20
de abril de 2023, aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em História
(PPGHIS) no anfiteatro 100 do edifício Pedro I da Reitoria. Anfi cheio: alunos
das quatro Linhas de Pesquisa, alunos da graduação atraídos pelo tema e pela divulgação
que fizemos nas redes e professores do Programa. Quando o convidado chegou, o
anfi já estava ocupado, a equipe de gravação apostos, texto de apresentação
passado. Ele entra, sorri, recebe abraços, abraça. Ele é Sérgio Odilon Nadalin.
O
anfiteatro 100 é uma de suas muitas salas de aula, em 6 décadas de ocupação
como aluno e professor das salas dos dois Pedros do complexo da Reitoria.
Sérgio tinha sido convidado para abrir ou fechar – o que ele quisesse! – o
evento dos 50 anos do PPGHIS, mas sua saúde não lhe permitiu aceitar. On line?
Ele queria presença, todos queríamos depois de dois anos de distância. Dia 20
ele voltou ao seu ambiente. Entrou, sorriu, foi abraçado e abraçou.
O
tema foi sugestão dele – “Memórias: o tempo e a história”, e ele começou com a
sua conhecida provocação: “o tempo não existe”. Ele não queria fazer graça,
embora tenha conquistado sorrisos e risadas com seu humor elegante. Sérgio
falou de suas inquietações ao longo da carreira, de suas pesquisas, de como foi
mudando o entendimento desse “O tempo não existe” para o tempo existe… Ele
construiu uma aula articulando proposições: o pesquisador, seus interesses,
experiências pessoais, profissionais, a UFPR, a Escola de Altos Estudos na
França… Sérgio falou da dificuldade de explicar a conjuntura de Braudel a seus
alunos, falou dos conceitos basilares de suas pesquisas, explicou geração,
ciclo vital, desenhou no quadro… vaga-lumes, pirilampos, estrelas… Deteve-se em
geração. Eu haveria de insistir por minha vez, quando o questionei ao final.
Quando
ele começou a falar, pediu desculpas pela voz, um pouco rouca, de fato. Talvez
menos habituada aos cursos presenciais. Não demorou muito tempo, porém, para as
cordas vocais lembrarem de onde estavam: no corpo do Professor Sérgio, o corpo na
universidade. Ele falou sem microfone ao longo de noventa minutos para um
anfiteatro cheio e sua voz foi plenamente ouvida. Posso provar, estava na
penúltima fila, ao lado dos meus alunos.
Coisas
delicadas aconteceram na tarde de 20 de abril. Ana Paula Vosne Martins,
coordenadora do PPGHIS, sintetizou o currículo de Sérgio na apresentação e
deslumbrou os alunos com a leitura de uma trajetória acadêmica exitosa. Sérgio
segue sendo pesquisador do CNPq, no nível mais alto, próximo aos 80 anos de
idade. Mas Ana fora sua monitora quando cursava História na UFPR, brincou que
talvez ele não se lembrasse disso. Ali, sentados lado a lado o tempo se
embaralhou, mas não se confundiu: a menina de antes é hoje a historiadora que
coordena os trabalhos no Programa em que Sérgio atua. Ora, é sua chefe! Ela não
se fez de rogada, fez a última pergunta, provocou-o.
Sérgio
foi honrado com debate. Sua colega Marion Brepohl queria ouvi-lo enfrentar
Braudel. Ele enfrentou. Reconheceu a importância, declarou redirecionamentos...
Deu uma das melhores razões que já ouvi para estudarmos teoria: como toca piano
de ouvido há anos, um dia sentiu que lhe faltava técnica para fazer o que
queria.
Achei
que Sérgio estava comovido e aí não sei se foi a emoção ou o tempo... que me
permitiu observar uma outra delicadeza.
Em alguns momentos, Sérgio parou para pensar e continuou as frases sem
pressa. Havia preparado um texto, as folhas estavam lá; nitidamente lia e
refletia sobre o que tinha escrito, ali diante de nós; lia e falava olhando
para nós, explicava; imagino seu cérebro conversando em diferentes níveis:
consigo mesmo, imaginando se o que tinha escrito estava claro, estava
apropriado e tudo isso fez com que a plateia – vou chamar assim mesmo –
compreendesse que a vida desafia o ritmo em sua ambição de intervalo regular de
tempo. E aqui não falo como musicista, o que não serei em qualquer tempo, mas
como alguém que reverencia os blocos (des)iguais do compasso. O tempo existe e não
para.
21/04/2023
Nenhum comentário:
Postar um comentário