Conheço MÔNICA FIGUEIREDO há muitos
anos. Eu ainda morava no Rio de Janeiro, estava no fim de minha graduação em
Letras na UFRJ, quando dividimos uma mesa em um evento. Ela brilhava, notei
logo. Depois, eu já no Mestrado, ela no Doutorado, cursamos uma disciplina com
o Professor Helder Macedo, disciplina que haveria de mudar a minha vida,
aproximando-me de Fernão Lopes e da História. Mônica brilhava:
inteligentíssima, alegre, linda, colega que todo mundo quer para si no recreio,
nos trabalhos da faculdade e pela vida afora. Eu e Mônica temos muito em comum
e talvez o mais importante seja nossa alma
mater, Teresa Cerdeira. Ainda bem que o coração dela é grande e que nós – eu
e Mônica – não somos ciumentas (talvez só um pouquinho... rsrsrs). Ela tem o
privilégio de convier com nossa mestra e eu, o privilégio de tê-las na minha
biografia.
Minha amiga
Mônica é Professora de Literatura Portuguesa na
UFRJ. É licenciada e bacharel em Português-Literaturas pela nossa UFRJ; Mestra
em Literatura Portuguesa (Letras Vernáculas) pela UFRJ (1994) – até aí, nossa
trajetória é igual! – e doutora em Literatura Portuguesa (Letras Vernáculas)
pela mesma UFRJ (2002) – nossa diferença. Fez estágio pós-doutoral na
Universidade de Coimbra, onde desenvolveu o projeto de pesquisa: "E[ç]as
Mulheres: um estudo da presença feminina na narrativa de Eça de Queirós". Esse
projeto foi premiado pela Cátedra Jorge de Sena/Fundação Calouste Gulbenkian
(2005); pela Fundação Universitária José Bonifácio, através do Programa Antônio
Luís Vianna (2004); e recebeu Bolsa de Pós-Doutorado no Exterior pelo CNPq. Em
2006, o seu projeto de pesquisa foi novamente premiado pela Fundação
Universitária José Bonifácio, através do Prêmio Antônio Luís Vianna. Em 2010,
finalizou o projeto que discutia as relações estabelecidas entre o romance
realista brasileiro e o português, através das personagens masculinas
construídas pela ficção de Machado de Assis e Eça de Queirós: "De
vencedores vencidos: Bento Santiago e Carlos da Maia. Algumas considerações
sobre o romance luso-brasileiro oitocentista". O referido projeto foi
agraciado com Bolsa de Pesquisa da Fundação Biblioteca Nacional do Brasil em
2007/2008. Em 2013, Mônica se tornou Bolsista de Produtividade do CNPq. Em
2016, iniciou seu novo projeto de pesquisa, intitulado: "Atlas do romance
queirosiano: (des)caminhos viajantes da estética realista", agraciado com
Bolsa de Estágio Sênior pela CAPES, em 2017-2018, realizado na Universidade do
Porto/ILCML.
Recentemente Mônica viveu a experiência de ser quase uma “youtuber”, por
causa de um discurso de formatura, um dos muitos que ela já proferiu, porque
seus alunos são apaixonados por ela, o que ajuda a explicar a coleção de
homenagens que ela merece na carreira. Eu era menina e moça quando conheci Mônica, ela, Oriana, sem par, porque incomparável[1].
LITERISTÓRIAS: Mônica
Figueiredo, você foi patronesse da turma Marielle Franco, da Faculdade de Letras
da Universidade Federal do Rio de Janeiro em 14 de abril deste ano e na ocasião
fez um discurso que viralizou na internet! Em sua opinião, a que se deveu o
fenômeno?
MÔNICA: Gostaria de começar por agradecer
a lembrança de meu nome para esta entrevista e dizer que é um prazer estar de
alguma forma perto da Marcella, amiga de longa data e de jornadas que unem História
e Literatura. Em relação a esta cerimônia de formatura, há mesmo coisas que
fazem pensar. Ao longo destes anos, tenho tido sorte de ser regularmente
homenageada por sucessivas turmas na Faculdade de Letras da UFRJ, ora sendo
convidada para patronesse, ora paraninfa, ou ainda como professora homenageada.
Creio que em todas as vezes procurei fazer de minhas palavras um depoimento
comovido, que fosse capaz de unir o meu coração ao de meus alunos, na tentativa
– de todo vã – de vencer o tempo e de ficar na memória afetiva de cada um
deles. Se a circunstância nada tinha de nova e se a professora era a mesma,
creio que a diferença estava no entorno, ou como diria um escritor realista, o
problema estava no real. O discurso de formatura de uma professora de literatura
(não partidária politicamente e sem religião) obter mais de 1.350.000
visualizações e incontáveis compartilhamentos, num país indiferente à sua
ignorância cultural e polarizado por extremismo político, é mesmo fato que
causa espanto. Ouso arriscar que a explicação desse “sucesso” reside no
respeito que procurei ter com as várias fraturas que hoje aleijam o corpo
nacional. Creio que aliado à ideia de respeito, há em meu texto um apelo ao bom
senso e ao equilíbrio, coisas tão em falta neste estado de barbárie em que
vivemos. Há também uma boa dose de reconhecimento que une, num país cheio de
injustiças, uma legião de humilhados. Por último, (e o que gosto de acreditar
que foi mesmo definitivo!), há ainda quem queira ouvir falar de tolerância e
compaixão.
LITERISTÓRIAS:
Mônica, parte importante de sua carreira é dedicada à pesquisa da obra de Eça
de Queirós, quais são as mais recentes tendências da crítica sobre o autor
português do século XIX?
