méda. Em pouco mais de 30 anos, o desaparecimento daquela que será para sempre a jovem esposa no Retorno de Martin Guerre é a evidência mais dolorosa do tempo que passa.
Vigne afirma que as histórias de amor terminam mal em geral... O preparador físico que trabalhou no filme rememora a cena em que Depardieu fez a procissão do pedido de perdão público até o patíbulo. Vários figurantes choraram então. A cena precisou ser interrompida para as pessoas se refazerem, pois naquele contexto tratava-se de um criminoso, era necessário conter as manifestações de “verdadeira” emoção. Como a mentira é poderosa! Na cena, o diretor apresenta uma solução ficcional para a ausência lamentada por Nathalie Davis no relato de Jean de Coras...
O compositor da música original do filme, Michel Portal, faz o encerramento. O diretor se assume como mentiroso, como Arnaut du Till, afinal Balagué não era a aldeia de Martin Guerre... A aldeia dos Guerre era Artigat[3]! Há duas coisas muito relevantes nesse documentário de estrada para os historiadores: a maneira como a mentira nos interessa tanto quanto a verdade e isso desde Arnaut du Till(!) e a forma como Daniel Vigne transformou os outrora figurantes em novos heróis. Estes lutam para conservar o seu modo de viver em um mundo de grande transformação e lidam de forma saudável e saudosa com a suprema fraude de ter sua identidade associada a uma trama que afinal não sucedeu ali.

Indicações:
·        O documentário está disponível no youtube (ainda sem legendas): https://www.youtube.com/watch?v=h7_TNOIjs58 bem como o filme de 1982 (este sim, já legendado): https://www.youtube.com/watch?v=dPYa_QqzM5c
·        Vale a pena ler o livro de Natalie Zemon Davis: O Retorno de Martin Guerre (Rio de Janeiro: Paz e terra, 1987), pois há uma série de hipóteses que não foram abordadas nem no filme de 82, nem no documentário.
·        GUIMARÃES, Marcella Lopes. “Notícias ibéricas no Livro III de Jean Froissart (1337-1405): notas sobre a circulação da informação na Baixa Idade Média” in Revista de História Comparada da UFRJ, disponível em: https://revistas.ufrj.br/index.php/RevistaHistoriaComparada/article/view/2757






[1] O pé de Arnaud du Tilh era menor que o de Martin Guerre e isso foi um elemento que colaborou para por em xeque a sua identidade como Martin. Foi o sapateiro da aldeia que constatou a diferença.
[2] Ritual coletivo ocasional em que com alarde se ridiculariza publicamente alguém ou se condena também publicamente seu comportamento.

[3] Ambas as aldeias ficam, entretanto, no perímetro que constituía o velho condado de Foix, espaço para o qual na Baixa Idade Média confluíam cavaleiros de várias procedências. Eu falo um pouco sobre isso em: “Notícias ibéricas no Livro III de Jean Froissart (1337-1405): notas sobre a circulação da informação na Baixa Idade Média”.