Estou com quase 50 anos e não preciso de socorro.
Fiz 49 anos ontem e estou há meses
escrevendo esse texto dentro de mim. Outro dia, entrei no tema a propósito do
meu cartão de felicitações a Lula e Janja pelo casamento[1] e saí. Dei uma volta. Alguns
dos sentimentos que reúno aqui são, porém, mais antigos, de quando comecei a
usar óculos de leitura, por exemplo, aos 44, ou quando começaram a ficar
visíveis aos outros os primeiros fios brancos, e eu comecei a ser perguntada
sobre quando iria tingi-los. Olhando minhas fotos com 40 anos, cabelos mais
curtinhos que agora, eu vejo os fios sutis, lado direito, então foi antes dos
óculos!
Mas, sem sombra de dúvida, nos
últimos dois anos, sinto um movimento maior de resistência à tranquilidade com
que eu resolvi encarar o passar dos anos, sem (por enquanto) investir em cirurgias
plásticas, tintura nos cabelos, botox ou outros tratamentos. Antes que você
anteveja que eu caí na armadilha dos contrários, ora, se fosse para julgar
minhas amigas que fizeram/fazem tudo isso, eu nem perdia o seu tempo de
leitura..., leu o meu “por enquanto”? O meu problema – não é só meu, porque não
sou exceção – é que a minha tranquilidade e a de outras mulheres “relaxadas” têm
incomodado.
Eu sigo duas mulheres da minha
geração no instagram – uma psicóloga e outra jornalista – que têm abordado
bastante as diversas faces do etarismo. Porque é disso que se trata: do
preconceito contra o tempo que passa pelo corpo, deixando marcas visíveis, e
pela identidade civil das pessoas. Mas, perdoem, sobretudo pelo corpo e pela
identidade civil das mulheres. No caso, relaxada pode não significar estar
tranquila...
Como o etarismo tem se mostrado
para mim? Nos últimos dois anos as pessoas – de gente muito próxima, família
mesmo!, amigos, amigas, até gente que reencontrei depois de um tempo – passaram
a me achar mais jovem. Oi?! Sim, elas me dizem: - Você parece mais jovem! (ou)
Você rejuvenesceu! A área construída do sorriso delas no próprio rosto me dá
certeza de que elas julgam que estão me fazendo um baita elogio. Estou
imaginando daqui a surpresa de gente que já me disse/estava pronta para me
dizer isso lendo... Está claro para todo mundo que ficar mais jovem não é
possível? Pior: que a declaração não é um elogio?... Igualmente esquisito é me
lembrar que, quando eu era mais jovem, parecia mais velha, “responsável” demais,
olha a relação! Eu e outras mulheres – “maduras na juventude” e “moças na
maturidade”, para os outros, é claro... – estamos com o tempo contato!
Mas parece que, quando se quer elogiar
uma mulher, essas coisas escorrem da boca. O tempo funesto dela/nela. Não
escorre assim quando o alvo são os homens. A gente até pode dizer que ele
rejuvenesceu, mas não raro seus cabelos brancos, a firmeza dos traços de
expressão, as rugas... tudo isso é um charme! A gente se desvia. Há alguns anos
eu escrevi um texto sobre o homem mais bonito do mundo para mim[2]. Hoje, o modelo Paul Mason
tem 60 anos e... você quer saber se eu continuo a achá-lo o homem mais bonito
do mundo? Gente, o Papai Noel é lindo!
Quando eu comecei a “fugir” da
tinta, minhas irmãs combinaram de maneira galhofeira de pintar meus cabelos na
marra, ou quando eu estivesse dormindo. Elas desistiram das duas coisas: de me
demover e de me obrigar. Semana passada, minha tia querida, que me ama
apaixonadamente, me perguntou cheia de carinho, se no dia 6 de fevereiro eu
ficaria mais jovem. Piscou o olho. Eu corrigi olhando por cima dos óculos: - Não, tia, mais velha mesmo. Sempre Phina.
Se a tranquilidade incomoda e
desperta desejos galhofeiros nas irmãs, sob o olhar cúmplice das mães, isso não
é (quase nada) até a relaxada decidir namorar ou casar de novo e... com alguém
mais jovem! Grita! Amiga relaxada, não importa se você vai casar com um homem
(ou talvez...) ou com uma mulher. Hoje, isso é o de menos (quando já foi de
mais, eu sei!). Mas... você não será perdoada, de qualquer jeito.
