O texto abaixo, assinado pela Profa. Dra. Cíntia
Régia Rodrigues, foi publicado no jornal Expressão
Universitária da FURB neste mês de março. Agradeço à autora, minha querida
amiga, que permitiu que eu republicasse o seu texto aqui.
***
Debruço-me a escrever sobre a Reforma do Ensino Médio
no Brasil a partir da perspectiva do componente curricular História, em meio
ainda a perplexidade que a Medida Provisória n. 746/2016 aprovada no Congresso
Nacional, no Senado Federal e já velozmente sancionada pelo governo federal neste
último mês de fevereiro causou, principalmente aos historiadores, estudantes de
história e a sociedade em geral.
Em meio às graves fissuras que a
democracia brasileira vem sofrendo nos últimos tempos, e a série de medidas que
foram elaboradas e colocadas em prática pelo atual governo, em especial, a
Emenda Constitucional 55 que prevê um teto de gastos para os investimentos
públicos, a educação brasileira é atingida frontalmente. É notório assumirmos
que existe uma série de demandas que precisam ser analisadas e trazidas à
baila, principalmente no que tange aos novos rumos que a Reforma do Ensino
Médio está a causar na educação brasileira, desde problemas infraestruturais,
de capital docente e, principalmente, na formação dos estudantes, dentre
outros.
O objetivo desse breve ensaio é refletir
de uma forma mais ampla, num contexto global, sobre o significado da
concretização da Medida provisória, e, elaborar algumas ponderações ressaltando
a importância e o papel do componente curricular História no Ensino Médio no
Brasil. Segundo a filósofa, professora da Universidade de Chicago, Martha
Nussbaum “Obcecados pelo PNB, os países –
e seus sistemas de educação – estão descartando, de forma imprudente, competências
indispensáveis para manter viva a democracia”[1],
em seu estudo “Sem fins lucrativos: por
que a democracia precisa das humanidades”, a autora realiza uma pesquisa
sobre as políticas públicas e educacionais nos Estados Unidos e analisa dados
sobre a Índia, Alemanha, Suécia e Inglaterra. Dentre as várias questões analisadas pela
autora, uma que nos é cara neste momento, é a importante análise que ela traz
sobre qual seria uma das competências primordiais para salvaguardar a
democracia - o estudo da História! A obra lança um alerta acerca da importância
da disciplina de História para a formação de “cidadãos do mundo”: “pessoas que percebem que seu país faz parte
de um mundo complexo e interligado e que mantém relações econômicas, políticas
e culturais com outros povos e nações”[2].
Neste contexto, a Reforma do Ensino
Médio, aprovada, de forma unilateral, sem uma ampla consulta aos profissionais
ligados à área da educação, e ainda levantando inúmeras dúvidas quanto ao seu
conteúdo e possível prática, o que sabemos até o momento é que o texto aprovado
prevê o aumento gradativo da carga horária, das atuais 800 horas anuais, para
1.400 horas, sendo que o conteúdo do Ensino médio será dividido em duas partes:
as disciplinas obrigatórias que serão apenas Matemática, Língua Portuguesa e
Língua Inglesa, nos 60 por cento do currículo, este determinado pela BNCC[3](Base
Nacional Comum Curricular), e os demais 40 por cento “com ênfase nas áreas de linguagens, matemática, ciências da natureza,
ciências humanas e formação técnica e profissional”[4].
Lê-se, portanto, que o componente curricular História se fará presente na área
de Ciências Humanas, mas de que forma? Até o momento ainda não temos respostas.
Conforme era previsto na LDB[5]
(Lei de diretrizes e bases) está em curso a elaboração na BNCC, que na sua primeira
versão contou com uma participação pela internet de cidadãos e de docentes e
foi construída junto ao MEC por profissionais que foram recomendados e
convidados pelo Ministério da Educação. Já, a segunda versão da BNCC foi uma
reformulação da primeira, sendo que não avançou em vários aspectos que foram
questionados, principalmente no que se refere à área de História[6].
Agora estamos no aguardo da versão definitiva da BNCC, lembrando que os 60 por
cento do currículo a partir da Reforma do Ensino Médio será determinado pela
BNCC, e o componente curricular História está presente em tal documento tanto
no que diz respeito ao ensino fundamental quanto médio. Pode-se ler que a
História será obrigatória pela Base. Será que estamos diante de uma
contradição? Sim!