MÔNICA:
Como você deve imaginar, o número de estudiosos da literatura oitocentista não
pode ser considerado uma multidão. Em tempos de pós-modernismos, por muita
ignorância e consequente preconceito, o século burguês foi paulatinamente
emoldurado como um século artisticamente conservador apesar de tudo o que foi
capaz de gerar de mudança e de inovação. A crítica queirosiana na atualidade
continua bem representada por aqueles que podemos considerar os “leitores
clássicos”, ou seja: Carlos Reis e a coordenação da edição crítica da obra do autor
que segue com muitos volumes já publicados; Elsa Miné, que se dedica atualmente
ao estudo de outros grandes representantes da Geração de 70; e Isabel Pires de
Lima que dá atenção a várias formas de releitura que a obra de Eça vem
recebendo da literatura e de outras formas de artes contemporâneas (teatro,
cinema, pintura, etc). Há ainda muitos estudos que se dedicam ao “último Eça” e
seu Fradique Mendes ligado agora à fundação da questão da heteronímia, antes
mesmo de Fernando Pessoa; estudos que averiguam o homoerotismo na obra do autor
de “Os Maias”; e, no meu caso específico – depois de uma longa pesquisa que se
debruçou sobre a questão do feminino e da consequente revisão crítica da
suposta misoginia queirosiana -, cada vez mais insisto no trabalho comparativo
da obra de Eça com outros autores de seu tempo e com outras disciplinas, sendo
a História e a Geografia os diálogos que mais gosto de privilegiar.
LITERISTÓRIAS:
Mônica, você é uma professora apaixonada. O que lê com paixão hoje? Valem
clássicos e novidades.
MÔNICA:
Cada vez mais gosto de reler, e gosto de reler porque gosto de ver como somos
míopes, o quanto nos escapa, o quanto os olhos nos enganam e insistem em deixar
“para trás”. Tenho atualmente uma obsessão indisfarçada sobre os estudos
históricos sobre a sociedade vitoriana, pois guardo sempre a sensação de que,
ao ler a História, estou lendo uma forma de ficção já que, de fato, sou capaz
de me transportar no tempo, experiência que chega às vezes a me assustar! É o
que acontece quando estou diante do trabalho de Peter Gay, por exemplo!
Paralelo a isto, há em mim uma necessidade cada vez mais emergente de reler a ficção
do Brasil do fim do Segundo Império e do início da Primeira República, aquele
mesmo período que foi conhecido como o da Belle
Époque que, convenhamos, historicamente de bela não teve nada! Compreender
a composição de uma cidade injusta e injustiçada como foi a construção do Rio
de Janeiro tem me deixado hipnotizada e, para tanto, as narrativas de João do
Rio, Lima Barreto e, se recuarmos um pouco mais, a prosa de Coelho Neto e de
Aluísio Azevedo vêm mesmo ocupando as minhas retinas. Indubitavelmente, literatura
e cidade são para mim um tema avassalador.
LITERISTÓRIAS:
Mônica, você é professora de Literatura Portuguesa no Brasil. Em contexto de
aprovação da BNCC e do novo Ensino Médio, o que tem a dizer ao professor de
Literatura do futuro?
MÔNICA: Minha
querida Marcella, creia que só não estou mais deprimida porque é chegada a hora
da aposentadoria que poderia adiar, mas que não o farei por uma questão de
sanidade mental. A verdade é que as chamadas “humanidades” nunca interessaram a
um país como o nosso, que desde muito cedo teve como modelo de desenvolvimento
nações com potencialidades técnico-científicas e, por isso, aprendeu a se
envergonhar de sua cultura, como se uma coisa estivesse atrelada a outra. Um
país assim “projetado” não conseguiria – a não ser com muita vontade política –
superar seu sentimento de subdesenvolvimento intelectual sem um projeto sério
que livrasse nosso povo da ignorância a que sistematicamente foi submetido. A
literatura é perigosa, liberta porque faz pensar, mas não produz capital,
apenas mentes iluminadas que são capazes de perguntar por quais caminhos
tortuosos passam esse capital? Num país em que o analfabetismo funcional já é
uma epidemia, o “extermínio oficial” de disciplinas como literatura, história,
sociologia, filosofia torna-se uma consequência natural, porque afinal não
fazem falta a quase ninguém. Porém, o que mais me dói é intuir que antes mesmo
dos governos acabarem com a literatura, serão os professores de literatura que
acabarão com ela ao substituírem, cada vez mais de forma inescrupulosa e digo
mesmo imbecializante, o texto literário por outros objetos de estudo que, se
merecem atenção, não é a dos professores ligados à área de Letras. Precisamos
desesperadamente daqueles professores que ainda saibam ler e ensinar Eça de
Queirós ou Machado de Assis. Creio firmemente que os alunos brasileiros têm
direito a isto!
Para quem quiser conferir o discurso
que (viralizou!!!!) emocionou todo mundo:
[1] Brincadeira de leitores, com o romance de
Bernardim Ribeiro Menina e Moça e com
o Amadis de Gaula...
Mônica Figueiredo no lançamento de um de seus livros
Parabéns pela iniciativa e pela criação do neologismo Literistórias! Sucesso no empreendimento, professora Marcella!
ResponderExcluirObrigada pela visita ao blog, Professor!
ResponderExcluirMinha Querida Marcella, andei por dentro de uma tempestade, pois só isto explicaria o meu silêncio diante da felicidade que senti com o resultado de "nossa" entrevista! Estarei eternamente grata pelo espaço que vc abriu para minhas ideias e espero que a distância, em breve, seja vencida! Guarda o meu sincero carinho e desculpe este "sumiço" que não houve, creia, como ser evitado! Obrigadíssima!
ResponderExcluirQuerida, quem agradece sou eu! Muitos beijinhos.
Excluir