segunda-feira, 24 de abril de 2023

O tempo existe

 

20 de abril de 2023, aula inaugural do Programa de Pós-Graduação em História (PPGHIS) no anfiteatro 100 do edifício Pedro I da Reitoria. Anfi cheio: alunos das quatro Linhas de Pesquisa, alunos da graduação atraídos pelo tema e pela divulgação que fizemos nas redes e professores do Programa. Quando o convidado chegou, o anfi já estava ocupado, a equipe de gravação apostos, texto de apresentação passado. Ele entra, sorri, recebe abraços, abraça. Ele é Sérgio Odilon Nadalin.

O anfiteatro 100 é uma de suas muitas salas de aula, em 6 décadas de ocupação como aluno e professor das salas dos dois Pedros do complexo da Reitoria. Sérgio tinha sido convidado para abrir ou fechar – o que ele quisesse! – o evento dos 50 anos do PPGHIS, mas sua saúde não lhe permitiu aceitar.  On line? Ele queria presença, todos queríamos depois de dois anos de distância. Dia 20 ele voltou ao seu ambiente. Entrou, sorriu, foi abraçado e abraçou.

O tema foi sugestão dele – “Memórias: o tempo e a história”, e ele começou com a sua conhecida provocação: “o tempo não existe”. Ele não queria fazer graça, embora tenha conquistado sorrisos e risadas com seu humor elegante. Sérgio falou de suas inquietações ao longo da carreira, de suas pesquisas, de como foi mudando o entendimento desse “O tempo não existe” para o tempo existe… Ele construiu uma aula articulando proposições: o pesquisador, seus interesses, experiências pessoais, profissionais, a UFPR, a Escola de Altos Estudos na França… Sérgio falou da dificuldade de explicar a conjuntura de Braudel a seus alunos, falou dos conceitos basilares de suas pesquisas, explicou geração, ciclo vital, desenhou no quadro… vaga-lumes, pirilampos, estrelas… Deteve-se em geração. Eu haveria de insistir por minha vez, quando o questionei ao final.

Quando ele começou a falar, pediu desculpas pela voz, um pouco rouca, de fato. Talvez menos habituada aos cursos presenciais. Não demorou muito tempo, porém, para as cordas vocais lembrarem de onde estavam: no corpo do Professor Sérgio, o corpo na universidade. Ele falou sem microfone ao longo de noventa minutos para um anfiteatro cheio e sua voz foi plenamente ouvida. Posso provar, estava na penúltima fila, ao lado dos meus alunos.

Coisas delicadas aconteceram na tarde de 20 de abril. Ana Paula Vosne Martins, coordenadora do PPGHIS, sintetizou o currículo de Sérgio na apresentação e deslumbrou os alunos com a leitura de uma trajetória acadêmica exitosa. Sérgio segue sendo pesquisador do CNPq, no nível mais alto, próximo aos 80 anos de idade. Mas Ana fora sua monitora quando cursava História na UFPR, brincou que talvez ele não se lembrasse disso. Ali, sentados lado a lado o tempo se embaralhou, mas não se confundiu: a menina de antes é hoje a historiadora que coordena os trabalhos no Programa em que Sérgio atua. Ora, é sua chefe! Ela não se fez de rogada, fez a última pergunta, provocou-o.

Sérgio foi honrado com debate. Sua colega Marion Brepohl queria ouvi-lo enfrentar Braudel. Ele enfrentou. Reconheceu a importância, declarou redirecionamentos... Deu uma das melhores razões que já ouvi para estudarmos teoria: como toca piano de ouvido há anos, um dia sentiu que lhe faltava técnica para fazer o que queria.

Achei que Sérgio estava comovido e aí não sei se foi a emoção ou o tempo... que me permitiu observar uma outra delicadeza.  Em alguns momentos, Sérgio parou para pensar e continuou as frases sem pressa. Havia preparado um texto, as folhas estavam lá; nitidamente lia e refletia sobre o que tinha escrito, ali diante de nós; lia e falava olhando para nós, explicava; imagino seu cérebro conversando em diferentes níveis: consigo mesmo, imaginando se o que tinha escrito estava claro, estava apropriado e tudo isso fez com que a plateia – vou chamar assim mesmo – compreendesse que a vida desafia o ritmo em sua ambição de intervalo regular de tempo. E aqui não falo como musicista, o que não serei em qualquer tempo, mas como alguém que reverencia os blocos (des)iguais do compasso. O tempo existe e não para.

 

21/04/2023


Sérgio e seus vagalumes, ou pirilampos, ou estrelas... acontecimentos.

 

 

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