quarta-feira, 11 de agosto de 2021

Um MAPA para se deter

 

Tirei só um braço da manga e abri três botões da camisa. – Não, abre tudo. – Tá bom? – Tá ótimo. Ela cortou um pedaço razoável do rolo branco e enlaçou na minha cintura. – Tá apertado? – Não. – Agora eu vou envolver o seu braço com isso aqui. – Mas e se eu suar? – Não tem problema, eu vou deixar firme. Pode suar. Riu. Pronto, eu tinha 22 horas pela frente na companhia do MAPA da pressão[1]: uma espécie de celular velhíssimo que nem para ligações serve. Que dirá fotos?! – Quando apitar, você deve parar tudo o que estiver fazendo e aguardar a braçadeira inflar e desinflar. – Mas eu vim dirigindo... – Tira a mão do volante, coloca sobre a coxa, segura só com uma e, se puder, para. – A cada quanto essa braçadeira vai inflar? – Ela vai inflar de 15 em 15 minutos. À noite, de meia em meia hora. – Alguma sugestão para o banho? – Nenhuma, porque não pode tomar.

Saí esquecida das diversas durações de 15 minutos. Fui comprar pão. No caixa, a braçadeira. A pessoa que estava me atendendo levou um susto. – Quer uma cadeira? – Não..., disse baixinho, - É que eu estou com o mapa da pressão... – Ahhhh... Paguei e saí. Carro. No caminho, a braçadeira. Opa, dá para parar. Olho à minha volta. Acalmo. Será que dá para ver quanto tá a pressão? Não enxergo. Sol. Óculos de leitura na bolsa. Bora chegar à minha casa antes de nova inflada!

– É mais fácil parar em casa, disse confiante para mim mesma. – Ainda mais porque estou de férias!, sorri. Almoço, filha, vassoura, orientando atrasado que vai infartar, pressão?, minhas leituras de férias essenciais!

Achei umas paradas bem engraçadas: contemplar na paz do Senhor o bife que ameaça queimar da frigideira, ouvir malcriação de filha sem revidar com palestra, interromper um abraço com o sorriso das margens plácidas, curvar-se à lei da gravidade quando o lençol de elástico estava quase dobrado, parar a frase na confiança beneditina de que a memória vai ajudar a retomar, congelar a escovação de dentes espumando de falsa raiva, substituir a gargalhada pelo sorriso sereno.

A cada 15 minutos eu fui obrigada a parar. Detestei. Detestei porque, a cada vez, era uma parada nervosa. Eu parei só de fachada. Eu não decidi. O celular de outras eras decidiu por mim. Eu tive de me dobrar às suas exigências para fazer dar certo cada medição.

Quando o meu grupo de corrida treinava velocidade nas quadras de areia do parque, eu tinha dificuldades em parar perto da divisória de arame entre as quadras. Não raro me jogava no arame, rindo a valer.

Eu escrevi uma coleção de livros que incluiu um conceito de parada muito interessante. A ideia não foi minha, foi da minha parceira de escrita, pessoa sensível e sagaz. E eu achei espetacular! Desde então, tenho me perguntado qual é o lugar da pausa, da parada, do instante de contemplação serena na minha vida... Eu que adoro correr, em vários sentidos. Eu que adoro me jogar no arame, esquecida do perigo que é a gente se jogar em matéria com tanto potencial de corte, de ferir.

O mapa da pressão é aparelho decerto, mas a sigla sugere uma cartografia nova para as vidas de todos os que têm de pendurá-lo à cintura como eu tive de fazer. A maior parte das vezes em que ele me constrangeu a parar, eu busquei combater a minha contrariedade com um sorriso – calmo ou derrotado. Às vezes, as pausas das braçadeiras infladas tiveram para mim uma duração maior que os 15 minutos de intervalo...

Quando a braçadeira infla, ela faz pressão no nosso braço e, como o mapa é automático, ele faz uma pressão ignorante do sofrimento de quem o recebe. Muitas vezes, eu tive pena do meu braço e isso me ensinou tanto quanto os números que meu cardiologista desfraldou diante de mim. Pressão que dói, avermelha, que obriga a parar.


Hoje, um dos exercícios do meu treino era parar e mudar o sentido. Achei curioso.

Não é busto, cintura ou quadril, mas são medidas reais...




[1] MAPA é uma sigla para o aparelho de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial

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