segunda-feira, 5 de setembro de 2016

Áureo Lustosa, mestre em Cultura Literária na Europa e estrela da Dança dos famosos: entrevista

Prólogo:
Áureo Lustosa Guérios Neto é formado em Letras pela UFPR (Português – Italiano) e fez mestrado em Cultura Literária Europeia e Italianística na Europa (ele explica na entrevista o que é Mestrado Triplo). Na Graduação, cursou História Medieval como disciplina eletiva e foi nessa ocasião que nos conhecemos. Fui sua professora e ele, um aluno brilhante! Quando decidiu ir para a Itália dar continuidade a seus estudos me procurou para que eu lhe desse uma carta de recomendação. Depois que realizou de maneira muito exitosa a sua pesquisa, Áureo voltou ao Brasil. Aqui, começou a se dedicar, entre outras coisas, à dança! E não é que achou um jeito de ser brilhante também como dançarino?!
Áureo estreou ontem na Rede Globo, na “Dança dos famosos” e arrasou! Quando o apresentador do programa falou dele, disse que Áureo é professor de dança, balé, ok... Essa entrevista não faz jus a seu diversificado currículo (!), mas lembra que Áureo é um intelectual que dança ou um dançarino intelectual, as duas coisas ou o que ele quiser. Tenho muito orgulho do meu ex-aluno, que confirma a minha certeza de que é preciso buscar uma vida plena.

1.      Áureo, você tem uma experiência rica de estudos no exterior. Fale um pouco sobre o que é mestrado triplo e sobre o trabalho que desenvolveu na Itália.

Áureo: Cursei um programa de Mestrado em Cultura Literária Europeia (CLE), oferecido por um conglomerado de universidades presididas pela Universidade de Bolonha. Em 2014, quando defendi a dissertação, o conglomerado era formado por quatro universidades: Bolonha (Itália), Thessaloniki (Grécia), Moulhouse e Strasbourg (França). Hoje, as universidades de Dakar (Senegal), Lisboa (Portugal) e Moscou (Rússia) também fazem parte da parceria. O programa busca criar mobilidade acadêmica e, por isso, os estudantes devem estudar em pelo menos duas línguas e duas sedes, e não podem escrever a dissertação em sua língua materna. Durante esse período, o conglomerado tinha à sua disposição algumas bolsas do programa Erasmus Mundus da União Europeia e tive a sorte de ser agraciado com uma delas. Mais informações sobre o CLE (http://www.cle.unibo.it/site/en/home/) e sobre as bolsas Erasmus Mundus (http://eacea.ec.europa.eu/erasmus_mundus/funding/scholarships_students_academics_en.php).
No meu caso, cursei o primeiro ano na Universidade de Bolonha, um semestre na Universidade de Estrasburgo e um semestre na Universidade de Thessaloniki, onde escrevi também minha dissertação. Como estudei em três sedes, tive por coordenadora a Profa. Gabriella Macrì, do departamento de italianística da Universidade de Thessaloniki, e dois co-coordenadores, Giuseppe Ledda (UniBo) e Cutinella-Rondini (UniStras).
Minha graduação na UFPR é em Letras Italiano e decidi continuar na mesma linha no mestrado. Dante e a Commedia sempre foram minha paixão literária. A Commedia, na verdade, é o motivo que me fez escolher Letras Italiano ao invés de alemão ou francês. Como estudei Dante, escrevi e defendi minha dissertação em italiano, e, como somos obrigados a conhecer as línguas de todas as sedes em que estudamos, respondi as perguntas da banca em francês e grego.
Meu trabalho se intitula Il rapporto fra docente e discente e gli appelli al lettore nella Commedia (disponível em http://ikee.lib.auth.gr/record/135912/files/GRI-2015-13854.pdf).
Estudei a rede de relações entre professores e alunos na Divina Comédia, dividindo-a em duas partes. Na primeira, propus uma análise da relação didática que se cria entre os muitos mestres da narrativa e seu único discípulo, o Dante personagem. Para isso usei uma teoria que adoro, o Close reading. Em seguida, tentei demonstrar como essa ideologia pedagógica é transposta aos leitores, de modo que Dante se comporta então como um mestre e ao leitor cabe comportar-se como um aluno. A Divina Comédia é uma obra estranha, única, e as regras habituais de leitura não se aplicam a ela. A Commedia vê a si própria como o Novíssimo Testamento e, portanto, ordena que o leitor use métodos adequados ao seu status, ou seja, o método de exegese bíblica. Dante tem a pretensão de que seus leitores reaprendam a ler e, por isso, inseriu o Manual de Instruções dentro da própria narrativa.

2.      Áureo, entre a temporada em que viveu na Europa e a sua volta, o Brasil passou por grandes mudanças... O que um italiano médio sabe do Brasil?