Em meio as várias incertezas que
pairam, passamos a destacar as certezas que temos sobre a relevância e as
contribuições do componente curricular História na formação escolar e na
construção da cidadania no país. A História enquanto disciplina escolar faz
parte do currículo do ensino no Brasil desde o século XIX[7],
sua trajetória está entrelaçada as abordagens historiográficas e na prática do
ensino de História nos diferentes contextos políticos e sociais da história
brasileira. Ocorreram tranformações na disciplina ao longo do tempo, segundo
Bittencourt[8], isso acontece quando sua
finalidade passa por alterações, que, por sua vez, variam de acordo com as
demandas e vicissitudes da sociedade. Na história do Brasil, no período da
Ditadura Militar a disciplina de história foi retirada do currículo escolar, sendo
instituída a disciplina de Estudos Sociais[9].
Pode-se dizer que a história,
quando ensinada, também auxilia os indivíduos a pensar historicamente e, que
estes se reconhecem como sujeitos ativos na construção da história. Significa
ser ator e analista da vida que o rodeia, conhecendo suas alternativas e desafios
de ação na história. O ensino de história tem um papel central na formação da
consciência histórica nos homens. Por fim, a Reforma do Ensino Médio tira a
obrigatoriedade do componente curricular História limitando as possibilidades de
os cidadãos em formação terem uma visão crítica do passado e do presente
estimulados pelas construções do conhecimento histórico. Marc Ferro[10],
muito atento, salienta, que a história tecida por uma dada sociedade acerca
dela mesma e de seus pares tem sólida relação com a história ensinada na sala
de aula.
Sobre Cíntia Régia Rodrigues:
Cíntia Régia Rodrigues é coordenadora do curso de
História da FURB, fundadora do LADIH (Laboratório de Didática da História) e é
especialista em política indigenista e populações indígenas. Para conferir um
pouco mais de suas pesquisas, recomendo a visita a seu lattes:
Adoro essa foto de Cíntia! Aqui, fica evidente sua paixão por ensinar, sua concentração e beleza! Porque ela é tudo isso: 1,80m de uma baita pesquisadora!
[1]
NUSSBAUM,
Martha C. Sem fins lucrativos: por que a
democracia precisa das humanidades. São Paulo: Martins Fontes, 2015. P. 4.
[2] Ibidem, p.91
[3] http://basenacionalcomum.mec.gov.br/#/site/inicio
(acesso em 20 de fevereiro de 2016).
[4] http://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126992
(acesso em 20 de fevereiro de 2016).
[5] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9394.htm
(acesso em 20 de fevereiro de 2016).
[6] Ver o
interessante relato da professora Dra. Marcella Guimarães em Sobre a mesa redonda no MEC, em 13 de julho
de 2016 no blog: https://literistorias.blogspot.com/search?q=bncc
(acesso 10 de fevereiro de 2017). Ainda sugiro a leitura de vários documentos
elaborados pelas seções regionais da ANPUH, que desenvolveram importantes
debates sobre a BNCC e o ensino de História, destaco a Anpuh/RJ e a Anpuh/RS,
dentre outras.
[7] Sugiro a leitura
de FONSECA, Thais Nívia de Lima. História
& Ensino de História. Belo Horizonte: Autentica, 2011.
[9] Ver ABUD, K. M. (Org.); SCHMIDT, M. A. (Org.) . 50 Anos da Ditadura Militar: Capítulos
sobre o Ensino de História no Brasil. Curitiba:
W & A Editores , 2014.
[10]
FERRO, Marc. A manipulação da história no
ensino e nos meios de comunicação. São Paulo: IBRSA, 1983.
Vivenciando o cotidiano de duas escolas que dividem o mesmo espaço físico, consigo fazer algumas constatações preocupantes:
ResponderExcluir- Não há debate entre os (as) professores (as) acerca da reforma;
- Há a descrença da execução da mesma pela falta de infraestrutura;
- Há um conformismo de esperar para ver o que vai acontecer;
- Há pouca preocupação pelo pedagógico, na qual o importante é se minha disciplina será prejudicada (reclama-se do governo, do PT, da Dilma, de Lula !) ou não (não se importa em questionar);
- Vivenciamos a crise do individualismo coletivo (!)
Por isso, precisamos falar, debater, escrever... Obrigada por sua leitura! Abraços.
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