Tirei só um braço da manga e abri três
botões da camisa. – Não, abre tudo. – Tá bom? – Tá ótimo. Ela cortou um pedaço
razoável do rolo branco e enlaçou na minha cintura. – Tá apertado? – Não. –
Agora eu vou envolver o seu braço com isso aqui. – Mas e se eu suar? – Não tem
problema, eu vou deixar firme. Pode suar. Riu. Pronto, eu tinha 22 horas pela
frente na companhia do MAPA da pressão[1]: uma espécie de celular
velhíssimo que nem para ligações serve. Que dirá fotos?! – Quando apitar, você
deve parar tudo o que estiver fazendo e aguardar a braçadeira inflar e
desinflar. – Mas eu vim dirigindo... – Tira a mão do volante, coloca sobre a
coxa, segura só com uma e, se puder, para. – A cada quanto essa braçadeira vai
inflar? – Ela vai inflar de 15 em 15 minutos. À noite, de meia em meia hora. –
Alguma sugestão para o banho? – Nenhuma, porque não pode tomar.
Saí esquecida das diversas durações
de 15 minutos. Fui comprar pão. No caixa, a braçadeira. A pessoa que estava me
atendendo levou um susto. – Quer uma cadeira? – Não..., disse baixinho, - É que
eu estou com o mapa da pressão... – Ahhhh... Paguei e saí. Carro. No caminho, a
braçadeira. Opa, dá para parar. Olho à minha volta. Acalmo. Será que dá para
ver quanto tá a pressão? Não enxergo. Sol. Óculos de leitura na bolsa. Bora
chegar à minha casa antes de nova inflada!
– É mais fácil parar em casa, disse
confiante para mim mesma. – Ainda mais porque estou de férias!, sorri. Almoço,
filha, vassoura, orientando atrasado que vai infartar, pressão?, minhas
leituras de férias essenciais!
Achei umas paradas bem engraçadas:
contemplar na paz do Senhor o bife que ameaça queimar da frigideira, ouvir malcriação
de filha sem revidar com palestra, interromper um abraço com o sorriso das
margens plácidas, curvar-se à lei da gravidade quando o lençol de elástico estava
quase dobrado, parar a frase na confiança beneditina de que a memória vai
ajudar a retomar, congelar a escovação de dentes espumando de falsa raiva,
substituir a gargalhada pelo sorriso sereno.
A cada 15 minutos eu fui obrigada a
parar. Detestei. Detestei porque, a cada vez, era uma parada nervosa. Eu parei
só de fachada. Eu não decidi. O celular de outras eras decidiu por mim. Eu tive
de me dobrar às suas exigências para fazer dar certo cada medição.
Quando o meu grupo de corrida
treinava velocidade nas quadras de areia do parque, eu tinha dificuldades em
parar perto da divisória de arame entre as quadras. Não raro me jogava no arame,
rindo a valer.
Eu escrevi uma coleção de livros
que incluiu um conceito de parada muito interessante. A ideia não foi minha,
foi da minha parceira de escrita, pessoa sensível e sagaz. E eu achei
espetacular! Desde então, tenho me perguntado qual é o lugar da pausa, da
parada, do instante de contemplação serena na minha vida... Eu que adoro
correr, em vários sentidos. Eu que adoro me jogar no arame, esquecida do perigo
que é a gente se jogar em matéria com tanto potencial de corte, de ferir.
O mapa da pressão é aparelho
decerto, mas a sigla sugere uma cartografia nova para as vidas de todos os que
têm de pendurá-lo à cintura como eu tive de fazer. A maior parte das vezes em
que ele me constrangeu a parar, eu busquei combater a minha contrariedade com
um sorriso – calmo ou derrotado. Às vezes, as pausas das braçadeiras infladas
tiveram para mim uma duração maior que os 15 minutos de intervalo...
Quando a braçadeira infla, ela faz
pressão no nosso braço e, como o mapa é automático, ele faz uma pressão
ignorante do sofrimento de quem o recebe. Muitas vezes, eu tive pena do meu
braço e isso me ensinou tanto quanto os números que meu cardiologista
desfraldou diante de mim. Pressão que dói, avermelha, que obriga a parar.
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