Vamos para a família: ninguém vai
te cumprimentar, todo mundo vai “ficar preocupado/a”. Afinal, do lado de lá:
você é a sedutora; do lado de cá: você é a incauta. Vamos para os amigos: 1) felicidade
aturdida, não sabem se estão alegres ou confusos; 2) revolta calada ou
esbravejante; 3) carinho e compreensão (raros, todavia poderosos!). Vamos para
os conhecidos: - que é que tá
acontecendo?! As pessoas da rua: - É
sua mãe? (ninguém pergunta para um homem se ele é o pai da mulher..., mas
uma mulher mais velha sempre será a mãe dos outros, ou a tia!). As pessoas vão
usar muitos formatos para a própria confusão: as mais delicadas vão abordar
todas as diferenças do repertório particular e vão evitar a palavra idade; as indelicadas vão te fustigar
com os próprios traumas. Porque se é uma coisa que, mais cedo ou mais tarde, a
gente descobre no divã é que não é com a gente. Só que, é claro, é a gente que
recebe todo esse conteúdo edificante! Uma das bordoadas a que tive acesso em
minhas pesquisas sobre o tema trazia uma (única) frase sobre o alvo,
interrompida pelo fluxo de consciência à Virginia Woolf! Você
provoca: e isso fez sofrer alguém? Pára com crítica literária, amiga, é a vida.
Fez sofrer muito.
Sempre pode piorar. E se você quiser
ter um filho? Olha para a Claudia Raia! Vai redarguir que ela escondeu o
tratamento, e eu também achei desnecessário. Acho que perdemos a chance de
falar sobre outro drama que fustiga nosso coração e nossos corpos (e bolsos!):
os tratamentos para engravidar. Todo mundo tem uma opinião (péssima) para dar. No
caso de Cláudia, sobre o que mais se falou? Que ela tem 55 anos e vai ter um
bebê. Não pode... O corpo das mulheres.
O corpo das mulheres é um terreno
de disputas. Parece frase que alguém escreveu antes de mim. Talvez. Talvez eu
tenha aberto uma gaveta, ou percorrido os escaninhos da memória e a tenha lido
lá, entre um volume e outro de Paul Ricoeur. O fato é que, quer minha amiga
tenha decidido investir na cirurgia plástica depois de um parto difícil, quer
porque acha importante por uma razão toda sua, quer eu esteja calma com os
“bigodes de chinês” – que expressão é essa, meu Deus?!?! –, quer você tenha se
apaixonado e esteja sendo correspondida, respingando alegria por todos os lados
e queimando a cara dos outros, quer acalente o sonho de gerar um filho (ou mais
um!), todo mundo vai achar que tem de dar uma opinião e eu, que tenho ouvido
opiniões travestidas de elogios, ouvido/lido os fluxos de consciência, as
ameaças aos cabelos... vou achar que continuamos a fustigar muito nossas irmãs.
O conteúdo “edificante” é
partilhado por homens aturdidos também. Estão tão acostumados aos sacrifícios
das mulheres que não compreendem o próprio tesão pelas relaxadas, elas precisam
ser contidas! Seus pelos no corpo, o cheiro natural de quem vive, o sorriso sem
batom, o cabelo sem escova, que voa (!), inaceitáveis. Mas nossas irmãs
partilham conteúdos e, não raro, com mais requinte. De crueldade, claro.
Sabe o “é sua mãe?”. As mulheres miram essa jugular.
Tenho me perguntado/me
preocupado/me consagrado de maneira incessante a um plano imenso: como educar a
minha filha para não fustigar, para não aceitar ser fustigada, para não aceitar
que fustiguem suas amigas e para cicatrizar depressa, se por acaso – como eu
muitas vezes... – estiver distraída? Tenho conversado com mulheres. Eu ouço as
mulheres e somos muitas interessadas em parar de machucar as outras. Somos
muitas interessadas em não permitir que outros machuquem.
Precisamos retirar o etarismo
travestido de elogio do meio da sala. Se quer elogiar, seja mais ousado/ousada
ou mais inteligente. Repare. Se não quer e estiver morrendo de vontade de ser
desagradável, corra atrás do próprio rabo. Busque ajuda.
No meu grupo de corrida, uma das
mulheres mais fortes é a mais velha. Não tenho o seu pique. Sou sincera. Mas
sempre que posso tento treinar com ela. Eu reverencio meus mestres e a cada ano
saúdo o tempo que compartilho com eles e elas. Presente. Presente é o oxigênio
que entra pelos mesmos corpos de todas as idades, em todas as partes do mundo. O
tempo é uma companhia. Não há bicicleta sem marca no joelho, não há sopro de
velas em bolo de aniversário (ou levitando no bolo, novidades da crise
sanitária...) sem careta, boca franzida, não há ódio sem aperto no olho, gargalhada sem festa
na cara, marca... eu digo e ela (não) acredita: ela é bonita demais.
[1] Em 22 de maio aqui no blog. Disponível
em:< http://literistorias.blogspot.com/2022/05/cartao-de-felicitacoes-pelo-casamento.html>
[2] Texto publicado aqui no blog em 12 de
dezembro de 2016. Disponível em: <http://literistorias.blogspot.com/search/label/Paul%20Mason>
Nenhum comentário:
Postar um comentário