Áureo: Difícil responder... Há um enorme interesse pelo Brasil. Há um interesse cultural muito grande: dança, futebol, praias paradisíacas, favelas e Amazônia. E acho que esse interesse é intensificado pelo fato de que eles estudam muito pouco da história da América Latina. Mesmo pessoas cultas, que talvez conheçam bastante do Brasil de hoje, tendem a ignorar quase que completamente a história do Brasil e das colônias espanholas. Na minha opinião, isso cria uma certa aura de mistério e exotismo. Às vezes eu tinha a impressão de que eles nos viam mais ou menos com o mesmo tipo de caricatura com que nós vemos a Índia ou o mundo árabe. 
Além disso, cheguei à Europa no momento em que eles ainda se recuperavam da crise econômica e o Brasil crescia economicamente. Assim, me deparei com um grande interesse econômico no Brasil. Não foram poucos os italianos que me disseram que “pretendiam emigrar ao Brasil porque lá é que se encontram os empregos e as bolsas de estudo”. Sempre me diverti com isso.
Para além disso, a Itália e o mundo olham para o Brasil como um grande exemplo de sociedade multicultural bem-sucedida. Quando eu morava em Singapura, sempre me chamou a atenção o fato de que eles são uma sociedade multiétnica e multicultural. Lá, indianos falam tamil, comem comida indiana, vestem roupas tradicionais indianas, praticam religiões indianas e moram em Little India. Já os malaios, falam bahasa malayu, se vestem com roupas malaias, comem comida malaia, são muçulmanos e moram em Malay Village. Ou seja, em Singapura, se alguém é etnicamente diferente, ele provavelmente tem pouquíssimo em comum comigo. No mundo, normalmente multiétnico quer dizer multicultural e, com frequência, multilinguístico. Acho que por isso, quando os europeus olham para o Brasil, eles se maravilham em ver um país multiétnico que eles acreditam ser multicultural, mas, ao mesmo tempo, culturalmente coeso. E aí é que está o pulo do gato. O Brasil é multiétnico, mas de um certo modo dividimos uma monocultura. Nunca conheci, por exemplo, um brasileiro que não falasse português como língua mãe. Em Singapura, 50% da população fala mandarim como língua materna, 32% o inglês, 12% o malaio e 3% o tamil. Comparando um e outro, tenho a impressão de que não somos o mosaico cultural que eles imaginam que somos.

3.      Áureo, você é um intelectual que dança... A dança é um hobby ou ela te constitui, como a Literatura?

Áureo: Mais uma pergunta difícil... Comecei a dançar por acidente. Eu andava trabalhando muito, queria desestressar, e então aceitei acompanhar uma colega em um curso de dança de salão. Foi amor à primeira vista. Desde então não parei. Continuei por um bom tempo nas danças de salão, principalmente na salsa. Na Europa, comecei a estudar danças cubanas e afrocubanas. Depois me interessei pelo balé. No futuro, quero aprender break e me especializar em afrobrasileiro. Hoje em dia, entre balé, samba, dança de salão e dança afro, emprego pelo menos três horas de treinos diariamente. Às vezes chego a oito horas. É quase um vício... E se fico dois dias sem dançar, entro em parafuso.
A dança me é caríssima, certamente define quem eu sou e o que quero para a minha vida. Mas não sei se ela ocupa o mesmo espaço da literatura. São atividades ao mesmo tempo complementares e mutualmente enriquecedoras, mas de natureza muito diferente. Uma essencialmente física e outra cerebral. Uma criadora e outra interpretativa.
São nos estudos literários que pretendo desenvolver minha carreira. Pretendo começar meu doutorado no futuro próximo e gostaria de dar aulas no ensino superior. Nesse sentido a dança é sim um hobby. Quero ser um dançarino completo, exímio, mas não necessariamente busco isso pensando em uma carreira ou remuneração. É só uma aposta comigo mesmo, porque ser um grande dançarino me parece melhor do que não ser um grande dançarino... haha   

4.      Que história é essa de “Dança dos famosos”?

Áureo: Pois é... tudo isso é muito novo. Desde que voltei para o Brasil, no início de 2015, tenho me envolvido bastante no meio da dança de salão de Curitiba. Há alguns meses, fiquei sabendo que fariam uma audição para a Dança dos Famosos e resolvi participar, mais para ver como as coisas funcionam, porque não sabia muito o que esperar. Em nenhum momento me passou pela cabeça que eu realmente pudesse ser chamado... E acho que foi justamente isso que fez a diferença. Cheguei lá muito tranquilo, calmo, quase que participando de uma brincadeira. Quando me ligaram confirmando minha participação não acreditei e não sabia o que dizer. Pedi uma hora pra pensar. No fim das contas, resolvi encarar o desafio... Será um percurso novo, completamente diferente de tudo o que já fiz até hoje. Espero crescer como dançarino, sair da minha zona de conforto, quem sabe abrir novas portas. Veremos. De um modo geral, o apoio e a empolgação das pessoas que me circundam foram tão grandes que já me bastam como prêmio. Fora que nunca mais vou ter que justificar para ninguém porque faço aula de balé! haha   


Epílogo
Recadinho do Áureo: "Obrigado pela oportunidade e para quem quiser acompanhar as minhas peripécias no mundo e na Dança dos Famosos, sigam-me no Instagram, @mundoaureo, ou no Facebook, Aureo Lustosa."

2 comentários:

  1. Meu querido tu é bom em tudo que faz,além de ser um menino maravilhoso.estou torcendo em todas tuas aventuras,E lindo tambem.sucesso

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