segunda-feira, 21 de novembro de 2016

O SUPER SINCERO MARCEL PROUST

Em O Caminho de Guermantes, 3º de Em busca do tempo perdido, sobretudo na segunda metade do volume, frequentamos o meio mofado que estraga os mais promissores talentos antes mesmo que floresçam. Ocupamos os cantos dos salões, em jantares povoados por conversas vazias em que até os mais interessantes escritores são citados em suas páginas menores... Mas em meio a tudo sobressai uma sinceridade que merece atenção:

·  Sobre quando as comparações arrasam o que é “excepcional”: “O espírito dos Guermantes (...) era uma reputação como as salsichas de Tours ou os biscoitos de Reims” (p. 411).

·        Sobre nada que preste: “Se naquele salão haviam ficado enterradas para sempre tantas ambições intelectuais, e tantos nobres esforços, das suas cinzas, pelo menos, havia nascido a mais rara floração do mundanismo”( p. 413).

·        Sobre ser sincero com surpresa: “Pouco interesse tinha essa frase de Bloch, mas eu a recordava como prova de que às vezes na vida, ante o choque de uma emoção excepcional, nós dizemos o que pensamos” (p. 453).

·        Sobre ser extemporâneo ou culpado mesmo: “É verdade que se fazem às vezes para os mortos coisas que não se fariam para os vivos” (p. 454).

·        Sobre arrebentar um elogio...: “- Que deliciosa criatura era ela...
- Sim, meio louca, um pouco insensata, mas era uma boa mulher, uma louca muito amável; só não compreendi jamais por que nunca havia ela comprado uma dentadura que se mantivesse firme....” (p. 456).

·        Sobre não saber do que o outro está falando e se entregar: “A princesa de Parma, que ignorava até o nome do pintor, fez violentos gestos de cabeça e sorriu com ardor, a fim de manifestar a sua admiração por esse quadro. Mas a intensidade de sua mímica não conseguiu substituir essa luz que permanece ausente de nossos olhos enquanto não sabemos de que nos querem falar” (p. 466).

·        Sobre prometer e não cumprir: “Eu tinha imaginado para o senhor coisas infinitamente sedutoras, que me guardara de revelar-lhe” (p. 498).

·        Sobre motivação: “É inaudita a fúria das pessoas de uma religião em estudar a dos outros” (p. 514).

·        Sobre os Guermantes e muitos mais... por Swann: “Primeiro porque no fundo toda essa gente é anti-semita” (p. 519).

·        Sobre não ter nada na cabeça: “Sempre é preciso que tenham uma opinião sobre tudo. Então, como não têm nenhuma, passam a primeira parte da vida a perguntar as nossas, e a segunda a no-las resservir” (p. 524).

·        Sobre ser cínico ou sem noção: “Há noites em que a gente preferia morrer! É verdade que morrer talvez seja igualmente aborrecido, pois não se sabe o que é” (p. 525).

·        Sobre o desencontro conjugal: “ – Mas onde vão meter uma tetéia [fotografia] desse tamanho?
- No meu quarto; quero tê-la diante de meus olhos.
- Ah, como queira; se fica no seu quarto, tenho a chance de não vê-la nunca” (p.531).

·        Sobre ser humano na aparência: “Colocada pela primeira vez na vida entre dois deveres tão diferentes como subir ao carro para ir jantar fora e testemunhar piedade a um homem que vai morrer, não encontrava nada no código das conveniências que lhe indicasse a jurisprudência a seguir e, não sabendo a qual dar preferência, julgou que deveria fingir que não acreditava na segunda alternativa, obedecendo assim à primeira, que demandava naquele momento menos esforço” (p. 532).

Se alguém me perguntar qual dessas sinceridades obtusas é a minha favorita, eu devo confessar que espero que, em Sodoma e Gomorra, o Barão de Charlus cumpra as suas promessas...rsrsrs Mas O Caminho de Guermantes é muito mais que essa coleção chocante de franquezas. É o volume que narra uma perda muito sentida pelos leitores. Fica para a semana que vem. 


4 comentários:

  1. Que maravilha essa coleção que vc fez de citações. E que foda essa parte final, né? Beijos, Rapha.

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  2. Demais! Obrigada pela leitura. Beijão, M.

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  3. Quando vejo você comentar com propriedade toda esta beleza, tenho vontade de chorar pensando em quem fazia Proust parecer inacessível para a maioria das pessoas e que vivia cochichando como se fosse um tesouro que ninguém pudesse desfrutar ou partilhar.
    Que maravilha essas sinceridades escolhidas por você, pessoalmente me encanta a sinceridade! São maravilhosas e pretendo cita-las. Obrigada, professora Marcella!

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  4. Querida, no clube do livro em que lemos Proust, estamos todos no mesmo barco: entre aprendizes e encantados! Obrigada por sua leitura e carinho. Muitas saudades!

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